A César o que é de César
Renato Aguiar de Assis
Num passado muito, muito distante, ocorreu um episódio surreal registrado pelos anais da história do Fisco baiano, envolvendo o trio de fiscais: Caio, Tício e Mévia. O fato a que me refiro poderia passar desapercebido no quotidiano. Quantos fatos corriqueiros ocorrem diariamente nos postos fiscais do Estado? Muitos, com certeza, mas jamais como o que será revelado a seguir.
Na pequena e pacata cidade de Urandi, na divisa entre dois estados da federação (BA/MG), iniciou-se o 33º plantão fiscal de fronteira para a ilustre equipe capitaneada por Caio, Tício e Mévia, sem falar do corajoso sargento Garcia e do balanceiro (e pau-pra-toda-obra) Semprônio.
No decorrer das atividades fiscalizadoras, o serviço de inteligência da SEFAZ-BA recebeu uma denúncia anônima (0800) de que um sonegador contumaz da região, conhecido por cabra Al Capone, iria transitar pelo Posto Fiscal por volta das 2h da madrugada, do dia 31/dez, carregando consigo 40 toneladas de farinha de trigo sem documento fiscal. Detalhe: o dia e a hora foram escolhidos cirurgicamente, pois a respectiva troca de plantão ocorria exatamente nesse horário (2h) e se tratava de Réveillon (31/dez).
Prontamente, no dia e hora denunciados, a equipe fiscal ficou de tocaia próximo ao temido e prestigiado Posto Fiscal. Era uma noite de verão, com direito a lua cheia. Perto das 2h, um caminhão do Al Capone passou pela barreira fiscal em alta velocidade em direção à cidade de Guanambi. Iniciou-se a perseguição. A famigerada carreta foi interceptada pela fiscalização arretada e levada sob custódia para a sede do posto, bem como a carga foi apreendida mediante o Termo de Apreensão. O sonegador veio com aquele papo "migué" tentando enrolar os fiscais, sem sucessos! Na sequência, o auditor fiscal lavrou o competente Auto de Infração. Todos foram dormir o sono dos justos, tranquilizados pelo dever cumprido. Missão dada, é missão cumprida. A César o que é de César!
Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no “day after” (dia seguinte), a equipe de plantão foi surpreendida com uma liminar judicial que determinava a liberação da carga apreendida no prazo máximo de 24h, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) a ser pago exclusivamente pelo preposto fiscal que descumprisse tal medida. Decisão judicial não se discute, cumpre-se! Foi um "deus nos acuda", pois a multa seria recolhida no CPF do fiscal responsável pela apreensão. Ligação pra cá, pra lá e o prazo expirando...
Oxe! De herói, passou-se a vilão. O agente de tributos ficou aperreado. Coração dispara, a pressão sobe e outros danos colaterais se manifestam. Antes das 24h, a carga foi finalmente liberada sem pagamento do ICMS, nos termos da orientação recebida pelos superiores. E o fiscal pode recuperar a sua paz. Aliás, o posto fiscal (BA/MG) jamais foi rotulado pelos sonegadores de PQQ (pára-quem-quer). Pelo contrário.
Na última noite de plantão, o fiscal Caio teve um sonho arrebatador, a saber: ele se encontrava no futuro, numa galáxia muito, muito distante, onde o dinheiro era digital e cobrava-se a arrecadação de impostos por meio de Blockchain, funcionando como livro contábil ao armazenar todas as operações comerciais e financeiras. Correspondia ao ápice da quarta revolução industrial. Um mundo sem sonegação, mais justo e mais fraterno. Uma utopia!
Qualquer semelhança não é mera coincidência.
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