Reforma tributária: Propostas apresentadas se restringem a tributação sobre o consumo e serviços
José Alberto Reis Sampaio (*)
Quando se discute sistema tributário, o que na verdade se discute é a forma de organização do estado e da sociedade e como serão custeados os serviços e estruturas necessárias à vida da coletividade.
Algumas questões são básicas:
a) se algo precisa ser feito em prol da coletividade, a coletividade precisa contribuir.
b) se a comunidade é igualitária, todos devem contribuir com o mesmo valor. Enfim, alguém irá pagar tributo, alguém irá cobrar e alguém irá administrar o destino dos tributos.
c) o montante dos tributos irá depender de alguns fatores, de uma maneira geral:
c.1) Se o estado intervém muito na economia e traz pra si a realização de obras e serviços, será elevado;
c.2) se pouco ou nada intervém, será reduzido.
Assim, se temos um país igualitário economicamente, é muito simples estabelecer um sistema tributário. É estabelecer o que o estado deverá fazer, quanto se precisa arrecadar para custear e dividir esse custo para todos, de forma igual.
Esse seria o sistema tributário de uma sociedade perfeita!
Numa sociedade desigual, com desenvolvimento regional irregular e a existência de grande parcela da população pobre e extremamente pobre, em conflito direto com as pressões do poder econômico por um estado mínimo e também pressionados por aumento de tecnologia que automatiza a produção e cuja produção é preponderantemente de produtos primários, tem-se uma equação de dificílima resolução.
Portanto, o pano de fundo para o desenho de um sistema tributário numa sociedade com essas características é justamente a discussão sobre as bases que serão consideradas para tal.
Nessa situação, as questões básicas, são:
a) os menos favorecidos precisam de tudo;
b) os detentores do poder econômico, acham que ofertar empregos e pagar o mínimo de impostos é suficiente;
c) governo, ao deparar-se com a equação entre receitas e despesas e a crescente dependência dos empréstimos, cujos juros já tomam grande parte das receitas, navega no piloto automático, agindo como bombeiros que atuam sobre os focos de incêndio mais urgentes.
Uma das grandes incertezas é quem vai defender um sistema mais progressivo, principalmente porque quem detém o poder econômico é quem manda efetivamente nos poderes da República, seja direta ou indiretamente, nos representantes da sociedade, na imprensa, nos tribunais de contas etc.
Prova dessa situação é a falta de correção da tabela do imposto de renda, pelos índices da inflação, que deveria ser automática, mas que os poderes da república se fazem de cegos, surdos e mudos.
Uma outra situação que afeta uma parcela maior da população é a desoneração tributária na exportação de produtos primários.
Um país que é um dos maiores produtores mundiais de alimentos, exporta a maior parte dessa produção e não pode cobrar nenhum tributo sobre essa atividade, pois alega-se que tal cobrança reduziria a competitividade dos produtos.
Por que essa vantagem competitiva da nação, em ter uma das maiores áreas agricultáveis do mundo, não pode contribuir em nada para amenizar a pobreza e a miséria da população que não sejam os poucos empregos que utiliza nos seus processos cada vez mais automatizados? O mesmo ocorre com a exportação de minérios.
Os detentores de grandes fortunas, não podem contribuir com uma fatia maior do seu patrimônio, pois se assim o for podem sair do país.
Os incentivos fiscais em todas as esferas, se transformaram num jogo de soma zero, ao desonerar grandes empresas, transformando o que seria tributo, em maior lucro para as empresas. Ou seja, tudo que poderia servir de base a uma tributação mais proporcional, termina em quase nada, por pressão dos grandes detentores do poder econômico.
Os recursos naturais da nação são apropriados pelos grandes grupos multinacionais e quase nada de retorno deixam. Aliás, os passivos ambientais é que são herdados pelos cidadãos brasileiros e nem assim se pode cobrar impostos sobre essas atividades.
Como quem pode mais paga menos, resta cobrar os tributos de quem pode menos como as pequenas empresas, os trabalhadores, as pessoas físicas, sobre as quais recai toda a carga tributária de um sistema altamente regressivo.
Portanto, mais importante que os mecanismos e formas de tributação e arrecadação é o avanço sobre uma base tributária mais proporcional ao poder econômico, a retribuição ao uso e consumo dos recursos naturais em forma de tributação, entre outras medidas de maior profundidade que visem a progressividade e que serão os determinantes para uma reforma tributária propriamente dita e não uma reformulação da tributação atual com a mesma base de hoje.
As propostas de reforma tributária até aqui apresentadas (PECs 45 e 110) se restringem a tributação sobre o consumo e sobre a prestação de serviços, toca no IPVA e no IPTU, mas nada além disso.
Ou seja, é um simulacro de reforma, pois deixa de fora a principal mazela da tributação brasileira, que é a de onerar mais quem ganha menos, distribuindo umas migalhas para os mais vulneráveis e deixando os mais ricos fora da conta.
Nada se fala sobre progressividade no imposto de renda, tributação sobre grandes fortunas ou sobre lucros das grandes empresas. Portanto, a classe média, principalmente a média baixa, formada por assalariados e pequenos empresários, que são considerados os "ricos" para o governo, continuarão carregando nas costas a pesada carga tributária.
(*) Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia
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