24/07/2024

Reforma Tributária de 2023. Parte 13- Diretrizes constitucionais da CBS. Diferenças em relação ao IBS - II

Introdução.

Depois de discorrermos em estudo anterior sobre os aspectos nodais aplicados ao IBS, é de se apresentar agora as diretrizes voltadas para a CBS, pontuando as características que lhes são próprias.

Reprise-se que há uma interseção enorme de conteúdo entre os dois tributos, até porque derivam de uma raiz jurídica comum, o imposto sobre o valor agregado - IVA, conhecido no mundo inteiro. Portanto, faz-se necessário dissertar um pouco sobre as suas regras coincidentes e sobre as regras que não lhes são coincidentes.

Por isso mesmo que, no segundo compartimento deste texto, trataremos das diferenças entre as normas aplicáveis exclusivamente ao IBS e as normas tratadas exclusivamente para a CBS.

A medida se mostra necessária porquanto alguns protagonistas da reforma tributária defendem que a normatização, interpretação e aplicação da CBS e do IBS devem ser iguais, até porque – repita-se - ambos derivam do mesmo fundamento econômico, isto é, a tributação do consumo de bens e serviços pelo seu valor agregado.

De fato, pelas mãos do autor da EC 132/2023, designadamente no art. 149-B, está dito que os dois tributos terão as mesmas regras relacionadas a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, regimes diferenciados e regimes favorecidos de tributação, técnicas de não cumulatividade e, consequentemente, de creditamento[1].

Em reforço, o constituinte reformista fez questão de dizer que a instituição dos dois tributos será feita por uma única lei complementar. E assim foi feito, conforme se vê do PLP 68/2024.

Não poderia ser diferente. IBS e CBS são irmãos siameses, se quisermos personificar os dois tributos, posto que são amalgamados em vários aspectos, unidos por questões nucleares, mas, por outro lado, descolados em pontos igualmente importantes e que dão contornos próprios a cada um deles.

Tanto isso é verdade que o próprio constituinte derivado previu a possibilidade de, num esforço integrativo, União e demais entes Federativos procurarem harmonizar a aplicação e interpretação dos dois tributos, valendo-se de mecanismos que serão minudenciados noutra parte deste estudo.

No momento em que o presente texto está sendo elaborado, isto é, julho de 2024, o citado projeto ainda se encontra sob debates no Congresso Nacional, faltando ainda passar pelo Plenário da Câmara (após o substitutivo já apresentado pelo GT criado naquela casa), pelo Senado e, em sendo o caso, retornar para nova apreciação pelos deputados.

Em função disso, não desceremos aos detalhes das normas contidas no mencionado PLP, preferindo fazer rápidas alusões a elas, com ênfase no texto original encaminhado pelo Executivo Federal (SERT) e, quando modificadas posteriormente e, caso se faça necessário, fazer referências em notas de rodapé. Depois de tudo finalizado, aí sim, aprofundaremos as análises numa outra oportunidade.

I- Questão de fundo constitucional: entidades beneficentes de assistência social.

Salta da análise do art. 149-B da CF/88 que o IBS e a CBS seguirão regras iguais para os elementos fundamentais conformadores da incidência dos dois tributos.

Aqui se mostra necessária a transcrição do dispositivo:

Art. 149-B. Os tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, observarão as mesmas regras em relação a:

I - fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos;

II - imunidades;

III - regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação;

IV - regras de não cumulatividade e de creditamento.

Parágrafo único. Os tributos de que trata o caput observarão as imunidades previstas no art. 150, VI, não se aplicando a ambos os tributos o disposto no art. 195, § 7º."

Para completar a anamnese veja-se o §7º, objeto da remissão:

Art 195 ... § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

De intrigar que, conquanto as entidades beneficentes de assistência social estejam contempladas na regra geral de imunidade, prevista no art. 150, VI, aplicada a todos os impostos incidentes sobre o patrimônio, renda e serviços, parece que o constituinte reformista quis excluir da desoneração a incidência do IBS.

Explique-se melhor: é que as imunidades gerais são condizentes com os impostos. Daí o texto constitucional anterior estender no art. 195 a desoneração das contribuições para a seguridade social potencialmente exigíveis para as referidas entidades. Afinal, contribuições não se confundem na prática com impostos, não obstante respeitáveis opiniões em contrário de considera-las ontologicamente impostos.

O autor da EC 132/2023, ao prever a tributação da CBS nestes casos e alarga-la para o IBS, parece ter criado uma antinomia parcial, aparentemente não resolvida pela máxima lei posterior derroga a anterior, pois abriu uma exceção de tributação de impostos para casos previstos como imunidade geral.

Não se pode esquecer que as imunidades se amoldam a pilares substanciais da constituição, eis que a imunidade recíproca está no pacto federativo, a sindical na liberdade de associação, a religiosa na liberdade de culto e assim sucessivamente. Numa primeira impressão, a exclusão do IBS da regra do art. 150, VI, ‘c’, da CF/88, parece afrontar com o dispositivo constitucional geral, pois ali está dito que os serviços (além da renda e patrimônio) estão desonerados de tributação dos impostos quando prestados por instituições de assistência social sem fins lucrativos, o que parece significar a mesma coisa que entidades beneficentes de assistência social. Se são beneficentes, logo não perseguem o lucro, salvo melhor juízo.

Mas deixaremos para aprofundar a matéria quando o estudo tomar magnitude. Por enquanto, façamos estas reflexões iniciais.

II- Diretrizes da CBS.

Não vamos ser repetitivos em desenvolver aqui as diretrizes constitucionais da CBS, naquilo que coincide com as diretrizes constitucionais do IBS, estas últimas apresentadas em texto anterior a este.

Iremos destacar a partir de agora os pontos específicos aplicados à contribuição federal, além das diferenças entre um e outro tributo.

Isto porque à vista do art. 195, V, c/c o §16, de interpretação sistemática com o art. 156-A, todos da CF/88, muito do que fará parte da lei complementar da IBS será comum também ao tributo da União.

Façamos o comparativo entre os dispositivos citados:

Art. 195 ... A seguridade social será financiada ... mediante recursos ... das seguintes contribuições sociais:

...

V- sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.

...

§ 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13.

 

O caput do art. 156-A reza o seguinte:

Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

Logo, em relação ao art. 156-A, não se aplica à CBS:

(1) O §1º, inciso VII:

§ 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:

...

VII - será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação.

Óbvio que dito dispositivo não se aplica porque trata das alíquotas estaduais e municipais – o somatório delas – e isto nada tem a ver com a CBS.

(2) O §1º, inciso IX:

§ 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:

...

IX - não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, e 195, I, "b", IV e V, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239.

Também esta norma está dedicada exclusivamente para o IBS e não se estende à CBS, pois aborda elementos que não deverão integrar a base de cálculo do primeiro tributo.

(3) O §4º, a saber:

§ 4º Para fins de distribuição do produto da arrecadação do imposto, o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços:

I - reterá montante equivalente ao saldo acumulado de créditos do imposto não compensados pelos contribuintes e não ressarcidos ao final de cada período de apuração e aos valores decorrentes do cumprimento do § 5º, VIII;

II - distribuirá o produto da arrecadação do imposto, deduzida a retenção de que trata o inciso I deste parágrafo, ao ente federativo de destino das operações que não tenham gerado creditamento.

O assunto não tem a menor ligação com a CBS. As regras reproduzidas dizem respeito a critérios de distribuição da arrecadação do IBS, que tem autonomia própria para efetivação dos montantes arrecadados.

(4) O §5º, incisos I, VII e VIII:

§ 5º Lei complementar disporá sobre:

I - as regras para a distribuição do produto da arrecadação do imposto, disciplinando, entre outros aspectos:

a) a sua forma de cálculo;

b) o tratamento em relação às operações em que o imposto não seja recolhido tempestivamente;

c) as regras de distribuição aplicáveis aos regimes favorecidos, específicos e diferenciados de tributação previstos nesta Constituição

...

VII - o processo administrativo fiscal do imposto;

VIII - as hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, inclusive os limites e os beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda;

Analisando o parágrafo em comento, verifica-se em primeiro lugar que a CBS não será regida pelo mesmo processo administrativo tributário do IBS, muito embora possa ganhar harmonização interpretativa nos julgamentos administrativos de cada uma das esferas federativas[2].

Em segundo lugar, terá disciplina própria o cashback da contribuição federal, conforme enunciado mais adiante em tópico deste texto, até porque os percentuais previstos para devolução de cada um dos tributos são distintos.

E, em terceiro lugar, a lei complementar disciplinará apartadamente as normas de distribuição da arrecadação do IBS, entre as quais deverá estar prevista a sua forma de cálculo, o tratamento a ser dado nas operações em que o imposto não seja pago tempestivamente e como se dará a distribuição nos casos dos regimes específicos, favorecidos e diferenciados de tributação.

(5) O §12:

§ 12. A devolução de que trata o § 5º, VIII, não será considerada nas bases de cálculo de que tratam os arts. 29-A, 198, § 2º, 204, parágrafo único, 212, 212-A, II, e 216, § 6º, não se aplicando a ela, ainda, o disposto no art. 158, IV, "b".

Os preceitos apontados no parágrafo transcrito são os seguintes:

Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5 do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:

...

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

...

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 155 e 156-A e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, I, "a", e II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 156 e 156-A e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, I, "b", e § 3º.

...

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

...

Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I - despesas com pessoal e encargos sociais;

II - serviço da dívida;

III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

...

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

...

Art. 212-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 desta Constituição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais, respeitadas as seguintes disposições:

...

II - os fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento):

a) das parcelas dos Estados no imposto de que trata o art. 156-A;

b) da parcela do Distrito Federal no imposto de que trata o art. 156-A, relativa ao exercício de sua competência estadual, nos termos do art. 156-A, § 2º; e

c) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do caput do art. 155, o inciso II do caput do art. 157, os incisos II, III e IV do caput do art. 158 e as alíneas "a" e "b" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 desta Constituição;

...

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

...

IV - 25% (vinte e cinco por cento):

a) do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;

b) do produto da arrecadação do imposto previsto no art. 156-A distribuída aos Estados.

Note-se que estes mandamentos albergam parâmetros de utilização dos recursos e consideração das rubricas que deverão ser computadas para efeito de distribuição do produto arrecadatório. Em todos eles a renúncia fiscal feita a título de cashback não entrará no cálculo destes limites.

Por outro lado, são dedicados os seguintes dispositivos constitucionais para a CBS, entre outros adiante apresentados, sendo que o §16 já foi comentado linhas atrás:

§ 15. A contribuição prevista no inciso V do caput poderá ter sua alíquota fixada em lei ordinária.

§ 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13.

§ 17. A contribuição prevista no inciso V do caput não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, 156-A e 195, I, "b", e IV, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239.

§ 18. Lei estabelecerá as hipóteses de devolução da contribuição prevista no inciso V do caput a pessoas físicas, inclusive em relação a limites e beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda. 

§ 19. A devolução de que trata o § 18 não será computada na receita corrente líquida da União para os fins do disposto nos arts. 100, § 15, 166, §§ 9º, 12 e 17, e 198, § 2º.

Da análise destes dispositivos, defluem as seguintes afirmativas: i) independente da alíquota de referência da CBS a ser fixada através de resolução do Senado, lei ordinária federal poderá dispor de modo diferente, estabelecendo uma outra alíquota; ii) da mesma forma que o IBS tem regra semelhante (mas não igual), a contribuição não poderá integrar a sua própria base de cálculo, nem poderá compor a base imponível de outros tributos indicados no §17; iii) as normas de cashback serão reguladas em lei; iv) os valores de cashback não serão computados na receita corrente líquida da União para os fins assinalados no §19.

Visto isso, comparando-se as diretrizes criadas para o IBS e para a CBS, é chegado o momento de apontarmos os traços distintivos entre um e outro tributo.

 

III- Diferenças substanciais entre o IBS e a CBS.

Conforme adiantado na parte introdutória deste texto, cumpre agora apontar e explicitar as distinções proeminentes acerca destes dois tributos, no sentido de divisar as suas fronteiras e estabelecer os parâmetros para futuras harmonizações de interpretação e aplicação entre eles.

Poder de tributar.

O primeiro sinal distintivo entre os dois tributos decorre de natural consequência do desenho federativo brasileiro. Seria infenso à constituição em vigor se o constituinte derivado resolvesse criar um IVA único, de competência federal, extinguindo o ICMS e o ISS, tributos que marcam profundamente a autonomia financeira dos estados-membros e municípios. Certamente, a iniciativa reformista estaria fadada à rejeição.

Assim, não só do ponto de vista jurídico, mas também impulsionado por poderosas forças políticas, o novo esquema de tributação do consumo evoluiu para o modelo do IVA dual, à semelhança da estrutura existente no Canadá.

Evidentemente, neste contexto a contribuição sobre bens e serviços pertence à competência arrecadatória da União, ao passo que a competência arrecadatória do imposto sobre bens e serviços possui competência compartilhada entre estados e municípios, fórmula inédita no sistema constitucional tributário até então em vigor, de seu turno coordenada por uma entidade de direito público sem precedente jurídico no planeta inteiro.

Claro que as origens diferentes de competências suscitam iniciativas distintas de elaboração legislativa, interpretação, aplicação e gestão do IBS e da CBS. Como se disse em texto anterior, os PLPs 68 e 108/2024 trazem mecanismos que intentam aproximar ainda mais os dois tributos, repita-se, num trabalho de harmonização e de uniformização de suas estruturas jurídicas.

Poder de fiscalizar, auditar e lançar.

Relembre-se que, na forma do art. 142 do CTN, a competência para o lançamento é privativa da autoridade incumbida por lei para o exercício desta função. E isso se estende, outrossim, para as tarefas de fiscalizar e auditar a correição no cumprimento das obrigações tributárias, sendo até de bom alvitre que haja cooperação entre os entes tributantes

Desse modo, como a CBS e o IBS são tributos distintos, claro que tais atribuições devem ser entregues a servidores públicos ocupantes de cargos diferentes – e em entidades federativas diferentes.

A contribuição federal tem as atribuições em epígrafe entregues ao auditor fiscal da receita federal. O IBS aos servidores públicos das carreiras tributárias privativas criadas por lei em cada unidade federativa descentral.

Logo, as peculiaridades que disserem respeito ao exercício destas prerrogativas no âmbito de cada poder tributante não poderão encontrar uniformização interpretativa entre a União e demais entidades federativas3].

Gestão.

Como decorrência lógica da competência compartilhada, a gestão de cada tributo será conduzida por batutas diferentes. Os estados e municípios cuidarão da administração do IBS, através do Comitê Gestor (CG), que conta inclusive com estrutura já prevista no PLP 108/2024. A União cuidará da gestão da CBS, através do Poder Executivo, designadamente pela Receita Federal do Brasil (RFB).

Estabelecimento das alíquotas de referência.

Também obedecem a fórmulas e critérios próprios a quantificação da carga tributária para se chegar à alíquota de referência da contribuição e do imposto.

Esclareça-se que, nos termos do art. 195, §15, constitucional, embora a alíquota de referência da contribuição seja fixada pelo Senado, com critérios e fórmulas previstos em lei complementar, dito tributo poderá ter a sua alíquota fixada em lei ordinária federal. Eis o dispositivo:

Art. 195 ... § 15. A contribuição prevista no inciso V do caput poderá ter sua alíquota fixada em lei ordinária.

Afora isso, há no PLP 68/2024 Seções apartadas que tratam do cálculo da alíquota de referência do IBS e da CBS.

Normas de apropriação de créditos fiscais.

Sem embargo da determinação constitucional de IBS e CBS possuírem as mesmas normas para adoção da técnica da não cumulatividade e de creditamento, este é o ponto que possui mais diversidade de tratamento normativo dos dois tributos, considerando as proposições contidas no PLP 68/2024.

Assim, seguem aqui algumas destas particularidades, sem querer esgotar todas, até porque há muitas minúcias que devem ser analisadas quando o operador do direito se deparar com o caso concreto.

  1. Segregação nas apropriações.

Dentro do PLP 68/2024, em seu art. 28, §1º, I, adverte-se que a apropriação do IBS e da CBS será feita de forma segregada, até porque são tributos que pertencem a esferas tributantes distintas, de modo que não será possível compensar um com o outro.

  1. Créditos presumidos distintos.

Diversas situações para apropriação de créditos presumidos foram estabelecidas pelo autor do PLP 68/2024. Tanto para o IBS como para a CBS. Vamos a algumas delas, com ênfase nesta última.

  1. Produtos residuais.

Nas operações com resíduos e demais materiais destinados à reciclagem, reutilização ou logística reversa adquiridos de pessoa física, cooperativa ou outra forma de organização popular, foram estabelecidos percentuais diferentes de créditos presumidos para ambos os tributos, maior no IBS do que na CBS.

  1. Bens móveis usados adquiridos para revenda.

Nas operações com bens móveis usados, adquiridos de pessoa física não contribuinte para revenda, o PLP 68/2024 previu a concessão de crédito presumido para os dois tributos.

No caso do IBS, o cálculo do crédito presumido corresponderá a percentual equivalente à soma das alíquotas de IBS vigentes para o bem móvel de que trata o caput, na data da aquisição, fixadas pelo município e pelo estado onde estiver localizado o estabelecimento em que foi realizada a aquisição.

No caso da CBS, o cálculo do crédito presumido corresponderá a alíquota aplicável da contribuição, fixada pela União para o referido bem móvel, na data da aquisição.

 

  1. Serviços prestados por transportador autônomo, pessoa física não contribuinte.

Para entendimento melhor deste tópico, revela-se crucial a reprodução de parte do art. 9º da EC 132/2023:

Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa.

§ 1º A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput entre as relativas aos seguintes bens e serviços:

...

§ 5º É autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte na hipótese de que trata o § 4º, nos termos da lei complementar, observado o seguinte:

I - O Poder Executivo da União e o Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços poderão revisar, anualmente, de acordo com critérios estabelecidos em lei complementar, o valor do crédito presumido concedido, não se aplicando o disposto no art. 150, I, da Constituição Federal; e

II - O crédito presumido de que trata este parágrafo terá como objetivo permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto em razão do disposto no caput deste parágrafo.

§ 6º Observado o disposto no § 5º, I, é autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de:

I - serviços de transportador autônomo de carga pessoa física que não seja contribuinte do imposto, nos termos da lei complementar ...

Na disposição reproduzida, constata-se a previsão constitucional de regimes diferenciados de tributação pela lei complementar que instituir o IBS e a CBS. O §1º aponta a redução dos dois tributos em 60%. O §5º autoriza o crédito presumido nas operações envolvendo produtores rurais, nas condições ali previstas.

O que chama a atenção é o §6º. Não se sabe se por erronia de caráter material, nele fica evidente que o constituinte só permitiu a apropriação de créditos (presumidos) de IBS, por parte de contribuinte adquirente de serviços de transportador autônomo, pessoa física não contribuinte, conforme lei complementar. Note-se que o constituinte só adota o termo imposto. Não se faz referências à CBS, o que pode suscitar a dúvida de que, para esta contribuição, o adquirente na mesma situação fique impedido de usar créditos. Ou que a regra seja outra.

O autor do PLP 68/2024 - versão original enviada ao Congresso pela SERT - parece ter querido sanar o erro, como se depreende do art. 158. Lá há clara referência de que o crédito presumido é técnica a ser adotada para os dois tributos, não obstante a adstrição cometida pelo constituinte derivado. Resta saber se essa questão de natureza constitucional será revolvida ulteriormente. Mas o registro neste estudo se faz necessário.

  1. Creditamento para as hipóteses tratadas em benefícios estipulados exclusivamente para a CBS.

Está previsto no art. 19 da EC 132/2023 a previsão até 31/12/2032 de apropriação de crédito presumido nas operações que envolvam a indústria automotiva sob determinadas condições, inúmeras inclusive, nos moldes da Lei 9440/97 e da Lei 9826/99.

O expediente de aproveitamento do crédito presumido só se aplica à CBS, até porque os incentivos criados provêm da área federal e dizem respeito a tributos de competência da União.

Legislação e gestão do cashback.

É de se destacar que, quanto aos valores a serem devolvidos dos dois tributos para populações de baixa renda, existem normas e mecanismos autônomos. No seio da CF/88, os casos de cashback da CBS serão estabelecidas em lei, na qual serão estabelecidos os limites para devolução e os beneficiários. O total devido, segundo o §19 do art. 195, não será computado na receita corrente líquida da União para determinados fins.

Neste contexto, o PLP 68/2024 determinou percentuais diferentes para devolução da CBS e do IBS, variando de tipo de produto e de operação. Ademais, a gestão e normatização esmiuçada do cashback será feita pela Receita Federal do Brasil (RFB), com o fito de viabilizar a sua operacionalização.

Ficou também determinado em seu art. 113 marcos temporais diferentes para cálculo das devoluções calçadas no consumo familiar, a partir de janeiro de 2027 para a CBS, a partir de janeiro de 2029 para o IBS.

Normatização debaixo da lei complementar.

Sem embargo de sabermos que os dois tributos serão instituídos pela mesma lei complementar, aliás como vem ofertado no PLP 68/2024, conforme atrás enunciado, o poder de regulamentação da CBS pertence a União e do IBS pertence aos demais entes, via Comitê Gestor. Num só fôlego: há previsão para criação de regulamentos distintos, um para a contribuição, outro para o imposto.

Isto implica sobretudo em disciplinar obrigações acessórias distintas, o que pode afetar os custos de conformidade dos sujeitos passivos. Daí a previsão de haver esforços também no sentido de uniformizar ou quando nada harmonizar a legislação relacionada com os deveres instrumentais.

Daí haver previsão também no PLP 68/2024 de que as disposições regulamentares comuns aos dois tributos serão aprovadas através de ato conjunto assinado pelo Comitê Gestor e pelo Poder Executivo federal.

Regras de compensação.

Um tributo difere do outro pelas normas de compensação previstas para um e para o outro. Conforme o PLP 68/2024, há regras de compensação da CBS com outros tributos federais. Para o IBS isso não se aplica, obviamente.

Regimes específicos próprios da CBS.

Extrai-se do PLP 68/2024 a circunstância de haver regimes específicos próprios só direcionados para a CBS, até para acompanhar benefícios fiscais que já vigoravam para tributos federais à época da implantação da reforma tributária de 2023.

Logo, tais situações não se aplicam ao IBS, diferentemente do que ocorre com outros regimes específicos disciplinados indistintamente para ambos os tributos.

  1. Prouni.

O PLP 68/2024 cunhou com alíquota zero da CBS as prestações de serviços de educação de ensino superior por instituição privada de ensino, com ou sem fins lucrativos, durante o período de adesão e vinculação ao Programa Universidade para Todos (Prouni), criado pela Lei 11.096/2005.

  1. Segmento automotivo.

Gozarão de créditos presumidos de CBS os projetos elaborados por pessoa jurídica fabricante ou montadora de veículos, à vista dos benefícios previstos na Lei 9440/97, art. 11-C, e na Lei 9826/99, arts. 1º a 4º. Neste sentido, várias regras são impostas pelo autor do PLP 68/2024, a serem minudenciadas numa outra ocasião.

Fundo de Combate à Pobreza.

Deflui do ADCT implementado na EC 132/2023 (art. 5º, no que tange ao art. 82) que os estados-membros, Distrito Federal e municípios poderão criar Fundos de Combate à Pobreza, de modo que poderá ser destinado percentual da arrecadação do IBS para o seu financiamento.

Não há previsão na emenda constitucional para isso também ser aplicado em relação à CBS[4].

Evidentemente, as questões factuais e jurídicas que disserem respeito à constituição deste Fundo passarão ao largo do Poder Executivo Federal, por falta de pertinência. Logo, prescindirá de uniformização.

Regras de transição.

Como já se sabe, a CBS veio para substituir a contribuição para o PIS, a Cofins e, quase que totalmente, o IPI.[5] Já o IBS veio no lugar do ICMS e do ISS. Entretanto, o novo modelo de consumo não vai ser implantado instantaneamente, de uma só vez, com extinção imediata dos tributos sucedidos.

Será preciso um razoável período de transição, dentro do qual todos os tributos atrás referidos terão vigência, com sobrecarga temporária dos custos de conformidade para os contribuintes, é verdade, mas que se faz necessária para testar – e calibrar – a carga tributária introduzida. Sem falar no atendimento dos princípios da não surpresa e da segurança jurídica, aqui observados para além das bordas delineadas pelos princípios da anterioridade geral e da noventena.

Por conseguinte, por sucederem tributos diferentes, possuírem cargas tributárias distintas e marcos temporais diversos, as regras de transição não são iguais para o IBS e para a CBS.

A começar pelo art. 125, numerado pelo autor da EC 132/2023, no qual se indica que, em 2026, o IBS terá alíquota de 0,1%, enquanto que a CBS terá alíquota de 0,9%, com regras diferentes de compensação e balanceamento de carga com os tributos sucedidos.

Dentro do PLP 68/2024, percebe-se também regras distintas (dispostas até em Seções individualizadas) para cálculo da alíquota de referência da CBS e para cálculo da alíquota de referência para o IBS.

Regras de direito financeiro.

Por último, como não poderia deixar de ser, IBS e CBS possuem normas de direito financeiro de conteúdo diferente no detalhamento, máxime no que diz respeito à elaboração dos orçamentos, auditoria contábil e financeira, produção de relatórios e administração dos recursos arrecadados, entre outras incumbências legais.

Isto evidentemente resultará em procedimentos e interpretações normativas diferenciadas, difíceis de serem uniformizadas e harmonizadas entre os dois tributos. Mas não se descarta a sua harmonização.

Considerações finais.

Associando-se o conteúdo do IBS e o conteúdo da CBS, não restam dúvidas de que tais tributos coincidem em muitos aspectos na sua essência e modo de funcionamento.

Quanto aos pontos coincidentes, até para não confundir o sujeito passivo, o ideal é que, sempre quando possível, União e demais Entes Federativos andem entrosados no esforço de aplicar e interpretar as regras atinentes aos dois tributos. Daí a previsão de harmonização de entendimento, conteúdo a ser desenvolvido em outro texto.

De outro lado, verifica-se haver um sem número de situações distintas entre a CBS e o IBS. Por terem regências próprias neste particular, logicamente não soa óbvio fazer-se um esforço de uniformização normativa entre os dois tributos, naquilo que seja incompatível. Assim, por exemplo, as normas disciplinadoras destas situações serão diferentes, as soluções de consulta serão diferentes, as decisões de julgamento administrativo serão diferentes, só para ficar nestes exemplos.

Recorde-se que somos uma federação sui generis. Não seria possível criar-se um único IVA e deixa-lo debaixo da maestria de um único ente federativo, sob pena de sacrificar o federalismo de equilíbrio, tão apregoado entre os constitucionalistas e internacionalistas.

IBS e CBS são exações novas, a demandarem mudanças de paradigmas, alicerçados em outro modelo de tributação sobre o consumo, a despertarem estudos e reflexões por parte dos operadores do direito tributário. Não percamos de vista que passamos por uma reforma tributária profunda, a reclamar mudanças de prismas de entendimento em face dos tributos hoje existentes. O desafio será grande, mas – espera-se – contribuirá para o fortalecimento da economia nacional.

Por último, após a exibição das diretrizes do IBS e da CBS, cabe um chamado importantíssimo para a população brasileira, em especial para as entidades públicas e organizações civis de defesa do consumidor: em face da reforma da tributação do consumo, muitos produtos terão os preços substancialmente reduzidos, à vista da carga atual. É preciso que referidas pessoas acompanhem diuturnamente a evolução dos preços ao longo do tempo, sobretudo para evitar que agentes econômicos mal-intencionados passem a substituir o alívio na carga tributária pelo aumento abusivo em seus lucros, mantendo – ou até elevando - os preços praticados à época dos impostos e contribuições sucedidos. Afinal, de nada valerá o esforço do legislador reformista em desonerar a tributação de determinados bens (proteínas, medicamentos etc.), se o povo não sentir no bolso essa melhoria. Fica, enfim, registrado o alerta.

 

[1] Será mostrado adiante que o próprio PLP 68/2024 criou mecanismos peculiares de apropriação de créditos fiscais, em muitos casos diferentes para cada tributo.

[2] A propósito disto, foi apresentado ao Congresso Nacional o PLP 108/2024, cujas regras processuais administrativas só se aplicam ao IBS. A CBS terá disciplina na legislação federal, acompanhando os demais tributos da União.

[3] Caminha a passos largos a idealização de uma Lei Nacional Orgânica dos Fiscos.

[4] Em nível constitucional, havia no art. 79 e segs. do ADCT normas acerca do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, criado na esfera federal.

[5] Recorde-se que o IPI ainda vigora no sistema tributário, embora tenha sua aplicação mais restrita, à vista das operações realizadas na Zona Franca de Manaus.

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