28/05/2025

A Linha Imaginária do Primo Manué

Após quase um ano de ausência, fora do meu Brasil, e a fim de matar saudade, hoje voltei a me encontrar com o Primo Manué. E para minha própria estupefação, ele estava cheio de filosofia.

Ele disse que sentia como se a vida, atualmente, se estendesse como se fosse uma grande linha traçada no chão — não reta, mas cheia de curvas, como um caracol que percorre o globo terrestre. Uma trilha invisível, porém obrigatória, que todos devem seguir. Ninguém sabe exatamente quem a desenhou, mas quase todos caminham sobre ela, como se não houvesse outro chão.

Ela dá voltas, sobe e desce ladeiras, adianta e atrasa, repete paisagens, contorna ilusões. Às vezes parece avançar, outras, apenas gira em torno de si mesma. E quem se atreve a sair dessa linha — por curiosidade, dúvida ou rebeldia — logo é avisado: “Cuidado, você está fora da rota.” Estar fora é perigoso. É ser invisível. É deixar de fazer parte da caminhada. E ele mesmo se questionava:

E se o verdadeiro risco for estar sobre a linha?

E se o destino não estiver no fim dela, mas fora dela?

E se o caminho não for caminho, mas, labirintos, jaula?

Talvez um dia alguém pare, olhe para o alto, pense, e descubra que a linha é só um desenho no chão. Que há céu acima, horizonte em volta, e mundo onde os pés não tocaram. E que viver, de verdade, talvez comece onde a linha termina.

E eu, este ingênuo que ora vos fala, não soube lhe ajudar: precisou pedir a Manué pelo menos um tempo para pensar...

Manuel, com ar calmo de quem já viu tempo demais, ainda acrescentou:

— Antigamente era a gente quem puxava a linha. Ela não existia antes do passo. A gente é que fazia o risco no chão, costurando o mundo com a coragem dos pés. E a linha ia... pra onde a gente quisesse. Tão longe quanto a gente fosse capaz de puxá-la. Hoje não. Hoje a linha já vem pronta. Esticada. Enrolada. A gente só segue. Se tenta puxar pra outro lado, ela repuxa. Se tenta cortar, sangra. Não tem mais aquele susto bom de não saber onde vai dar! Agora já vem tudo com placa, direção, manual de conduta e certificado de sucesso.

— O pior — disse ele — é que chamam isso de liberdade...

(*) Auditor Fiscal aposentado e escritor. Autor dos livros "Memória e Fantasias - Episódios de uma vida inteira" e "O Último Segredo", disponíveis nas plataformas digitais.

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