13/03/2024

Reforma Tributária de 2023. Parte 1: Diretrizes e Inovações

       

Introdução.

O ano de 2023 finca um marco emblemático na história do direito positivo brasileiro. Após décadas de tentativas, finalmente o país conseguiu implantar uma reforma tributária de vulto, com criação de uma nova lógica jurídica na técnica da tributação sobre o consumo. Para além disto, o legislador reformista implementou também mudanças pontuais em outros tributos e inovações diversas no sistema jurídico-constitucional.

Por algumas vezes, projetos de reforma fracassaram nos estertores de sua aprovação, reduzidos a pontuais alterações neste ou naquele tributo. Tornaram-se apenas micro reformas. Reconhecidamente, não era fácil fazer aprovar profundas mudanças na tributação sobre o consumo porque os atores federativos temiam perder arrecadação. A União não queria compartilhar arrecadação, estados mais desenvolvidos não pretendiam compartilhar mais recursos com estados menos desenvolvidos.

Do lado dos contribuintes, havia segmentos econômicos que entendiam menos pior o status quo tributário, apesar das distorções evidentes do sistema. Os titulares de benefícios fiscais lutavam para não perderem suas benesses, ante a ameaça de que uma nova ordem jurídica pudesse transformá-los em pagadores de impostos.

Por sua vez, não obstante os entraves de um esquema tributário vetusto, confuso e injusto, a economia, em certa medida e em certos períodos, acabava reagindo. Mas a situação iria se tornar insuportável, conforme se verá adiante.

A partir de textos iniciais, promoveremos os estudos sobre a reforma tributária de 2023. Abordaremos em capítulos as repercussões jurídicas suscitadas pelas normas insculpidas na EC 132/23, notadamente no que diz respeito ao ferimento da ordem constitucional estabelecida, além de refletir sobre as novidades trazidas pelo legislador de 2023, suas implicações e impactos no ordenamento infraconstitucional.

Evidentemente, estas são as reflexões primeiras sobre um sistema que transformaram profundamente o que a comunidade jurídica pensava a respeito da tributação sobre o consumo, sem falar em outros assuntos.

Contexto político-jurídico.

Alterações de tamanha envergadura não poderiam ser concebidas se não houvesse uma conjugação de fatores que concorressem para isso. Mal comparando, para haver um desastre aéreo, é preciso haver uma concomitância de fatores. Para surgir uma reforma tributária profunda, seria necessário haver uma ambiência de total – ou quase total – repulsão ao ordenamento jurídico-tributário então vigente.

Em primeiro lugar, a questão econômica, sem querermos com isso ser economicistas. O Brasil há algum tempo não acusava avanços significativos de crescimento. Os especialistas diziam que a economia brasileira “andava de lado”. Os pífios índices de reação do PIB geravam desemprego, recessão e desconfiança dos investidores nacionais e internacionais. Por outro lado, a economia global também dava sinais de vulnerabilidade. A China já não crescia como antes. Taiwan (principal fornecedor mundial de semicondutores)[1] vivia – e vive - sob constante ameaça de intervenção militar, circunstância que pode gerar uma crise econômica mundial no desenvolvimento de tecnologias. Os conflitos armados espocaram - e continuam espocando – em áreas estratégicas do planeta, influenciando nas relações comerciais entre os países.  O Brasil precisava modernizar seu sistema tributário para fazer frente a uma nova ordem mundial, com vistas a ganhar competitividade no mercado internacional e atrair investimentos, sobretudo para gerar renda e emprego. A tributação sobre o consumo seria a primeira pedra de toque do constituinte derivado.

Um ponto primordial acelerador das mudanças foi o aparecimento e progressão da economia digital. As transações comerciais tradicionais perderam força para as transações eletrônicas. Neste trilho, um relacionamento inédito se estabeleceu entre os agentes econômicos e consumidores, com os recursos circulando nas redes digitais. Novos tipos de transação e serviços, meios de pagamento e interação tornaram obsoleto o esquema até então vigente de tributação sobre o consumo. Seria necessário criar uma técnica de tributação que se adaptasse aos tempos vindouros ou, pelo menos, se aproximasse mais deles.

Em segundo lugar, a questão federativa. No que tange ao consumo, a tributação ficava dividida entre as três esferas federativas. A União tinha na sua órbita o IPI e as contribuições sobre o faturamento das empresas. Os Estados-membros tinham o ICMS. Os Municípios o ISS.

A legislação de todos estes tributos gradativamente foi se tornando complexa, ininteligível, custosa de entender até para os experts da área. Suas normas desciam a detalhes que intrigavam os operadores, cotidianamente sem saber como tributar as mercadorias e serviços.

Dada a sua pouca importância para os cofres federais, o IPI passou a ser desdenhado do ponto de vista financeiro, visto ser preferível para a União otimizar a fiscalização e controle das contribuições federais, cujo produto da arrecadação não era repartido entre os demais entes federativos. Apesar disto, as contribuições do PIS e da COFINS enfrentavam polêmicas intermináveis, sobretudo em relação aos componentes de sua base de cálculo e técnicas de não cumulatividade. O ICMS, de tão confuso e casuístico, passou a ser conhecido como o Frankstein do sistema. O ISS enfrentava graves problemas de definição de quem seria o município beneficiário da arrecadação, sobretudo com a disseminação da técnica de retenção.

Ao meio de tudo isso, a guerra fiscal. Estados entre si e Municípios entre si digladiavam-se para atrair negócios e puxar com isso para seus territórios emprego, renda e alguma arrecadação.

A União vislumbrou neste cenário uma oportunidade de eliminar os problemas jurídicos, sobretudo com suas contribuições sobre o faturamento. Neste sentido, pretendendo descolar-se um pouco das querelas existentes entre Estados e Municípios, optou em oferecer na PEC a criação de um tributo que substituísse tais exações e o IPI, chamada de CBS – Contribuições sobre Bens e Serviços. Um modelo que se assemelhava com o IVA dual canadense.

Os Estados-membros chegaram à conclusão de que o ICMS tendia a ser uma exação inadministrável. Não mais se encaixava com as transações comerciais modernas. Enfrentava um passivo enorme no Judiciário. E havia uma tendência nos Tribunais Superiores de fixar entendimentos contrários aos interesses dos sujeitos ativos estaduais, haja vista as inconsistências normativas da legislação[2]. Aliás, o entrave maior de aprovação de uma reforma sobre a tributação do consumo se desprendia, quebrando a resistência dos Estados, os entes mais resilientes nas propostas anteriores, inclusive os mais desenvolvidos, notadamente depois que viram a possibilidade da União garantir por longo tempo parte das eventuais perdas havidas com a arrecadação na mudança da tributação.

Sem embargo de não exercerem tanta influência política como a União e os Estados, os Municípios – notadamente os de grande porte - em princípio resistiram à proposta de reforma, mas, paulatinamente, com as promessas de compensação em sua arrecadação e perspectivas de ampliação de base de incidência, terminou aderindo às mudanças, até porque no mínimo haverá pelo menos um aumento na alíquota nominal do novo tributo em relação ao ISS.

De sua vez, os contribuintes de direito também aderiram à proposta de reforma. Sobretudo os industriais, pois normalmente situados no meio da cadeia de produção e consumo, sofriam muito com as restrições de aproveitamento dos créditos fiscais pagando tributos em montante que, em princípio, não deveriam pagar. Aliás, o embrião da proposta de reforma tributária – profundamente alterada nas discussões congressuais – surgiu da iniciativa do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), cujo mentor principal, o economista Bernard Appy, passou a integrar o governo federal, na qualidade de chefe da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, ligada ao Ministério da Economia.

As discussões no Legislativo Federal acabaram favorecendo determinados setores econômicos, que obtiveram cargas tributárias minoradas, através da previsão dos regimes jurídicos específicos, favorecidos e diferenciados de tratamento jurídico para cobrança das exações.

Veja-se que um dos apelos da reforma foi a questão dos custos de conformidade, isto é, a redução das despesas no cumprimento das obrigações acessórias com o advento da nova forma de tributação sobre o consumo. Sem querer adentrar no mérito da discussão, pelo menos por enquanto, esse argumento ajudou muito na aprovação da proposta.

A sociedade em sua imensa maioria passou à margem de toda esta transformação. Afora pequenas manifestações de grupos civis organizados, notadamente de profissionais tributaristas, entidades corporativas e acadêmicos especializados, o povo tratou com indiferença mudança tão significativa, a afetar o cotidiano do cidadão brasileiro. Sabidamente, corre-se o risco da reforma implantada afetar o custo de vida, mormente nos preços dos serviços, não obstante as promessas governamentais de que isso não irá acontecer. A notícia boa para a população de baixa renda é que parte dos tributos pagos pelo consumo poderá ser devolvida, em manobra conhecida como cashback (em tradução livre, significa “devolver o dinheiro”), além de estar prevista a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, sobre a qual haverá isenção.

Dentro destas organizações civis, dê-se destaque às entidades representativas das carreiras da administração tributária e das procuradorias. Em grande medida, tais pessoas interagiram com os influenciadores da proposta de reforma, alertando para as eventuais inconsistências e propondo modificações normativas. Enfim, colaborando no seu aperfeiçoamento. A EC 132/23 seria menor em qualidade, não fosse a cooperação dos servidores públicos das administrações tributárias e representações judiciais, através dos seus órgãos de classe.

No que respeita ao ambiente externo, havia uma expectativa dos players internacionais no sentido de ver o sistema tributário nacional funcionar sem nós jurídicos e operacionais indesatáveis. Não raro, os empresários estrangeiros desistiam de apostar no Brasil porque inúmeros eram os empecilhos tributários. O país nunca deixou de ser uma excelente oportunidade para investimentos, desde que se revolucionasse o método de tributar o consumo no país, só para ficar neste aspecto.

O ambiente estava preparado para a consagração da reforma. A economia nacional insistia em não deslanchar. Normas de tributação do consumo que vigoravam obsoletas, alienadas da realidade e prolixas. Entes federativos – mormente os estados[3], – que cederam às perspectivas de ganhos na arrecadação ou, na pior das hipóteses, quando nada, da previsão de mecanismos de compensação a longo prazo de perdas da arrecadação. Os acenos positivos de setores econômicos poderosos. As declarações de estímulo da comunidade econômica internacional. Pouca ou quase nenhuma pressão popular. Todos os fatores concorriam no intuito do Congresso Nacional referendar a reforma tributária, mesmo assim debaixo de muita articulação política, restando apenas escassas manifestações em contrário oriundas de parlamentares da oposição mais renhida contra o governo. Bem verdade que, num primeiro momento, seguramente por estratégia política, o texto da proposta apresentado oficialmente tramitou rapidamente na Câmara dos Deputados e foi aprovada de chofre, em meio a queixas de falta de transparência na discussão das normas. Fato é que, com a ida do projeto para o Senado, a sucessão de audiências públicas com diversos setores interessados amorteceu o impacto político inicial. Finalmente, o texto retornou para a casa legislativa de origem e virou Emenda Constitucional.

 

Emendas constitucionais inconstitucionais.

Com a aprovação da EC 132/23, o sistema constitucional financeiro e tributário recebeu um quantitativo expressivo de normas. Não só isso: experimentou uma profunda alteração na maneira de cobrar, operacionalizar e distribuir entre as entidades da Federação os recursos arrecadados com os tributos recém concebidos.

Logicamente, em momento como estes, é preciso lançar fachos para o disposto no art. 60, § 4º, da CF/88, pois ali está dito que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a eliminar a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

Assim, a inserção significativa das recentes regras constitucionais de direito tributário e de direito financeiro poderão afetar ditas cláusulas pétreas, máxime naquilo que comprometa a forma federativa de Estado e a separação de Poderes, do lado dos sujeitos ativos, e os direitos e garantias individuais, do lado dos sujeitos passivos.

Em relação às normas constitucionais produzidas no exercício do poder constituinte originário, dúvidas não há no direito brasileiro de que estas não podem ser consideradas inconstitucionais. Através de conhecida decisão, prolatada em sede da ADIn 815-3/DF, a propósito da validade dos §§ 1º e 2º do art. 45 da CF/88, o STF inadmitiu o argumento do autor de que as normas em apreço violentam direito supralegal positivado na Constituição ou violentam normas de grau superior da Constituição. Apesar de tal decisão, no nosso entender, não comprometer a teoria de Otto Bachof, a qual sustenta a existência de um direito supralegal, superior a todos, e a hierarquia entre normas constitucionais; destarte, uma norma constitucional, de índole supralegal, serviria de paradigma para outra norma constitucional de valor inferior.

No entanto, doutrina e jurisprudência já se debruçam há muito tempo sobre normas constitucionais inconstitucionais, produzidas pelo poder constituinte derivado. Aliás, a sensibilização dos pilares constitucionais vai muito mais além dos portais literais construídos e referenciados no art. 60, §4º, constitucional, pois por via reflexa questões e princípios caros à ordem constitucional, porque de direito supralegal, podem ser abalados por mudanças supervenientes implementadas pelo legislador.

Os capítulos que se seguirão neste estudo inicial da reforma tributária de 2023 procurarão aventar algumas questões que sugerem inconstitucionalidades. Os novos critérios de distribuição dos recursos entre estados e municípios, por exemplo, com a ordem tributária implantada sobre o consumo, poderá, do ponto de vista do direito constitucional financeiro, atingir sobremaneira o pacto federativo, na medida em que estados e municípios podem se julgar prejudicados com o recebimento de recursos, haja vista o novel esquema de tributação instaurado, seja pela arrecadação direta do IBS, seja pelo recebimento de recursos repassados pela União, por conta das transferências constitucionais e da provisão dos fundos compensatórios criados.

 

Macroalterações

Antes de explorarmos com profundidade o conteúdo tributário da EC 132/23 [4], é preciso desfiar de logo e sucintamente as macroalterações promovidas pelo legislador reformista, até para fornecer ao leitor uma panorâmica da quantidade de novidades instauradas no sistema tributário nacional, não só em relação às exações incidentes sobre o consumo, concebidas de maneira disruptiva do modelo então vigente, como também em relação a tantos outros tributos que experimentaram alterações pontuais.

Não se pode esquecer que no próprio texto da emenda já houve fixação de prazo para a continuação das mudanças, uma espécie de segunda parte da reforma, desta feita com foco na tributação sobre a renda.

Eis as principais inovações, sem preocupações de exaurir todas neste momento:

1. A consagração no Sistema Tributário Nacional (STN) dos princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente, antes admitidos na doutrina, com a preocupação do legislador doravante passar a buscar sempre nas proposições normativas a atenuação dos efeitos tributários regressivos.

1.1.  Um STN simples é aquele cujos mecanismos de tributação são facilmente compreensíveis para todos, especialistas e não especialistas da área, sem fixar fórmulas mirabolantes para se calcular a exação devida ou estabelecer normas de entendimento complexas ou suscetíveis a múltiplas interpretações.

1.2.  Atribui-se transparência ao STN quando o contribuinte de fato (os consumidores em geral) e de direito (os sujeitos passivos indicados na lei) sabem exatamente quanto em moeda está pagando de tributo, qual a carga incidente sobre o fato gerador, demonstrado claramente nos documentos fiscais aos quais tiverem amplo acesso.

1.3. Já justiça tributária corresponde a um conceito subjetivo, um tanto difuso, mas que se exterioriza na ideia de que a carga tributária deve ser a mais equânime possível, proporcional à capacidade econômica dos contribuintes, às necessidades coletivas, ao caráter redistributivo da renda conferido ao tributo, à distribuição dos recursos entre os entes federativos, proporcional ao tamanho de suas competências para execução das políticas públicas.

1.4. Aliás, dentro deste prisma da justiça tributária, o constituinte derivado também deve centrar forças no sentido de que as alterações normativas enfatizem a diminuição da regressividade tributária. Como se sabe, os tributos que recaem sobre o consumo tendem a repercutir efeitos regressivos, na medida em que, para um mesmo bem, direito ou serviço, a carga tributária assumida pelo pobre é relativamente mais pesada do que a carga tributária assumida pelo rico[5].

1.5. Um STN cooperativo não é só aquele que busque a participação, interação e integração dos entes tributantes, no intuito de facilitar o controle e acompanhamento da arrecadação dos tributos. O modelo cooperativo também passa pelo pensamento de que fisco e contribuinte devem colaborar entre si para que se tenha a melhor fórmula de tributação, quantitativa e qualitativamente. Alguns exemplos: o fisco ajuda o contribuinte honesto quando combate o contribuinte desonesto; o contribuinte idôneo ajuda o fisco quando denuncia o contribuinte inidôneo, pois este último distorce a concorrência, desequilibra as finanças públicas e compromete recursos para execução das políticas sociais. Fisco e contribuinte colaboram entre si quando fazem a norma tributária em conjunto, a “quatro mãos”.

2. A defesa do meio-ambiente será uma das principais pautas do século. Tributações mais onerosas com produtos prejudiciais à existência da humanidade na Terra constituirão estratégias incentivadas neste sentido (fábricas altamente poluentes são um bom exemplo). Em direção contrária, tributações atenuadas serão postas em prática cada vez mais, no sentido de prestigiar produtos “limpos” que pouco ou quase nenhum dano proporcionem ao planeta (a energia solar ilustra bem isso).

2.1. Nesta mesma esteira de preocupação com o ecossistema, o legislador da EC 132/23 oficializou o respeito à sustentabilidade ambiental e o foco na redução das emissões de carbono quando a lei instaurar isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais, sempre que possível.

2.2. Tais direcionamentos foram acrescentados ao art. 43 da CF/88, cujos comandos dão à União o papel de promover ações políticas em complexos geoeconômicos e sociais, visando o seu progresso ou a diminuição das desigualdades regionais.

2.3. A inovação acompanha a tendência moderna de inserir a preocupação ambiental nas ações governamentais, inclusive nas políticas fiscais, no sentido de preservar o meio-ambiente, utilizar os recursos naturais de maneira equilibrada, preservando-os para as próximas gerações, além de poupar o planeta de mais poluição e evitar a ocorrência de alterações climáticas danosas aos seres vivos.

2.4. Ainda dentro do mesmo assunto, sob o ângulo do Poder Público defender um meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabe a este manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, no intuito de emprestar-lhes menor tributação e maior diferencial competitivo quando comparadas aos combustíveis fósseis, especialmente em relação a PIS, COFINS, contribuição social sobre importações de bens e serviços, CBS, ICMS e IBS.

3. A ampliação e alteração das imunidades, gerais e específicas, especialmente as seguintes:

3.1. Regramento mais objetivo acerca da imunidade sobre os “templos de qualquer culto”, expressão até então adotada pelo legislador constitucional de 1988, passando a ser descrita como imunidade sobre as entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes.

3.2. Ampliação da chamada imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, ‘a’, da CF/88, a proteger os entes federativos entre si, livrando a tributação do patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, com a novidade dela ser estendida para empresa pública prestadora de serviço postal. Aqui também se dirimiu a discussão das imunidades cobrirem também a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), no que diz respeito ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, pondo fim a celeumas travadas nos tribunais superiores.

3.3. Respeitante aos impostos, particularmente para as operações relativas a energia elétrica e serviços de telecomunicações, somente haverá incidência do II, IE, ICMS (hipóteses já previstas antes da EC 132/2023) e do IBS (novidade).

3.4. Respeitante aos impostos, particularmente para as operações relativas a derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país, somente haverá incidência do II, IE, ICMS (hipóteses já previstas antes da EC 132/2023), IBS e imposto seletivo (novidades).

3.5. Em relação ao imposto seletivo:

3.5.1. Desoneração tanto nas exportações como nas operações com energia elétrica e com telecomunicações. Aqui o legislador pecou por excesso: é que a ressalva de incidência deste imposto nas operações com energia e comunicações já estava contida em outro trecho do texto da emenda[6].

3.5.2. Nas hipóteses em que houver redução de 60% das alíquotas da CBS e do IBS, hipóteses chamadas de regimes diferenciados de tributação.

3.6. Em relação ao IBS, desoneração nas exportações, tal qual acontece com o ICMS e ISS, com o reforço agora de que ficará assegurado ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direitos, ou serviço.

3.7. A exclusão mútua de incidência entre o IPI e o imposto seletivo, isto é, nas hipóteses em que incidir o IPI não haverá incidência do imposto seletivo e vice-versa.

3.8. Em relação ao ITCMD, nas transmissões e doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, e por elas realizadas na consecução dos seus objetivos sociais.

4. A criação de um imposto, de caráter seletivo, cobrado a partir de 2027, com intenções extrafiscais proibitivas, de incidência monofásica[7], a incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, cujas alíquotas serão fixadas em lei ordinária, podendo ser especificas, por unidade de medida, ou ad valorem, sendo que, na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima será de 1% (um por cento). Não bastasse isso, este imposto poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos.

5. A criação da Contribuição sobre Bens (materiais e imateriais), Serviços e Direitos (CBS), de competência da União, a incidir sobre o consumo de bens e serviços, substitutiva do PIS, da COFINS e do IPI, cuja alíquota será fixada em lei ordinária federal, a ser cobrada a partir de 2027.

5.1. Nesse sentido, a CBS:

5.1.1. Será regida pelo princípio da neutralidade, ou seja, o preceito de que a contribuição seja operacionalizada sem causar no mercado anomalias nas leis econômicas da oferta, procura e estipulação dos preços, de tal sorte que o tributo não se transforme num componente fundamental nas decisões adotadas pelos agentes econômicos em relação à alocação dos seus investimentos.

5.1.2. Será operacionalizada pelo mecanismo da não cumulatividade (quase) plena, que consiste na compensação do imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, exceto as consideradas em lei como de uso ou consumo pessoal.

5.1.3. Terá previsão em lei das hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas (cashback), com fixação de limites de valor e de quem serão os beneficiários, com vistas a diminuir as desigualdades econômicas, sendo que a restituição será obrigatória nas operações de fornecimento de energia elétrica e de gás liquefeito de petróleo (gás de cozinha) ao consumidor de baixa renda.

5.1.4. Seguirá critérios que busquem a simplificação no cumprimento das obrigações acessórias.

6. A criação do Imposto sobre operações com Bens (materiais e imateriais), Serviços e Direitos (IBS), cobrado a partir de 2027, de competência e destinação de arrecadação compartidas entre Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, que tem como diretrizes:

6.1. A instauração de uma competência tributária parcialmente compartilhada entre entes federativos, mecanismo distributivo de competência tributária inédito no sistema constitucional vigente de 1988, sobretudo em se tratando de imposto, distinto da competência comum, aplicável às taxas e às contribuições de melhoria. Neste sentido, através de lei complementar, regras serão fixadas para a cobrança do IBS, cuja alíquota única de referência servirá para calcular o montante do imposto devido, cuja arrecadação será dividida entre os Estados e Municípios.

6.2. A observância do princípio da neutralidade, conforme explicitado retro, em relação a CBS.

6.3. Legislação única em todo o território nacional, inclusive com adoção de uma alíquota única de referência, salvo se, neste último caso, alguma unidade federativa desejar fixar uma outra alíquota, caso em que esta será uniforme no território respectivo para todo e qualquer bem, serviço ou direito.

6.4. A consagração do mecanismo da não cumulatividade (quase) plena, que consiste na compensação do imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, exceto as consideradas em lei como de uso ou consumo pessoal. Note-se que para o ICMS as apropriações de créditos fiscais sofriam sérias restrições, sobretudo em relação às indústrias, pois o fisco só admitia o uso dos créditos de uma só vez para as mercadorias adquiridas no intuito de serem usadas como matérias primas, materiais de embalagem e materiais intermediários[8].

6.5. A adoção do critério do destino, ou seja, a atribuição do imposto em favor do ente federativo (estado e município respectivos) em que se dê o consumo do bem ou serviço. O ICMS, salvo algumas situações, era regido pelo critério da origem, isto é, o sujeito ativo beneficiário do imposto seria aquele em que a operação se originasse.

6.6. A adoção do critério da simplificação no cumprimento das obrigações acessórias.

6.7. A previsão de lei complementar nacional estabelecendo regras acerca do processo administrativo tributário, disciplinadoras da discussão dentro da própria Administração Pública sobre a pertinência ou impertinência dos créditos tributários formalmente constituídos.

6.8. A previsão em lei complementar das hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas (cashback), com fixação de limites de valor e de quem serão os beneficiários, com vistas a diminuir as desigualdades econômicas, sendo que a restituição será obrigatória nas operações de fornecimento de energia elétrica e de gás liquefeito de petróleo (gás de cozinha) ao consumidor de baixa renda.

6.9. A fixação das hipóteses e critérios para aplicação de regimes específicos, favorecidos e diferenciados de tributação do imposto.

6.10. A criação de entidade pública sob regime jurídico especial, denominada de Comitê Gestor do IBS que, de forma integrada com os Estados, Distrito Federal e Municípios, cuidará de: (i) editar regulamento único do IBS; (ii) uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; (iii) arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre os entes federados competentes; (iv) decidir o contencioso administrativo[9].

6.11. A atribuição das tarefas de fiscalização, lançamento, cobrança, representação administrativa e representação judicial do IBS para as administrações tributárias e procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais poderão definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências, sendo de responsabilidade do Comitê Gestor a coordenação dessas atividades.

7. No que tange a regras aplicáveis concomitantemente à CBS e ao IBS:

7.1. A coincidência de regras entre a CBS e o IBS, nomeadamente em relação a hipóteses de não incidência, imunidades, fatos geradores, bases de cálculo, sujeitos passivos, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, adoção da não cumulatividade e apropriação dos créditos fiscais.

7.2. A criação da Cesta Básica Nacional de Alimentos, elencados de acordo com a diversidade regional e cultural do país, com vistas a garantir a alimentação saudável e nutritiva aos brasileiros, sobre a qual a CBS e o IBS terão alíquota zero.

7.3. A instauração de regimes diferenciados de tributação, com redução de 60% das alíquotas da CBS e do IBS, podendo em alguns casos chegar a 100% ou se tornarem isentos.

7.4. A redução em 30% da alíquota relacionada a serviços de profissão intelectual ou de natureza cientifica, literária ou artística, fiscalizadas por conselho profissional.

7.5. O compartilhamento de informações entre o Comitê Gestor, a administração tributária federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), com o fito de harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos relacionados à CBS e ao IBS.

7.6. A possibilidade de implantação de soluções integradas por parte do Comitê Gestor e da administração tributária federal, com vistas ao aperfeiçoamento da gestão e cobrança da CBS e do IBS.

7.7. A possibilidade em lei complementar de criação de normas de integração do contencioso administrativo relativo à CBS e ao IBS.

7.8. A possibilidade do optante do Simples Nacional continuar recolhendo o IBS e a CBS sobre o faturamento, dentro da sistemática de cálculo anterior vigente, ou passar a apurar tais tributos como se, neste particular, não pertencesse a este regime único.

8. O alargamento do campo de incidência da contribuição de competência distrital e municipal prevista no art. 149-A da CF/88, antes adstrita ao custeio do serviço de iluminação pública, passando a atingir também não só o custeio, mas também a expansão e a melhoria deste serviço, além de passar a custear os sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos. Resta saber se estas novas hipóteses de incidência acompanham a lógica da citada contribuição, em face das razões de decidir da inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública.

9. Alterações significativas nas diretrizes constitucionais do ITCMD, designadamente no seguinte:

9.1. Nas transmissões de bens móveis, títulos e créditos, o tributo pertencerá ao Estado onde era domiciliado a pessoa falecida (quando o evento transmissivo é o óbito). Na redação anterior, o critério de identificação do sujeito ativo beneficiário nestas hipóteses era o ente federativo onde se processava o inventário ou o arrolamento.

9.2. O legislador constitucional deixou explícito que o tributo será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação.

9.3. Caberá à lei complementar regular o ITCMD nas seguintes situações: (i) quando o doador tiver domicilio ou residência no exterior; (ii) se o falecido possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

9.3.1. Neste particular, o ADCT foi modificado para determinar que, enquanto não vier a lei complementar atrás mencionada, o ITCMD competirá (1) ao Estado da situação do bem (DF também), no que diz respeito à transmissão de bens imóveis e respectivos direitos. (2) Se o doador tiver domicílio ou residência no exterior: (2.1) ao Estado (DF também) onde tiver domicílio o donatário; (2.2) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado (DF também) em que se encontrar o bem. (3) no que se refere aos bens do falecido, ainda que situados no exterior, ao Estado (DF também) onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário.

10. Alterações significativas nas diretrizes constitucionais do IPVA, designadamente no seguinte:

10.1. Fixação de alíquotas diferenciadas em função do tipo, da utilização, (hipóteses já previstas antes da EC 132/2023), do valor e do impacto ambiental (novidades).

10.2. Ampliação do campo de incidência, a atingir agora não só a propriedade de veículos automotores terrestres, mas também os veículos aquáticos e aéreos, salvo algumas situações, pondo fim (pelo menos por ora) a um entendimento consolidado do STF de que estaria fora do campo de atuação do IPVA a propriedade de veículos aquáticos e aéreos.

11. A explicitação para o IPTU de que a sua base de cálculo poderá ser atualizada pelo Poder Executivo, consoante critérios fixados em lei municipal.

12. A atribuição ao STJ da competência para processar e julgar originariamente os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do IBS. Em certa medida processual, a figura do Comitê Gestor está equiparada às entidades da Federação, a ponto do primeiro disputar em igualdade de condições com estados e municípios os conflitos de prerrogativas relacionadas com o IBS.

13. O estabelecimento de uma fase de transição, dentro da qual serão coaplicados o novo (CBS, IBS e imposto seletivo) e o velho (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) sistema de tributação sobre o consumo, durante a qual os contribuintes continuarão pagando os tributos do velho sistema com cargas progressivamente menores ao longo dos anos, com aumento gradativo dos tributos previstos pelo novo sistema.

14. A preocupação em minimizar eventuais perdas de arrecadação para estados e municípios, em face da implantação no novel sistema de tributação sobre o consumo.

14.1. Neste sentido, criou-se no art. 7º da EC 132/23 um Fundo de Compensação de Perdas de Arrecadação pelos estados, já chamado pela comunidade especializada de “seguro-receita”, em decorrência da substituição do IPI pelo imposto seletivo.

14.2. A intenção de terminar com a guerra fiscal no âmbito do ICMS, substituindo os incentivos fiscais antes concedidos para este imposto por um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, por meio do qual a União entregará recursos aos estados, mediante preenchimento de determinadas condições.

14.3. Para garantir os benefícios hauridos pelos contribuintes em relação ao ICMS e considerando a mudança do sistema de tributação com a extinção gradual deste imposto, criou-se também o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais, com o fito de compensar pessoas físicas ou jurídicas beneficiárias de isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos por prazo certo e sob condição, alimentados através de recursos passados pela União.

15. A estipulação do prazo de até noventa dias, contados a partir da promulgação da EC 132/23, para encaminhamento pelo Poder Executivo de projetos de lei que reformem a tributação da renda e a tributação da folha de salários.

16. A estipulação do prazo de até cento e oitenta dias, contados a partir da promulgação da EC 132/23, para encaminhamento pelo Poder Executivo dos projetos de lei referenciados na citada Emenda Constitucional.

17. A extinção em 2027 das contribuições sobre a receita ou o faturamento, da contribuição para a seguridade social cobrada do importador (ou equiparado) de bens ou serviços do exterior e da contribuição para o PIS.

18. A extinção em 2033 do ICMS e do ISS.

Frise-se que aqui não estão elencadas as consideráveis modificações implantadas na área do direito constitucional financeiro, salvo as rápidas referências aos fundos compensatórios de distribuição de recursos.

Considerações finais.

Saltam aos olhos as incontáveis inovações e a fixação de diretrizes jurídicas inéditas a respeito do sistema constitucional brasileiro, do ponto de vista do direito tributário, isto sem falar nas questões afetas ao direito financeiro. Uma verdadeira transformação na tributação sobre o consumo, além de outras mudanças promovidas em outras exações.

Há quem diga que ao contrário da simplicidade atrás mencionadas e apregoada pelo constituinte derivado e consagrada como princípio a reger o sistema tributário nacional, as questões continuarão bem complexas, sobretudo porque durante um razoável período de tempo, os operadores do direito – advogados, auditores, contabilistas, juízes, procuradores - serão obrigados a conviverem simultaneamente com dois sistemas de tributação sobre o consumo, o novo e o velho,  redobrando-se em aplicar bem a legislação de um e outro, no sentido de prevenir impasses para as partes envolvidas na relação jurídico-tributária. Logo, a tendência será de crescimento do passivo tributário nas barras dos tribunais.

Assim concluiu Fernando Scaff, em artigo publicado em 22.01.2024: “Não me parece que a EC 132 apresente um sistema simplificado. Repito, para destacar: foram introduzidas 37 (trinta e sete páginas) de novo texto normativo constitucional sobre Direito Tributário. O curioso é que ainda se considera que o sistema esteja sendo simplificado, o que não aparenta ocorrer[10].

O desafio será enorme. Muito ainda se debaterá a respeito dos aspectos ligados à CBS e ao IBS, além do imposto seletivo. Para além da letra fria da norma, toda uma construção doutrinária será erguida no esforço de compreender verdadeiramente o espírito da nova tributação sobre o consumo. Neste contexto, arriscamo-nos a lançar as primeiras luzes sobre a EC 132/23 e a assumir as consequências do pioneirismo, apesar do esforço concentrado de errar o mínimo possível. Uma nova era se inicia.

 

[1] Semicondutores são materiais condutores de correntes elétricas e servem como matéria-prima para a fabricação de chips usados em várias tecnologias.

[2] Cite-se como exemplo a decisão proferida pelo STF na ADC 49, ao afastar comando da LC 87/96 que estipulava incidência do ICMS nas transferências de mercadorias.

[3] Aliás, os estados vislumbravam em curto prazo decréscimos em sua arrecadação, pois o modelo do ICMS não conseguia alcançar as formas modernas de transações mercantis e prestação de serviços tributadas pelo imposto.

[4] Não se pode esquecer que a emenda aprovada trouxe também inúmeros temas marcadamente de direito financeiro, sem os quais a reforma tributária não teria viabilidade política.

[5] Como se verá adiante, o cashback já é resultante desta preocupação.

 

[6] Neste sentido, verifique-se o conteúdo do art. 153, §6º, I, comparado com o do 155, §3º, ambos da CF/88; um está contido no outro.

[7] Lembrando apenas que tributo de incidência monofásica é aquele que incidirá uma única vez durante toda a trajetória de produção e consumo do bem ou serviço, em momento e etapa estipulados em lei, a exemplo do que acontecia com os impostos únicos federais pré-1988 (IUM, IUC, ISTRC etc.); logo, diferente do ICMS, que em princípio incide sucessivamente desde a saída da mercadoria do produtor, passando pelo industrial, atacadista e varejista, até ser adquirido pelo consumidor final, o imposto seletivo incide uma só vez em apenas uma destas etapas, não havendo mais incidência até o seu consumo final.

[8] A discussão do que é ou não é produto intermediário ocupa em demasia o Judiciário, preocupado em conhecer cada processo de industrialização para firmar suas sentenças, apesar da tendência atual de se conferir critérios uniformizadores para conceituar material intermediário, conforme se retira da decisão proferida pelo STJ em sede de embargos de divergência a partir de agravo interposto no REsp. 1.775.781 - SP (2020/0269739-9), DJe de 01.12.2023. Claro que, para além destas questões, admite-se o uso dos créditos parceladamente para as aquisições de bens do ativo permanente.

[9] Não obstante as flexibilizações normativas feitas durante a discussão da proposta de criação do Comitê no Congresso Nacional, notadamente no Senado, buscando balancear os poderes conferidos a este e às entidades da Federação, muito ainda se discute a respeito desta nova figura ter absorvido enormemente as competências tributárias reservadas na Constituição para os estados-membros e municípios, compartindo responsabilidade e poderes para cobrar o IBS. Portanto, ainda pensam alguns, a figura do Comitê estaria a interferir na cláusula pétrea da forma federativa de estado.

 

[10] In https://www.conjur.com.br/2024-jan-22/as-aliquotas-e-o-principio-da-simplicidade-na-reforma-tributaria/

(*) Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do IAF Sindical

(**) Auditor Fiscal, Ex-Diretor Jurídico do IAF Sindical

 

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