Reforma Tributária 2023 – Texto 16 - Lei Orgânica da Administração Tributária (LOAT) e Teto Remuneratório do Fisco
1 – Introdução
Dentre as atividades-meio exercidas pelo Estado brasileiro a Administração Tributária é uma das mais importantes, possuindo destaque em alguns dispositivos do texto constitucional de 1988.
É através da Administração Tributária que as atividades-fim da estrutura estatal são providas de recursos financeiros através da arrecadação e cobranças de tributos, meios que garantem a realização das políticas públicas e da prestação dos serviços à coletividade, especialmente, nas áreas educação, saúde, saneamento, segurança pública, defesa do território nacional e justiça.
Não é sem razão que a Administração Tributária se caracteriza como atividade essencial ao funcionamento do Estado brasileiro, conforme previsto no art. 37, inc. XXII, da Constituição, redação abaixo reproduzida:
Art. 37 –
(...)
XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais; (Inciso acrescido pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
A importância da Administração Tributária para o Estado brasileiro é tão relevante que o constituinte estabeleceu ser de caráter prioritário a alocação de recursos necessários para o seu funcionamento. Além disso, fugindo da regra de proibição de vinculação de receitas de impostos a órgãos, fundos ou despesas, a Constituição Federal prescreveu que a regra não se aplica às atividades realizadas pela Administração Tributária, conforme disposição contida no art. 167, inc. V, da CF/1988, com a seguinte redação:
Art. 167 – São vedados:
(...)
V - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Ainda em destaque à importância da Administração Tributária, a Constituição Federal, normatizou desde 1988, que ela e seus servidores terão, dentro das suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei, conforme disposição contida no inciso XVIII, do art. 37, “in verbis”:
Art. 37 -
(...)
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;
Mais recentemente, o constituinte reformador em 2023, promoveu modificações significativas na tributação das operações de consumo de bens e serviços, através da extinção dos atuais tributos (PIS/COFINS, ICMS, ISS e grande parte do IPI), e a inserção de novos gravames, que será feita de forma gradual, numa modelagem mais moderna, adotada em vários países do mundo, com a introdução do IVA (Imposto de Valor Agregado), que no Brasil será dual, ficando a União com a competência de cobrar a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e os Estados e Municípios, em gestão compartilhada, através do Comitê Gestor, de cobrar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Não adiantaria nada reformar a base tributária do consumo, através de alterações na legislação material, sem que ocorresse também a correspondente modernização das Administrações Tributárias.
A aplicação da inteligência artificial; a unificação dos cadastros; a obrigatoriedade de uso da nota fiscal eletrônica para acobertar todas as operações; a introdução da apuração assistida para os novos tributos; os mecanismos de pagamento apartado através do split payment, são novidades que virão para ficar, cuja operacionalização estarão a exigir profissionais extremamente qualificados.
Para tanto, se faz necessário que as atividades exercidas pelos integrantes das Administrações Tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, com destaque para os Auditores Fiscais, tenham atrativos que possibilitem o acesso, através de concurso público, de brasileiros e brasileiras, com qualificação técnica, moral e ética, garantindo-se estabilidade na função, remuneração condizente com as responsabilidades a serem assumidas, além de um rol mínimo de deveres, obrigações e direitos firmados em legislação uniforme em todo o território nacional.
Neste breve estudo que integra a nossa coletânea destinada a tratar dos temas mais relevantes da Reforma Tributária de 2023, analisaremos as modificações promovidas pelo constituinte derivado nos temas referentes à Lei Orgânica da Administração Tributária (LOAT) e o Teto Remuneratório do Fisco.
2 – Disposições constitucionais relacionadas às carreiras da Administrações Tributárias na Emenda Constitucional nº 132/2023
Duas inovações foram introduzidas pela Emenda Constitucional nº 132/2023 no ordenamento jurídico no tocante às carreiras que integram a Administração Tributária das três esferas da Federação:
- A previsão de que lei complementar válida para toda a Federação, ainda a ser votada pelo Congresso Nacional, disporá sobre os deveres, direitos e garantias dos servidores que integram as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, consideradas atividades essenciais ao funcionamento do Estado;
- A unificação do teto remuneratório dos servidores das Administrações Tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que será o mesmo aplicável aos servidores da União, que corresponde ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, (STF)
Vejamos então como o constituinte reformador na EC 132/23 normatizou as duas questões em exame no texto da Carta de 1988, inovações que se deram através da inserção ao art. 37 dos parágrafos 17 e 18, ambos relacionados com o inciso XXII do mesmo dispositivo:
Art. 37 -
(...)
§ 17. Lei complementar estabelecerá normas gerais aplicáveis às administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dispondo sobre deveres, direitos e garantias dos servidores das carreiras de que trata o inciso XXII do caput. (Incluído pela Emenda Constitucional 123, de 20.12.2023)
§ 18. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, os servidores de carreira das administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios sujeitam-se ao limite aplicável aos servidores da União." (NR) (Incluído pela Emenda Constitucional 123, de 20.12.2023)
O legislador da Reforma, por sua vez, estabeleceu que a vigência dos §§ 17 e 18 do art. 37 da CF, somente se dará a partir 2027.
Uma primeira questão a ser resolvida é delimitar quais carreiras fazem parte da Administração Tributária, considerando que o texto constitucional não detalhada essa matéria.
O Código Tributário Nacional (CTN – Lei nº 5.172/1966), lei complementar de normas gerais aplicável a todos os tributos, no art. 194 prescreve que “A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação”.
Delimitar atualmente no Brasil quais carreiras integram a Administração Tributária é tarefa extremante difícil considerando que o assunto é tratado por cada ente federativo nas suas respectivas legislações. No Brasil, país de dimensões continentais e com acentuadas diferenças de desenvolvimento econômico entre as regiões e localidade urbanas, há municípios que sequer estruturaram em legislação própria suas carreiras de Administração Tributária através da criação cargos de nível superior para o exercício de funções típicas de fiscalização, lançamento e julgamento tributários. Nesta situação se encontram diversas pequenas prefeituras espalhadas pelo território nacional que mantêm seus orçamentos com base em recursos transferidos a partir dos tributos arrecadados pela União e pelo correspondente Estado, através dos Fundos de Participação dos Municípios(FPM) e do repasse de 25% do ICMS.
Adentrando agora no tema da gestão, a União administra seus tributos através da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), cuja estrutura atual foi instituída pela Lei 11.457/2007. Por sua vez, a Lei nº 10.593/2002, com suas alterações, dispõe sobre a carreira de Auditoria da Receita Federal -ARF, estabelecendo que o ingresso é feito mediante concurso público de provas e títulos, sendo exigido curso superior em nível de graduação concluído. A carreira é composta pelos cargos de nível superior de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista Tributário Receita Federal do Brasil.
A nível estadual, distrital e municipal cada ente fixa nas legislações específicas quais carreiras integram a Administração Tributária para o exercício das funções de fiscalização, lançamento, cobrança e julgamento administrativo.
No Estado da Bahia, de acordo com a Lei nº 8.210/2002 integram as carreiras da Administração Tributária os cargos de Auditor Fiscal e Agente de Tributos Estaduais, cujo ingresso no serviço público se dará através de concurso público de provas e títulos para o primeiro e de provas para o segundo, com a exigência de nível superior para ambos.
A questão em exame passou a ser tratada com certa uniformidade na Reforma Tributária de 2023, através da proposta de lei complementar (PLP) nº 108/2024, em trâmite no Congresso Nacional, que regulamenta as disposições da Emenda Constitucional nº 132/2023 relacionadas as atividades de fiscalização e cobrança compartilhada do IBS entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sendo estabelecido ali que as referidas atividades serão exercidas, sob a coordenação do Comitê Gestor do IBS, por servidores dotados de competência para fiscalizar e constituir o crédito tributário, conforme estabelecido na correspondente lei estadual, distrital ou municipal (art. 3º, § 4º);
Por sua vez, ainda no que se refere ao IBS, as atividades de cobrança e representação administrativas, previstas no PLP 108/2024, serão exercidas exclusivamente por servidores efetivos, integrantes das carreiras das Administrações Tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observadas as competências previstas em lei específica do ente federativo (art. 4º, § 1º);
No que se refere à função de julgador no processo administrativo do IBS, seguindo a diretiva proposta no PLP 108/2024, será atividade a ser exercida por meio do CG-IBS, exclusivamente por integrantes da carreira que possuam competência para realizar lançamento tributário ou de julgamento tributário, conforme definido na legislação do ente federativo correspondente (art. 102, § 2º).
Portanto, há avanços importantes e significativos em matéria de novas garantias para as carreiras da Administração Tributária introduzidas no ordenamento jurídico pela EC 132/2023, conforme veremos em maiores detalhes no tópicos seguintes.
2.1 – Teto Remuneratório Único do Fisco
Em relação ao teto remuneratório o dispositivo constitucional acrescentado à Carta Magna de 1988 pela nº EC 132/2023 não estabelece que haverá, em 2027, necessariamente acréscimo na remuneração para todos os servidores fiscais que não estejam recebendo o valor correspondente ao subsídio de Ministro do STF.
A implementação da medida é ainda dependente de aprovação em lei do ente federativo correspondente, salvo na hipótese do Estado ou Município ter implementado em sua legislação, antes de 2027, o limite máximo de vencimento fixado na Constituição Federal.
Entretanto, o que a norma constitucional veda é que prefeitos e governadores, a partir de 2027, estabeleçam em norma estadual, distrital ou municipal limite de remuneração dos auditores fiscais e demais integrantes das carreiras da Administração Tributária abaixo do estipulado para os servidores da União, que correspondente ao subsídio de Ministro do STF. Vedada, portanto, a nível local e municipal o estabelecimento em lei de subtetos remuneratórios para os integrantes das carreiras que fazem parte da Administração Tributária.
2.2 – Lei Complementar de normas gerais aplicáveis às administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dispondo sobre deveres, direitos e garantias dos servidores das carreiras
A Lei Orgânica da Administrativa Tributária (LOAT) deve estabelecer as linhas gerais da estrutura organizacional do fisco em todo o país, com dispositivos que tratarão sobre suas competências, direitos, deveres e prerrogativas. Uma vez aprovada pelo Congresso Nacional, cada ente federado poderá regulamentar a sua própria lei orgânica, em atendimento das peculiaridades locais, tendo como referência os comandos da legislação nacional.
A organização das carreiras e dos órgãos da Administração Tributária por meio da LOAT, veiculada através de lei complementar, garante maior estabilidade à sua estrutura, que não poderá mais ser alterada por um simples ato normativo editado pelo Poder Executivo ou mesmo por lei ordinária.
A LOAT deverá dispor, por norma geral aplicável aos três entes da Federação, o regime jurídico diferenciado dos seus servidores, alcançando os Auditores Fiscais e demais carreiras que integram a Administração Tributária, disciplinando, entre outras matérias:
- a forma de investidura;
- estágio probatório;
- critérios para as promoções;
- formas de remuneração, inclusive gratificações, diárias e ajudas de custo;
- vantagens não pecuniárias (licenças, por exemplo);
- aposentadorias;
- proibições aos seus integrantes;
- normas disciplinares e correspondente processo disciplinar.
Serão também definidos as carreiras e os cargos que comporão as Administrações Tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo recomendável estabelecimento uma nomenclatura comum, com a identificação daquelas que terão a prerrogativa de proceder a lançamento tributário para que não ocorra invasão de competências. Muito provavelmente a LOAT preservará as competências já estabelecidas pelas legislações dos entes federados, salvo as situações que venham a ser modificadas por decisão judicial transitada em julgado.
3 – Considerações Finais
A Lei Orgânica da Administração Tributária (LOAT) e o teto remuneratório único do fisco, correspondente ao subsídio de Ministro do STF, representam avanços significativos para as carreiras que as integram, colocando-as no quadro das carreiras típicas de Estado, onde estão inseridas a Magistratura e o Ministério Público, todas elas submetidas a regimes jurídicos específicos e com garantias próprias, entre elas a estabilidade no serviço público após o período de estágio probatório, estrutura remuneratória diferenciada e garantias contra as ingerências do poderes econômico e político.
A aprovação da LOAT antes de ser um tema de conteúdo corporativo, representa, em verdade, uma questão de interesse coletivo, pois sem a Administração Tributária é impossível o Estado promover e executar as políticas públicas voltadas à educação, saúde, serviços judiciários e segurança pública, entre outras.
Para que seja assegurado aos seus integrantes o pleno exercício das funções que lhes são conferidas pelo ordenamento jurídico, todas elas vinculadas à lei, é imprescindível a aprovação de uma norma geral da Administração Tributária, de âmbito nacional, assegurando a seus integrantes independência técnica, garantias, prerrogativas, direitos e deveres que afastem qualquer tipo de ingerência de ordem política ou econômica nas suas atividades.
O Ano 2027 está logo ali, bem próximo. É hora dos Auditores Fiscais de todo o Brasil trabalharem neste projeto.
(*) Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do IAF Sindical
(**) Ex-diretor jurídico do IAF Sindical e Professor de Direito Tributário.
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