Maria Isabel Vitória de Carvalho*
“Não tem vacina para a segunda dose! Quero que você processe a Prefeitura!”
“Se eu atrasar o IPTU um dia, cobram multa; se não pagar, me processam!”
“Sei que uma liminar não garantirá minha vacinação, até porque a data certa já passou, mas a ação vai gerar uma multa e fazer com que essa irresponsabilidade seja contida!”
“Na propaganda, está tudo bem. Estão é gastando dinheiro público!”
“Você não é Advogada?” “Como ficam meus direitos de cidadão?”
Ontem fui bombardeada por estas perguntas de meu irmão, quase 64 anos, pragmático como bom engenheiro que sempre cumpriu e concretizou os trabalhos que lhe foram confiados, com presteza e qualidade.
Me esquivei, argumentando com as diferenças entre o mundo das exatas e a área social, falei das dificuldades que a área da gestão pública enfrenta e, mais ainda agora, na pandemia. Demonstrei o trabalho cuidadoso desenvolvido pela Prefeitura de Salvador, em parceria com o Governo do Estado, para gerenciar a longa crise sanitária, econômica e social em que nos encontramos. Mas, como Administradora, com décadas de vivência na área pública, já esperava a reação dele e de tantos outros que começaram a me enviar mensagens: “não é esta a obrigação dos gestores públicos, atender às necessidades da população?”. Fui dormir com isto na cabeça e lembrando do ditado “o sucesso do passado não garante sucesso no presente”!
Acordei pensando na Inventividade, iniciativa que eu e mais três “futuristas” criamos em plena pandemia, totalmente de forma virtual, para justamente trabalhar pela mudança do paradigma que invisibiliza as pessoas idosas. E percebi que posso até não processar a Prefeitura, mas não posso me calar!
E o que tudo isto tem a ver com a vacina contra COVID-19, com segunda dose sem planejamento adequado, com “O que nos reserva o futuro”?
A população acima de 60 anos está em crescimento acelerado no mundo e mais ainda no Brasil. Daqui a pouco, em 2025, seremos aqui um número maior do que o daqueles até 14 anos. É urgente que a sociedade se atente para esta faixa etária em ampliação e desenvolva estratégias adequadas para lidar com ela.
Uma dica: não existe a pessoa idosa típica. Há pessoas idosas diversas, como diversas são as pessoas ao longo da vida. A condição econômica, o grau de escolaridade, o local e condições de moradia, as condições de saúde, as histórias de vida dessas pessoas diferem e, assim, necessitam de programas e ações também diferentes.
A ONU declarou a década 2021-2030 como Década do Envelhecimento Saudável e tem destacado que o impacto do envelhecimento populacional se dá de forma mais preocupante nos países que ainda conservam grandes desigualdades sociais. Urge adotar políticas públicas que amparem aquelas pessoas que durante toda a vida ficaram marginalizadas socialmente.
Em Salvador, as condições precárias de moradia, o percentual de pessoas idosas analfabetas e analfabetas funcionais, o percentual de pessoas com deficiência, de pessoas idosas que sustentam a família assumem índices desconfortáveis para uma cidade que deseja ser “terra da felicidade”, “cidade-mãe”, “capital da alegria”…
Mas, focando na organização da vacinação para as pessoas idosas, me permitam a sugestão de quebrar à vera a estrutura das caixinhas organizacionais e a Saúde se unir a outras Secretarias, em especial à de Inovação, para que sejam criadas estratégias mais humanas, talvez até realizando um Hackathon (maratona de inovação) virtual; afinal, dados das pessoas é o que mais se tem na atualidade! E aí, “do limão, mais que uma limonada, uma torta”: este seria um laboratório para melhor diagnosticar a população idosa de nossa cidade e assim começarmos a monitorar e entender suas reais necessidades.
Finalizando, quero lembrar que nós, pessoas idosas, temos capital de conhecimentos acumulados, experiência de vida e, em grande parte, disposição para colaborar com a sociedade nos mais variados segmentos. Um programa neste sentido também pode fazer parte da solução. Contem com a Inventividade para cocriarmos uma vida melhor para todas e todos nós!
(*) MARIA ISABEL VITÓRIA DE CARVALHO, 65 anos; Administradora, Advogada; Coordenadora de Grupos Operativos; Mediadora de Conflitos; Membro da Academia Baiana de Ciência da Administração – Cadeira Irmã Dulce; Vice-Diretora de Aposentadorias e Pensões do IAF; Idealizadora da INVENTIVIDADE.
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