01/08/2013

Disponibilidade líquida de caixa: realidade ou ficção?

A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, foi aprovada com o firme propósito de estabelecer um novo marco no controle das finanças dos Entes Públicos nas suas três esferas de governo: Federal, Estadual e Municipal.

A LRF impôs uma série de limites orçamentários, financeiros e patrimoniais, evidenciados por demonstrativos regulamentados por meio de Portarias da Secretaria do Tesouro – STN, cujo objetivo maior é dar ampla publicidade à gestão dos agentes políticos, atendendo, assim, ao princípio da transparência aos atos da Administração Pública. Mesmo com a complexidade da matéria, a imprensa especializada passou a ser um elo com a sociedade, traduzindo o conteúdo destes demonstrativos numa forma mais inteligível ao cidadão comum.  

A grande inovação desta Lei é a obrigação de manter recursos suficientes para cobrir as obrigações de curto prazo no último ano de mandato, estampado no seu art.42:

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

O grande avanço deste dispositivo se traduz pela introdução do enfoque financeiro no controle das finanças públicas, evitando um problema muito comum que era o de comprometer o Orçamento da Receita do exercício subseqüente, sob o comando de um novo Gestor Público. Antes para assumir a obrigação e efetuar a despesa era necessária apenas a existência de correspondente orçamento, que se lastreava numa expectativa de realização de receita. Por este motivo, os orçamentos eram super estimados e, conseqüentemente, instrumentos inúteis no auxílio da gestão pública. Portanto, há uma grande mudança de paradigma: o controle da execução orçamentária como ferramenta para o alcance do equilíbrio financeiro que passa a ser o objetivo final.

Analisando a prestação de contas do Estado referente ao exercício de 2010, disponível no sítio www.sefaz.ba.gov.br, identifiquei que o Estado da Bahia apresentou uma suficiência de caixa de R$ 1.015.474 mil (p.89), que representa a disponibilidade financeira já descontada as obrigações de curto prazo (depósitos, Serviço da Dívida a pagar e Restos a pagar processados e não processados). Deste valor, a quantia de R$ 269.904 mil refere-se à suficiência de caixa dos Fundos de Previdência dos Servidores Públicos Estaduais (FUNPREV e BAPREV), que se destina exclusivamente ao pagamento de aposentadorias, soldos e pensões. Dessa forma, a disponibilidade líquida de caixa do Estado da Bahia é de R$ 745.570 mil, permitindo que a quitação das obrigações de curto prazo ocorra de imediato, pois são despesas orçadas e contabilizadas no exercício de 2010, dependendo apenas dos seus respectivos pagamentos. Este resultado nos remeteria a conclusão de equilíbrio das finanças do Estado da Bahia.

Entretanto, mal se iniciou a execução orçamentária do exercício de 2011, o  Estado já anunciou o corte de pouco mais de R$ 1 bilhão do orçamento em curso. O que se esperava era justamente o contrário: o reforço do orçamento por superávit financeiro em virtude da suficiência de caixa acima descrita.

Relacionamos abaixo possíveis causas para justificar esta inesperada medida de ajuste fiscal:

a) O montante de R$ 1.725.277 da disponibilidade financeira (bancos e aplicações financeiras, excluindo-se os recursos do FUNPREV e BAPREV) registrado na contabilidade pode não estar consistente com a situação real do caixa do Estado;

b) Como o Sistema de Informações Contábeis e Financeiras do Estado – SICOF não permite a identificação da origem das disponibilidades financeiras, é factível que a supra citada suficiência de caixa seja formada em grande parte por fonte de recursos cuja destinação seja vinculada a determinado tipo de despesa, sem livre aplicação;

c) Necessidade de contingenciamento do orçamento maior do que o valor anunciado, considerando o superávit financeiro do exercício de 2010, que corresponderia à importância de R$ 1,75 bilhão. Este valor de corte do orçamento de 2011 não me parece razoável, pois a arrecadação própria vem crescendo, pelos menos em números absolutos, e a redução de R$ 50 bilhões do orçamento Federal não reduziria neste montante as receitas de transferências voluntárias (convênios) do Estado. Em 2010, a rubrica convênios foi responsável pelo ingresso de aproximadamente R$ 719,34 milhões no cofre do Estado, só para se ter uma idéia do que representa esta receita para a Bahia; e

d) Existência de passivos ocultos, a exemplo da famigerada Despesas de Exercícios Anteriores – DEA, que consiste no reconhecimento e registro de despesas de exercícios encerrados na execução orçamentária do exercício vigente. As DEA pagas no exercício de 2010 alcançaram a cifra de R$ 689.941,65 mil (p.46 da prestação de contas do governo referente ao exercício de 2010, disponível no sítio www.sefaz.ba.gov.br).

O Tribunal de Contas do Estado da Bahia – TCE Ba adotou o procedimento de recompor a Disponibilidade Líquida de Caixa com a inclusão das DEA, conforme pode ser verificado na Tabela 43 da p.97 do Relatório e Parecer Prévio da Contas do Estado referente ao exercício de 2009, disponível no sítio www.tce.ba.gov.br:

 

A adoção desta medida atende ao princípio de que a despesa deve ser reconhecida pelo regime de competência, ou seja, seu registro ocorreria no momento do seu fato gerador, em conformidade com o art. 50, inciso II da LRF:

Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes:

II - a despesa e a assunção de compromisso serão registradas segundo o regime de competência, apurando-se, em caráter complementar, o resultado dos fluxos financeiros pelo regime de caixa;

Na tabela acima, verificamos que a posição referente ao exercício de 2009 não é a definitiva, pois foram consideradas as DEA pagas até 17/05/2010. A partir dos dados extraídos da prestação de Contas do Governo do Estado referente ao exercício de 2010 e com base na metodologia adotada pelo TCE Ba, recalculamos a Disponibilidade de Caixa Líquida do Estado deste exercício que apontou uma substancial redução deste valor, conforme tabela abaixo:

 

 

 

Em que pese a suficiência de caixa de R$ 745.570 mil apurada na prestação de Contas do Governo do Estado referente ao exercício de 2010, descontada a disponibilidade financeira dos Fundos de Previdência dos Servidores Públicos Estaduais (FUNPREV e BAPREV), a expectativa se volta para a apuração definitiva (real) do TCE Ba por se tratar do último ano do mandato do governo do Estado do quadriênio 2007-2010.

 

É bom lembrar que o descumprimento do art. 42 da LRF, incorre no crime tipificado no art.359-C do Decreto-Lei no 2.848, de 1940, incluído pelo art. 2º da Lei Federal nº 10.028, de 2000, que prevê a seguinte pena: reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Vinícius Miranda Morgado,  Vice Diretor de Assuntos Econômicos e Financeiros do IAF

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