Reforma Tributária: A pressa é inimiga da Constituição e da justiça fiscal
Roberto Araújo Magalhães(*)
A Reforma Tributária, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, representa uma mudança significativa no sistema de impostos do país. Proposta com a promessa de simplificar a estrutura tributária e fomentar o desenvolvimento econômico com justiça fiscal, a reforma está atraindo muita atenção e debate. No entanto, a velocidade com que se deseja aprová-la levanta questões cruciais sobre a adequação do processo parlamentar e os possíveis efeitos constitucionais, econômicos e sociais da proposta. Este artigo reflete quanto à urgência imposta pelos propositores dessa reforma que pode comprometer o devido processo legislativo, violar princípios constitucionais e trazer consequências indesejadas para a economia e para a sociedade. Antes de qualquer votação, é essencial uma discussão mais profunda e detalhada sobre as implicações dessa reforma tributária para garantir que ela seja efetivamente justa, equilibrada e simplificadora.
A REFORMA PRECISA SER MELHOR DISCUTIDA
A Reforma Tributária é um assunto complexo com pontos positivos, negativos e polêmicos. Muitos detalhes importantes não estão claros e se pretende deixá-los para uma lei complementar que ainda não se conhece sob nenhum aspecto ou mesmo esboço, cuja iniciativa será do Conselho Federativo criado na própria reforma. É necessário avaliar melhor esses detalhes antes de se votar o projeto, mesmo que as diretrizes principais já sejam conhecidas.
Se a avaliação dos impactos da Reforma Tributária ou da Lei Complementar do IBS acontecer apenas depois de sua aprovação, muitas opções, restrições e limitações não serão consideradas, por conta do natural engessamento de um texto constitucional generalista e aberto a múltiplas interpretações, que será aplicado via um Conselho Federativo com ampla autonomia de decisão. Isso não apenas vai limitar as discussões futuras como diminuir (ou mesmo impedir) a influência do parlamento nesses assuntos.
Com o modelo que está sendo proposto, além da perda de autonomia de estados e municípios, está se querendo dar um “cheque em branco” para que burocratas, notadamente do governo federal, definam sem controle popular ou político cada um dos aspectos não tratados na reforma, com impactos imprevisíveis ao ambiente de negócios e à segurança jurídica.
Com isso, novos erros e equívocos que surgirem exigirão novas reformas constitucionais ou alterações na Lei Complementar para serem corrigidos. Isso criará incerteza jurídica, especialmente em questões tributárias, o que prejudicará os investimentos e a produtividade do país.
Além de que não é papel do Congresso cassar autonomias de entes federativos via reforma constitucional, sendo aliás algo vedado na medida que a forma federativa e a consequente autonomia dos entes federados é cláusula pétrea da Constituição Federal.
Já se reconhece que a reforma do imposto sobre o consumo precisa ser integrada com a reforma do imposto sobre a renda. Promete-se apresentar uma proposta nesse sentido “nos próximos 180 dias” da aprovação da atual proposta sobre consumo, como mais uma estratégia para se tentar a aprovação imediata e a qualquer custo.
É importante que se discuta a reforma tributária por completo, mesmo que isso implique em sua implantação por partes, pois as mudanças no imposto sobre a renda, por exemplo, afetam aspectos da tributação sobre o consumo, notadamente a questão da regressividade, além de significarem potencial de redução de cargas tributárias totais ou mesmo setoriais sobre consumo.
Portanto, a reforma tributária não deve se limitar apenas ao imposto sobre o consumo nem ser instrumento de concessão de um “cheque em branco” para burocratas decidirem, a seu próprio convencimento, todos os problemas que surgirão.
A alta complexidade do sistema tributário que se quer propor não permite, sequer, se estimar quanto se deve pagar em cada item a ser tributado (a alíquota do IBS), sendo algo que, segundo Nelson Machado[1], a alíquota do IBS será definida apenas em 2033. Mais uma vez enfatizamos que o que se pretende é dar um “cheque em branco” para que burocratas e funcionários públicos do Conselho Federativo do IBS tomem decisões típicas de agentes políticos e do parlamento.
A INADEQUAÇÃO DA TRAMITAÇÃO EM CURSO À PRÁTICA PARLAMENTAR E AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Pretende-se votar um projeto amplo e complexo como esse em poucos dias e o texto final somente será apresentado no dia da votação, no plenário, como se isso não fosse um absurdo, na medida em que impede até a leitura e, consequentemente, a reflexão e manifestação do entendimento dos deputados, sobre um projeto que altera estruturalmente o funcionamento da economia brasileira, a despeito de apresentar pontos positivos, porém muitos negativos também.
OFENSA A CLÁUSULA PÉTREA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O principal “pecado” desse projeto é o rompimento do Pacto Federativo (artigos 156-A e 156-B do texto da proposta de Reforma), na medida em que implode os entes federados subnacionais (mas não a União) além do próprio princípio da representatividade popular dos parlamentares (artigo 45 da CF/88) ao se retirar autonomia tributária de prefeitos e de governadores e ao se remeter a burocratas do Conselho Federativo muitas decisões que deveriam ser do próprio parlamento, como muitos já perceberam e, por isso, estão se posicionando contrariamente à Reforma.
Por sua vez, há os que defendem abertamente a inconstitucionalidade dessa proposta de Reforma Tributária, na medida em que defendem que sem perda de autonomia dos entes federativos a reforma não é viável, como é o caso do ex-ministro Maílson da Nóbrega (era o ministro da Fazenda quando o Brasil passou pela maior inflação mensal de sua história, o famoso 84% do final do governo Sarney).
Segundo Mailson da Nóbrega[2], deve-se “escolher o que é melhor pro meu país, se é preservar autonomia estadual ou municipal ou se privilegiar a prosperidade via a necessária perda dessa autonomia dos entes federados”, o que é uma evidente falácia, na medida em que a autonomia não prejudica a busca da prosperidade. Ao contrário, é um instrumento adequado para ajudar no alcance das melhores escolhas, fundamentadas na liberdade, colaboração e responsabilidades compartilhadas, em prol do equilíbrio e do afastamento do arbítrio de decisões centralizadas e autocráticas. É disso que trata o princípio federativo, disposto não por acaso como uma cláusula pétrea da Constituição Federal, que tem sido constantemente atacada pelos defensores da perda da autonomia dos estados e municípios via reforma tributária.
A questão, portanto, não é apenas tributária, mas sobretudo política e constitucional, não se podendo esquecer que a autonomia dos entes federativos é imutável enquanto Cláusula Pétrea da nossa Constituição Federal, qual seja a forma federativa do Brasil, nos termos de seu artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que implica na garantia de autonomia aos entes federados, ou seja, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.
A forma federativa é um dos princípios fundamentais da organização do Estado brasileiro e não pode ser objeto de alteração por emenda constitucional, por ser um dos princípios constitucionais fundamentais e, por isso mesmo, imutável e que deve ser protegida e não atacada, pois assim se protege a própria estrutura e organização política do país.
Essa garantia de autonomia implica que os estados, o Distrito Federal e os municípios possuem competências próprias, reconhecidas pela Constituição, para legislar e administrar em determinadas áreas. Além disso, eles têm o direito de gerir seus próprios recursos financeiros, instituir impostos e tomar decisões relacionadas à sua governança.
A autonomia dos entes federados é fundamental para a preservação do equilíbrio e da cooperação entre os diferentes níveis de governo, permitindo a descentralização do poder e o atendimento mais próximo das necessidades locais.
Os limites dessa autonomia só podem ocorrer na medida da obediência aos demais princípios constitucionais e pela coordenação necessária para o funcionamento harmônico do Estado brasileiro como um todo, mas não pode ser objeto de um ataque direto na medida de ser colocado seu afastamento como condição essencial para a mudança do modelo tributário nacional.
OS ALTOS CUSTOS FINANCEIROS DO CONSELHO FEDERATIVO
A ideia é a criação de um Conselho Federativo do IBS, de custo altíssimo (estima-se superior a R$2 bilhões anuais, mas não haverá limites, por conta da autonomia financeira, administrativa e orçamentária desse Conselho) a onerar a própria receita do IBS, o qual abarcará as atribuições de competência plena e autonomia dos entes federados, além de arrecadar e distribuir o IBS e centralizar a definição de normas infralegais, a interpretação das leis e demais normas do IBS e o julgamento de litígios (contencioso tributário), como disposto no artigo 156-A da proposta de Reforma.
Esse Conselho Federativo do IBS tem sido chamado por alguns de “Banco Tributário”, na medida do seu grande poder centralizador dos recursos públicos que se dá com afastamento do controle social e até parlamentar, na medida de sua autonomia técnica, administrativa, financeira e orçamentária, sendo capaz
[1] https://jovempan.com.br/noticias/economia/reforma-tributaria/so-saberemos-a-aliquota-do-imposto-proposto-pela-reforma-tributaria-em-2033-afirma-ex-ministro-do-planejamento.html, “Só saberemos a alíquota do imposto proposto pela reforma tributária em 2033, afirma ex-ministro do Planejamento”.
[2] https://www.youtube.com/watch?v=aJ0ERyRMFp8 , “Reforma tributária pode destravar o Brasil? Ex-ministro da Fazenda responde”, a partir de 1:20
de impor regras aos estados e municípios que não precisarão ser adaptadas às realidades locais, e para o qual não se tem ainda qualquer definição quanto à sua estrutura inicial, regimento e composição e que será criado logo após a promulgação da Reforma com composição que se desconhece para, ele próprio, propor a Lei Complementar do IBS (terá atribuição de propor leis complementares). Trata-se de um novo poder que terá a chave do cofre em suas mãos, que controlará as questões tributárias sobre consumo no país, com total e plena autonomia garantidas no texto constitucional.
Segundo o já citado vídeo de Mailson da Nóbrega, o Conselho Federativo “será apenas um estuário da arrecadação e da distribuição segundo regras estabelecidas tanto pela Emenda constitucional quanto na lei complementar”, o que não é verdade, pois o Conselho Federativo terá muitas atribuições típicas às dos entes federados e poderes da República, como a propositura de leis, definição de normas, interpretação da legislação, além de julgamento de litígios. Tudo isso acontecerá sem um controle adequado e sem a participação direta dos representantes eleitos pelo povo.
Tal Conselho Federativo será formado apenas por burocratas indicados e por servidores de sua própria estrutura e por técnicos indicados pela União, Estados e Municípios, com autonomia total para tomar decisões e impor suas regras, conforme garantido pela Constituição.
Frise-se que não existe um Conselho Federativo para o CBS (IVA federal), sendo preservada a autonomia plena da União relativamente a seu IVA. A perda da autonomia ocorrerá apenas para os estados e municípios.
INDEFINIÇÃO DE PONTOS-CHAVE DA PROPOSTA, COMO A ALÍQUOTA BASE APLICÁVEL AO IBS
O deputado Agnaldo Ribeiro diz que, de acordo com o texto final da Reforma que ainda será apresentado e apenas no dia da votação, alguns itens de tributação pelo IBS terão uma alíquota reduzida em 50% na comparação com a alíquota base padrão do próprio IBS.
Ocorre que essa alíquota base padrão não está definida, e só acontecerá em 2033, de tal forma que 50% de algo indefinido pode ser qualquer coisa, não podendo essa discussão ficar para após a reforma e a cargo dos funcionários e burocratas do Conselho Federativo. Essa é uma atribuição do parlamento brasileiro, não de órgãos que sejam criados na própria reforma tributária e que afastam o debate político de decisões de tal relevância.
O texto, portanto, ainda está em processo de discussão básica e reconhecidamente, por sua relatoria, precisa passar por mudanças relevantes, sendo a definição da alíquota base (algo que ainda sequer se cogita discutir) um aspecto a ser colocado à mesa e ser logo definido, não podendo ser decidido em futuro remoto.
Querem se valer exclusivamente do plenário e da justa necessidade da reforma, e não das necessárias discussões prévias, na medida em que no plenário se pode receber emendas, até substitutivas (o que, aliás, deve ocorrer, como prometido pelo relator), o que comprova que as legítimas discussões e negociações com vários setores da sociedade ainda não ocorreram sobre os termos da proposta em curso que, sequer, está totalmente definida, inexistindo um aspecto que lhe é fundamental: a definição da alíquota base desse novo tributo.
Segundo especialistas, não se pode esquecer que a promessa de diminuição de carga tributária do IBS em até 50% pode não fazer sentido prático algum, pois “50% de 20 é uma coisa e 50% de 30 é outra coisa. Então nós precisamos conhecer a alíquota e a forma como a negociação foi feita, atendendo a pleitos de vários setores como educação, saúde, transporte coletivo, agro, medicamentos e cesta básica”, tudo indicando que provavelmente “a alíquota base padrão desse imposto será muito superior aos 25% alardeados e previstos originalmente na PEC 45”, havendo estimativas que possa chegar a 30%.
O país não pode conviver com essa insegurança que será definida não pelo parlamento, na medida da aprovação da reforma, mas pelo Conselho Federativo do IBS, formado por técnicos e burocratas, sem o necessário controle político.
Se a alíquota chegar a 30%, isso precisaria ser revisto (mas não há previsão de instrumentos nesse sentido, pois a autonomia decisória do Conselho Federativo será plena nesse aspecto), pois se estaria diante da mais alta alíquota de IVA do mundo, o que implicaria em um gigantesco aumento de preços dos setores de serviços intensivos e mão de obra, que são os principais empregadores da economia.
Além disso, se os entes federados perderem sua autonomia, terão pouca ou nenhuma flexibilidade para lidar com as questões específicas em seus próprios territórios. Isso mostra como esse projeto afeta profundamente vários aspectos cruciais das economias locais.
Votar em um projeto tão complexo sem discussões adequadas e sem apresentar aos parlamentares os números, estudos e projeções significa querer se decidir sobre algo tão complexo com base em conceitos subjetivos, discutíveis inclusive politicamente, ou baseados em promessas e estimativas[1].
Algumas dessas estimativas indicam que a alíquota pode ultrapassar 30% ou ficar muito próxima desse valor, o que afetará até mesmo o setor industrial que esperava uma redução na carga tributária. Dependendo da alíquota fixada, podemos perder todas as vantagens pretendidas com essa reforma tributária, e o setor de serviços pode enfrentar um aumento significativo em sua carga tributária.
DESEQUILIBRIO ENTRE SETORES, TARIFAÇO SOBRE SERVIÇOS E AUMENTO DE CARGA TRIBUTÁRIA
Pretende-se alterar, profundamente, o equilíbrio entre setores na economia ainda que, incorretamente como se percebe (seria uma “fake news”?), se diga que a carga tributária total ficará inalterada, apesar de seu “deslocamento” entre setores, produtos e serviços, e que isso seria até desejável e “justo”, todavia que ocorrerá em desfavor do setor de serviços (mediante um “tarifaço” que atingirá em cheio a classe média e assalariada), atingindo o setor que mais emprega no país, uma vez que vários outros setores já tiveram garantias de alíquotas beneficiadas por promessas de reduções que sequer há certeza que serão cumpridas, conforme garantiria o relator Agnaldo Ribeiro para o texto final da reforma, ainda a ser apresentado.
Por sua vez, o novo imposto seletivo a ser criado, de implantação imediata e de caráter extrafiscal não teria como objetivo a arrecadação (quem acredita nisso?), assegura o aumento da carga tributária final, na medida em que se aplicará sobre critérios essencialmente subjetivos e facilmente ampliáveis em sua aplicação, relacionados a produtos que afetem a “saúde ou o meio ambiente”.
Que produto ou serviço não pode ser considerado como “prejudicial à saúde ou ao meio ambiente”, na medida em que todo produto ou serviço se utiliza de recursos naturais e especialmente considerando as várias etapas até sua disponibilização ao consumidor final? Até produtos e serviços considerados “verdes” podem incorporar impactos ambientais ou riscos à saúde antes de sua disponibilização para imediato consumo, como é o caso dos veículos movidos à energia que, a depender de como a energia seja produzida, podem representar alto impacto ao meio ambiente, de tal forma que até produtos “ecologicamente corretos” podem ser alcançados pelo chamado “imposto seletivo”.
Até um tratamento médico ou preventivo pode ser considerado como de impacto à saúde (pelos riscos inerentes e seus potenciais efeitos colaterais) ou ao meio ambiente (pela forma como é fornecido ao usuário a partir de seus insumos e etapas anteriores ou a produção de resíduos).
Nada será imune à aplicação de um imposto seletivo que se justifique sob critérios subjetivos de proteção à saúde e meio ambiente, e aplicado sob justificativa extrafiscal, mas que certamente significará relevante impacto ao órgão mais sensível do contribuinte: seu próprio bolso.
O MITO DA SIMPLIFICAÇÃO
Uma simplificação do IVA atual (o ICMS) é necessária, mas transformar o ISS, que é um tributo extremamente simples e com alíquota baixa e muito bem gerido pelos municípios, em um novo IVA ou incorporá-lo ao IVA do ICMS está longe de ser uma simplificação. Pelo contrário, o IVA é um tributo que em sua concepção é muito mais complexo do que um tributo tipo ISS, que incide sobre faturamento.
O projeto atual pode ser positivo em vários aspectos mas não há garantias de que traga a alegada simplificação, além de trazer diversas incertezas e inseguranças.
O conceito de cashback, por exemplo, é exemplo de algo que vai complicar, e muito, o sistema tributário brasileiro, ao mesmo tempo em que se pretende diminuir a regressividade (impostos regressivos são os que oneram mais as camadas mais pobres) do IBS de forma inadequada, via brutal aumento de carga tributária sobre o setor serviços (não se diminui regressividade via amplo aumento de carga tributária, porque isso em nada afeta a regressividade), ao mesmo tempo em que se quer implantar recursos complexos e questionáveis para se diminuir a regressividade do IBS via instrumento como o cashback.
Fazer um cashback para 95 milhões de pessoas é uma tarefa árdua e já se fala em querer incrementar a ideia com a promessa de adoção de “sorteios de brindes”, o que em nada se refere a um sistema tributário.
Tecnicamente é possível implantar-se um cashback, mas a um custo gigantesco e, como adverte o professor Marcos Cintra, em dois anos o Brasil terá um “Ministério do Cashback”, pois ele vai se implantar de tal forma na sociedade que vai ser impossível de ser retirado posteriormente, a despeito de ser um instrumento errado para se atingir um objetivo correto que é reduzir a regressividade do nosso sistema.
Pretende-se reduzir a regressividade de um imposto naturalmente regressivo, um imposto sobre consumo, aumentando-se brutalmente a carga tributária sobre serviços (instrumento inútil para diminuir regressividade), o que em nada o tornará menos regressivo. Isso apenas aumentará a carga tributária total sobre o consumo das famílias, penalizando-as e reduzindo a renda disponível da população.
A regressividade do sistema tributário é algo que não pode ser afastado de forma simples via instrumentos aplicados sobre o próprio imposto regressivo (o caso do IVA) e sim via impostos naturalmente progressivos do próprio sistema tributário, como nos impostos sobre a renda.
Além de que se quer justificar o brutal aumento de carga tributária sobre serviços sob a desculpa de que a carga atual seria “algo injusto” por ser uma “carga baixa”, o que não é verdade, sendo o ISS um imposto diretamente sobre faturamento.
Mesmo que se aumente a carga tributária sobre serviços, em uma escala que precisa ser adequadamente discutida, pode-se criar mecanismos compensatórios, como a desoneração da folha de salários, o que facilita o aumento do emprego, na medida em que o mesmo setor de serviços é o maior responsável pelo emprego no país.
Não há a propalada injustiça tributária advinda do ISS que precise de aumento de carga tributária sobre serviços para ser reparada e, muito mais que isso, esse não é um instrumento de diminuição da regressividade do IVA a ser criado ou mesmo se trata de um critério justo, sendo justo a exigência da menor carga tributária possível que financie um estado que busque a eficiência e a adequada aplicação dos recursos do contribuinte. Trata-se, basicamente, de um engodo.
Na proposta atual, ao contrário do que se pretende, se vai optar por um sistema complexo, centralizado e burocrático, afastado do controle social e político, dominado por técnicos e burocratas do Conselho Federativo.
Esse Conselho Federativo centralizará a arrecadação de 27 estados e 5.500 municípios e vai funcionar como gestor de tudo que se refira ao IBS, inclusa a distribuição de seus valores e controle pela União dos fundos compensatórios (pois é a união que proverá, via Tesouro Nacional, tais recursos), além da definição de legislação e sua interpretação, e até o julgamento de conflitos (também será um tribunal, que terá várias instâncias). É muito poder que se centraliza em um órgão que será autônomo administrativamente, orçamentaria e tecnicamente, que se auto organizará e se financiará com parcela da arrecadação do próprio IBS e que pode se espalhar em repartições Brasil afora, retirando, assim, recursos a serem distribuídos para os Estados e Municípios.
Não há como o Conselho Federativo funcionar adequadamente como representativo de uma gama tão grande de interesses, envolvendo estados, municípios e o distrito federal. E, uma vez criado, estará legitimado no próprio texto constitucional, dificultando quaisquer ajustes futuros.
RISCOS AO REGIME TRIBUTÁRIO DO SIMPLES NACIONAL
Os parlamentares devem também ficar atentos às consequências da Reforma Tributária junto ao regime tributário do Simples Nacional, que será, contrariamente ao que se fala, afetado pela reforma, notadamente pela previsão de restrições ao creditamento do imposto pelos compradores de empresas do regime simplificado e a falta de previsão de correção anual dos limites desse regime.
Ou seja, instrumentos efetivos de proteção do regime simplificado devem ser garantidos de tal forma que não se criem restrições e mecanismos de inviabilização do regime do Simples Nacional, que atualmente congrega 90% dos CNPJ do país e é o que mais gera empregos.
Ademais, deve-se corrigir as faixas e limites máximos de permanência de empresas no regime do Simples Nacional, congeladas desde janeiro de 2018, sendo que de lá até dezembro de 2022 se acumulam 31,68% de IPCA, de tal forma que o limite atual de R$4,8 milhões deveria ser majorado para algo em torno de R$6,3 milhões para, só assim, se evitar o aumento da carga tributária das empresas desse regime na medida em que não tem sido aplicadas anualmente tais correções.
Quanto às correções anuais, existe projeto de lei na Câmara nesse sentido, o PLP 319/2016[2], que deve ser considerado nas discussões da Reforma Tributária, se for o caso incorporando a correção anual dos valores limites no texto da Reforma Tributária.
FUNDOS REGIONAIS E FUNDOS DE EQUALIZAÇÃO DE RECEITAS
Pretende-se criar fundos regionais e de equalização de receitas que serão integralmente suportados via Tesouro Nacional, de gestão única da União.
Isso assegurará assento para a União (governo federal) no Conselho Federativo do IBS, legitimando a sua influência e controle sobre o poderoso Conselho, sendo mais um fator da perda de autonomia dos estados e municípios. É o que o governador Ronaldo Caiado de Goiás menciona quando faz referência aos Estados com “pires nas mãos” e à espera “de sua ração” compensatória às perdas de sua própria autonomia e competência tributária.
Além de que, no momento em que se discute a redução do défict público, se propõe o aumento desse déficit via fundos de centenas de bilhões de reais ainda sequer definidos, sendo algo que precisa ser melhor discutido pela sociedade, para que não se cometam erros que, infelizmente, poderão não apenas piorar o sistema tributário hoje vigente como significar novas amarras ao desenvolvimento do país, pelo que representem de justificativa para o descontrole dos gastos públicos, aspecto tão ou mais importante até que o sistema tributário, na atratividade de investimentos país, manutenção de empregos e crescimento econômico sustentável.
(*) Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia
[1] https://www.youtube.com/watch?v=qBUZs8utZlE&t=287s , “Reforma tributária tem pontos positivos, mas votar PEC em 15 dias é ‘insanidade’, avalia economista”, vide minuto 4:30
[2] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2113793 (PLP 319/2016)
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