Fraude Contábil mediante Saldo Credor de Caixa
O saldo credor de caixa é uma das inconsistências mais gritantes no campo da contabilidade, por contrariar diretamente a natureza da conta “Caixa”, que representa numerário físico disponível em espécie. Como essa conta pertence ao grupo do Ativo Circulante, o seu saldo, logicamente, deveria ser devedor. Quando se verifica, na prática contábil, a existência de um saldo credor na conta Caixa, o auditor deve acionar imediatamente os alertas, pois trata-se de um forte indício de manipulação de lançamentos, possivelmente para mascarar saídas não documentadas ou entradas de receitas omitidas.
Em auditorias contábeis tributárias, a constatação de saldo credor na conta Caixa costuma configurar-se como presunção legal de omissão de receitas, conforme entendimento já consolidado no âmbito da jurisprudência administrativa e judicial. Essa prática, infelizmente comum, representa um dos mais clássicos exemplos de fraude contábil, sendo amplamente debatida tanto na doutrina quanto nas decisões dos tribunais, como detalha Silva (2018: 71-82) ao tratar das fraudes patrimoniais recorrentes.
O Manual de Auditoria Contábil Tributária, destaca que a Conta Caixa representa numerário em espécie e, portanto, só pode apresentar saldo devedor. A existência de saldo credor caracteriza erro ou fraude, sendo considerada como presunção legal de omissão de receitas (SILVA, 2025, p. 290-291). Essa afirmação é reforçada pela prática dos auditores fiscais que, ao se depararem com tal anomalia, realizam a reconstrução da movimentação da conta com o objetivo de identificar registros fictícios ou inconsistentes.
O exame da conta Caixa, como destaca Silva (2025), deve envolver uma análise criteriosa dos lançamentos registrados, incluindo a identificação de contrapartidas suspeitas, ausência de documentos hábeis e recorrência de lançamentos com histórico genérico, como “ajuste de caixa” ou “acertos diversos”. Essas expressões costumam ocultar a verdadeira natureza das operações, dificultando a rastreabilidade e transparência exigidas pela boa prática contábil.
Além disso, o procedimento de auditoria deve incluir a reconstituição da movimentação da conta, considerando o confronto com extratos bancários, registros fiscais e documentos de suporte, especialmente quando se constata a ocorrência de pagamento não contabilizados. Por outro lado, a ocorrência de lançamentos cruzados com a conta bancária, por exemplo, é um indício adicional de tentativa de “esvaziamento” artificial do saldo da conta Caixa. Conforme observa o manual, há casos em que se identificam lançamentos da movimentação bancária diretamente na conta Caixa, o que pode camuflar o real fluxo financeiro da empresa (SILVA, 2025, p. 305-312).
A doutrina contábil reconhece que a presunção de omissão de receita, nestes casos, se apoia tanto na ausência de lógica contábil quanto na insuficiência de lastro documental das operações. O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) vêm confirmando reiteradamente esse entendimento, validando a atuação do fisco com base nessas evidências, inclusive para constituição de crédito tributário por lançamento de ofício, considerando que a escrituração deve refletir o patrimônio da entidade, devendo ser lastreada por documentação hábil e idônea.
É importante salientar que, ampliando as previsões normativas no âmbito do IRPJ, ICMS e ISSQN, segundo o artigo 335 da Lei Complementar nº 214/2025, que institui o IBS e CBS, a existência de saldo credor de caixa configura presunção legal relativa de omissão de receitas para fins de lançamento tributário, salvo prova em contrário apresentada pelo contribuinte. Essa disposição legal visa coibir fraudes sistemáticas e estimular a manutenção de escrituração contábil regular e coerente, ampliando o alcance da auditoria contábil tributária como instrumento de justiça fiscal.
O auditor, diante de tal achado, deve lançar mão de testes substantivos de auditoria, como a confirmação externa, o recálculo de valores, a análise horizontal e vertical das contas patrimoniais e a confrontação com livros auxiliares e documentos fiscais eletrônicos ou não. Todos esses procedimentos buscam formar um conjunto probatório robusto que justifique a lavratura de auto de infração e fundamentação legal do lançamento.
A experiência prática também tem demonstrado que muitos dos saldos credores na conta Caixa decorrem de erros contábeis intencionais, alimentados por práticas internas desleixadas ou deliberadamente fraudulentas. Por isso, uma recomendação doutrinária importante é que os auditores realizem análises recorrentes da movimentação de numerário, especialmente em empresas com grande volume de transações em dinheiro ou baixo grau de formalização documental.
Portanto, o saldo credor de caixa não deve ser visto apenas como um erro contábil isolado, mas como uma anomalia que pode apontar para um esquema maior de sonegação fiscal, exigindo do auditor tributário uma postura investigativa, técnica e rigorosa. A detecção de saldo credor de caixa é uma das portas de entrada mais clássicas da auditoria contábil tributária para o universo das fraudes fiscais.
(*) Auditor Fiscal aposentado
Referências
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 9 de janeiro de 2025. Institui normas gerais aplicáveis ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao Imposto Seletivo (IS), e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, jan. 2025.
CARF. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Jurisprudência administrativa fiscal. Disponível em: https://www.gov.br/carf/pt-br. Acesso em: 02 out. 2025.
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (CFC). Normas Brasileiras de Contabilidade (NBCs). Brasília: CFC, 2024. Disponível em: https://cfc.org.br . Acesso em: 02 out. 2025.
SILVA, Alexandre Alcantara da. Manual de Auditoria Contábil Tributária. 2. ed. Vitória da Conquista, BA: Edição do Autor, 2025.
SILVA, Alexandre Alcantara da. CERQUEIRA, Anderson Freitas de Cerqueira. Fraudes Contábeis: Repercussões tributárias, enfoque no ICMS. Curitiba: Juruá, 2018.
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