22/05/2024

Reforma Tributária 2023 – Parte 10 – IPI, IOF, CIDE-Combustíveis e IPTU. O que mudou

1 - Introdução

O presente texto objetiva analisar as alterações promovidas pelo constituinte reformador nos tributos federais e municipais que já integravam o sistema tributário nacional, antes da Emenda Constitucional (EC) 132/2023. Nossas atenções estarão voltadas precipuamente para a análise das modificações promovidas pela referida Emenda no IPI, no IOF, na CIDE - Combustíveis (tributos de competência da União Federal) e no IPTU (imposto de competência dos Municípios e do Distrito Federal).

Em estudo recente, que integra a parte 5 (cinco) desta coletânea de publicações, analisamos detidamente as modificações processadas pelo legislador reformista na Contribuição Municipal sobre a Iluminação Pública (COSIP), prevista no art. 149-A do texto constitucional, tributo que foi inserido no sistema tributário nacional pela Emenda à Constituição Federal nº 39, de 19/12/2002. Sobre o tema ver os comentários no estudo específico dedicado à referida contribuição municipal.

Feitas essas considerações iniciais passaremos doravante à análise da temática proposta para este estudo.

2 – IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)

As mudanças processadas pela EC 132/23 no sistema tributário nacional modificaram substancialmente o papel a ser desempenhado pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de competência da União, previsto no art. 153, IV, da Constituição de 1988, cujos fatos geradores, na dicção do art. 46 do Código Tributário Nacional (CTN), alcança:

I - o desembaraço aduaneiro, quando o produto for de procedência estrangeira;

II - a saída do produto de estabelecimento industrial ou a ele equiparado;

III - a arrematação do produto, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.

Cabe aqui destacar de início que o IPI não foi extinto pelo constituinte reformador, mas as suas atuais funções, arrecadatórias e extrafiscais, passarão a ser exercidas respectivamente pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e pelo Imposto Seletivo, novos tributos que integrarão a esfera de competência da União, a partir de 2027, inseridos no ordenamento jurídico pela EC 132/23.

Caberá ao IPI, nesse novo cenário, funcionar como principal elemento a diferenciar e assegurar a competividade da Zona Franca de Manaus (ZFM), vez que a partir de 2027 esse tributo terá suas alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação às operações com mercadorias de origem fabril que vierem a ser produzidas fora da região que integra a ZFM, conforme previsto no art. 126, III, alíneas “a” e “b”, da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Vejamos então a redação da norma aqui referenciada:

"Art. 126. A partir de 2027:

(...)

III - o imposto previsto no art. 153, IV, da Constituição Federal:

a) terá suas alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, conforme critérios estabelecidos em lei complementar; e

b) não incidirá de forma cumulativa com o imposto previsto no art. 153, VIII, da Constituição Federal."

De acordo com o novo regramento constitucional, as indústrias instaladas na ZFM continuarão a ser incentivadas a permanecer na região através da desoneração do IPI. Por sua vez, indústrias concorrentes que atuarem no mesmo setor, mas que estiverem instaladas em outros polos fabris do país terão que pagar o IPI à União Federal.

O IPI, a partir de 2027, será, portanto, um tributo essencialmente voltado a uma finalidade extrafiscal, direcionado a funcionar como elemento de viabilidade econômica da Zona Franca de Manaus. Nesse novo contexto o imposto poderá ser “rebatizado”, passando a ser denominado de “IPI-ZFM” (IPI – Zona Franca de Manaus”).

Relativamente ao conteúdo do dispositivo que integra a alínea “b”, do inc. III, do art. 126, acima reproduzido e objeto também de nossa análise, estamos diante de uma regra de exclusão de tributação. Ali é estabelecido que os produtos industrializados que forem inseridos pelo legislador complementar no campo de incidência do Imposto Seletivo, não serão taxados pelo IPI. Evita-se assim a ocorrência da denominada tributação cumulativa, de forma que não será possível a dupla incidência (IPI + Imposto Seletivo) sobre os mesmos produtos. A referida regra de exclusão, por sua vez, desonera totalmente de tributação, tanto pelo IPI como pelo Imposto Seletivo, os produtos fabricados na área incentivada que faz parte da Zona Franca de Manaus (ZFM).

Ainda neste tópico, que faz conexões entre a manutenção do IPI no sistema tributário nacional e os incentivos fiscais dirigidos à ZFM, é também necessário registrar que o legislador da EC 132/23, adicionalmente à utilização do IPI como um dos instrumentos viabilizadores da área incentivada, determinou que as leis instituidoras do IBS e da CBS deverão estabelecer mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à ZFM e às Áreas de Livre Comércio (ALC) existentes em 31/05/2023, nos mesmos níveis estabelecidos para os tributos que serão extintos[1].

Até 2073, ano previsto na Constituição para a vigência do tratamento tributário favorecido à ZFM, conforme estabelecido no art. 92-B, do ADCT, importa destacar neste estudo, agora no âmbito do Direito Financeiro, que o constituinte reformador estabeleceu que caberá à Lei Complementar do IBS/CBS criar o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, com aporte de recursos da União, com o objetivo de diversificar as atividades econômicas daquele Estado, sendo este fundo financeiro mais um instrumento de reforço na linha estabelecida pela Lei Maior de manutenção dos incentivos que possam viabilizar a instalação de novas indústrias na Zona Franca de Manaus nos próximos 50 anos.[2]

3 - IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio, Seguro ou Relativas a Títulos e Valores Mobiliários)

O IOF é um tributo de base ampla, de competência da União, previsto no art. 153, V, da CF/88 e no art. 63 do CTN. Esse imposto alcança uma gama ampla de atividades. Quatro são a bases econômicas tributáveis:

1 Operações de crédito – Negócios consubstanciados na entrega de moeda mediante obrigação à prestação futura.[3] O fato gerador nas operações de crédito é a efetivação do negócio pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado.

2 Operações de câmbio – Negócios consistentes na entrega de uma determinada moeda a alguém em contrapartida de outra moeda recebida. O fato gerador é efetivação da operação de seguro pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável.

3 Operações relativas a títulos e valores mobiliários – Negócio jurídico de transmissão de títulos e valores mobiliários, tais como ações de companhias abertas, letras imobiliárias, debêntures, cédulas hipotecárias e investimentos em ouro (ativo financeiro). O fato gerador das operações relativas a títulos e valores mobiliários é a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.

4 Operações de seguro – O fato gerador é a efetivação da operação de seguro pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável.

A EC 132/23 alterou o art. 153, V, da CF/88 retirando do campo de incidência do IOF, a partir de 2027, as operações de seguro. Essas operações passarão a ser oneradas exclusivamente pelo IBS e pela CBS, na sistemática de tributação específica, conforme previsto no art. 10, inc. I, alínea “a”, da referida emenda constitucional.

Visando compensar a perda de receita por conta da exclusão das operações de seguro do campo de incidência do IOF, o Senado Federal, por determinação do art. 130, I, “c”, do ADCT, deverá promover ajustes na alíquota de referência da CBS, entre 2027 e 2033, de forma a assegurar a manutenção da receita tributária da União.

4 - CIDE-Combustíveis (Contribuição de intervenção no domínio econômico sobre a comercialização de combustíveis)

A CIDE - Combustíveis, tributo de competência da União, tem suporte constitucional no art. 177, § 4º, da Carta de 1988, e incide sobre as atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool combustível.

A intervenção no domínio econômico se dá através da destinação do produto da arrecadação desse tributo para as finalidades a seguir descritas, previstas nas alíneas “a”, “b” e “c”, do inciso II, do § 4º, do art. 177, da CF:

1 pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados, e derivados de petróleo;

2 financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;

3 financiamento do programa de infraestrutura de transporte.

A EC 132/23 introduziu uma nova destinação para as receitas arrecadadas através dessa contribuição, quando promoveu a inclusão da alínea “d”, com o seguinte conteúdo: “pagamento de subsídios a tarifa de transporte coletivo de passageiros”.

O CIDE – Combustíveis é tributo que possui características próprias, cuja principal finalidade é reequilibrar os impactos gerados pelas atividades oneradas, considerando especialmente as oscilações dos valores dos combustíveis nos mercados, interno e internacional, e os efeitos sócioambientais decorrentes da extração do petróleo e do gás natural, recursos naturais/minerais não renováveis.

Respeitante ao serviço de transporte coletivo de passageiros, trata-se de atividade essencial e de forte apelo social, sempre a demandar maior volume de recursos visando o melhor atendimento às necessidades dos usuários do tipo de serviço. Através da inclusão da alínea “d”, ao inc. II, do art. 177, foi estabelecida a obrigatoriedade de destinação da receita da CIDE – Combustíveis ao pagamento de subsídios a tarifas de transporte de passageiros, aliviando os gastos orçamentários da União, dos Estados e do Municípios nesta específica finalidade.

Parte da receita arrecadada pela União por meio da CIDE-Combustíveis é repartida com Estados e Municípios de acordo com o previsto no art. 159, III, da CF, norma também alterada pela EC 132. A União deve obrigatoriamente partilhar 29% da arrecadação da CIDE-Combustíveis com os Estados e o Distrito Federal, e desta proporção, 25% será distribuída para os Municípios.

Por último, é importante destacar neste tópico que a previsão da alínea “d”, do inc. II, do § 4º, do art. 177 da CF, incluída pelo art. 3º, da EC 132/2023, passou a vigorar na data de publicação da Emenda, ou seja, 21/12/2023, fazendo-se necessária também alterações na legislação ordinária de regência do tributo para que a distribuição dos recursos aos entes subnacionais atendam à determinação constitucional. [4]

5 - IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana)

Inicialmente, para fins de comparação, apresentaremos os dispositivos constitucionais relacionados ao IPTU, transcrevendo a redação anterior e o texto atualmente vigente, após a alterações promovidas pela EC 132/23:

Redação anterior:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

..................

Redação atual, após a EC 132/23:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

III - ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal.     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

O inciso III, do § 1º, do art. 156, acrescentado ao texto da Lei Maior pela EC 132/23 estabelece a possibilidade de os Poderes Executivo municipal e distrital atualizarem, sem acréscimos reais, a base imponível do IPTU, por ato infralegal, ou seja, por decreto.

Essa possibilidade de atualização monetária ou de avaliação do valor venal do imóvel para fins de lançamento do imposto predial e territorial urbano já encontrava respaldo em sedimentada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Nessa linha de entendimento, o pleno do STF fixou a seguinte tese, com repercussão geral, em julgado recente: “É constitucional a lei municipal que delega ao Poder Executivo a avaliação individualizada, para fins de cobrança do IPTU, de imóvel novo não previsto na Planta Genérica de Valores, desde que fixados em lei os critérios para a avaliação técnica e assegurado ao contribuinte o direito ao contraditório (STF, Pleno, ARE 1.245.097, Rel. Min. Roberto Barroso, Dje – s/n div. 26-07-2023, pub. 27-07-2023).

 6 – Considerações finais

Já tivemos oportunidade de observar no texto anterior desta coletânea que o legislador da Reforma Tributária de 2023 “extrapolou os muros da tributação do consumo” promovendo significativas modificações nas bases constitucionais de outros tributos.

Além das mudanças na tributação do consumo, o constituinte reformador procedeu a importantes alterações em outros segmentos do sistema tributário nacional, especialmente nos impostos incidentes sobre o patrimônio (IPTU e IPVA), na contribuição sobre iluminação pública (COSIP), cujo campo de incidência foi expandido; no IOF, com a retirada das operações de seguro da base imponível; na redefinição do papel do IPI, que passará a ser um dos principais elementos viabilizadores da competividade da Zona Franca de Manaus; e, na destinação de parte dos recursos da CIDE-Combustíveis para atender também às necessidades do Poder Público de subsidiar as tarifas de transporte público de passageiros, serviço de capital importância para a mobilidade urbana e rural.

Na sequência deste trabalho retornaremos ao tema da tributação do consumo aprofundando nas diretrizes constitucionais do IBS/CBS, que estão assentadas no arts. 156-A e 195, V, da Carta de 1988.

(*) Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do IAF Sindical, Bacharel em Direito

(*) Ex-Diretor Jurídico do IAF Sindical, Bacharel em Direito, Professor Universitário.

[1] Norma inserida no art. 92-B da ADCT. A matéria tratada neste dispositivo é objeto de regulamentação no PLP 68/2024, entre os arts. 424 a 438 (ZFM) e arts. 439 a 448 (ALC).

 [2] A extensão do prazo de vigência dos incentivos para a ZFM até o ano 2073 foi objeto da Emenda Constitucional nº 83/2014.

[3] MOSQUEIRA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo. Dialética, 1999, p. 107.

[4] A CIDE-Combustíveis foi instituída pela Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001.

 

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