29/10/2024

A armadilha

Reginaldo Leal 

Era noite de lua cheia no Posto Fiscal Ângelo Calmon de Sá, o Posto Feira – Serrinha, e o Auditor Fiscal Carlos Eduardo faria uma inspeção. Ele se deslocaria até o desvio utilizado por veículos que tentavam escapar da fiscalização. Ele não sabia o que o aguardava!

Ele saiu com um policial de poucas palavras, o Zeca Leão. Homem que era alvo de rumores sinistros. Diziam que ele ficava estranho nas noites de lua cheia e, por isso, jamais comparecia aos plantões naquelas datas. Ele estava ali porque um colega lhe pediu para trocar o plantão a fim de ir ao enterro do pai em outra cidade. As histórias de licantropia sempre existiram e o Carlos Eduardo, cético, nunca lhes deu atenção. Quanto arrependimento estava por vir!

A lua iluminava a estrada e o Zeca, que dirigia o carro, estava mesmo estranho e agitado. O Carlos Eduardo perguntou se ele estava chateado por causa da morte do pai do colega. Naquele instante, o Zeca sorriu, seus olhos brilharam e ele pareceu salivar exibindo seus dentes. Ele respondeu de forma enigmática: doutor, para morrer basta estar vivo; a morte vem, conduz a pessoa para um lugar de onde ela não pode escapar e a leva embora. Logo depois ele parou o carro à beira da estrada e disse precisar satisfazer suas necessidades no mato; saiu rapidamente do veículo e deixou o Carlos Eduardo sozinho.

Depois de meia hora de espera, o Carlos Eduardo, já impaciente, desceu do carro e começou a sentir que havia algo errado. Ele ouviu sons vindos da mata; gritos abafados e uivos altos e aterrorizantes. Ele gritou o nome do policial, mas a cada vez que fazia isso os uivos ficavam mais altos e mais próximos.

O medo começou a tomar conta dele, pois um cheiro horrível invadiu suas narinas. O pânico se instalou e um pensamento veio à sua cabeça: saia daqui, agora! Ele lembrou das histórias sobre o Zeca e, de repente, tudo parecia fazer sentido. E se as histórias sobre lobisomens não fossem apenas uma lenda?

Ele entrou no carro para dar a partida no veículo e voltar ao Posto Fiscal. No entanto, ao sentar-se no banco do motorista, ele percebeu que as chaves do carro tinham sumido e deduziu uma coisa: o Zeca as havia levado consigo. Com o coração disparado, ele pensou: uma armadilha, caí numa armadilha.

O cheiro insuportável estava cada vez mais forte e anunciava que algo se aproximava. Novamente, ele ouviu a voz gritar na sua cabeça: corra, se você ficar aqui, estará perdido! Desesperado, ele saltou do carro e começou a correr em disparada.

Ao ouvir algo se chocar contra o carro, ele olhou para trás. E foi aí que cometeu o seu pior erro, pois toda vez que você olha para algo, esse algo olha para você também. Ele viu, agachada no teto do Gol, uma figura de aparência bestial que logo moveu a cabeça na sua direção. Em seguida, a criatura saltou do carro e começou a correr ao seu encontro. Ele, tomado pelo pavor, pôs-se a correr, mas pernas humanas não podiam competir com a velocidade do que se movia como um predador de quatro patas.

O cansaço o dominou e o cheiro pestilento o envolveu. Era questão de segundos até que ele fosse alcançado. O seu único pensamento era: é o meu fim. Nunca mais farei um Auto de Infração. Por que eu vim para o desvio com esse maldito Zeca?

Quando sentiu algo tocar seu ombro, ele soltou um grito estridente e pavoroso. Surpreso, ele ouviu outro grito lancinante: acoooorda, porra!

Súbito, ele abriu os olhos. Estava ofegante e molhado de suor. Percebeu que estava no dormitório do Posto Fiscal e que fora acordado por um colega que o sacudiu enquanto ele dormia e sonhava.

Que sonho foi esse? Você estava agitado, gritando e se sacudindo; disse o colega. Ainda atordoado, Carlos Eduardo olhou ao redor e respirou aliviado ao perceber que tudo fora apenas um pesadelo.

Quando o colega lhe informou que era hora de voltar ao trabalho e perguntou se ele queria pegar o carro para checar o desvio com o Zeca Leão, ele, de forma lacônica e sem hesitar, respondeu: quem vai é o coelho.

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