Os efeitos negativos da LC 194/2022 na arrecadação do ICMS da Bahia
Tolstoi Seara Nolasco *
Marco Antonio Porto Carmo **
Recentemente o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei (PLP) 18/2022, transformado na Lei Complementar (LC) nº 194, após a sanção do Presidente da República. Texto legal publicado na edição extra do Diário Oficial da União de 23/06/2022.
O referido PLP, agora transformado em Lei Complementar, tramitou rapidamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sob forte argumentação dos seus defensores que afirmaram que a medida possibilitaria a redução nos preços de itens considerados essenciais - combustíveis, gás natural, energia elétrica, transporte público e telecomunicações - através da fixação de um teto máximo de alíquotas do ICMS, em 17% ou 18%, a depender de cada estado.
No entanto, segundo avaliação do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia - IAF, a medida legislativa será inócua ou, no mínimo, insuficiente para resultar em efetivas reduções de preços, sobretudo no setor de combustíveis, visto que as razões efetivas de elevação dos valores da gasolina e do óleo diesel no mercado brasileiro estão diretamente relacionadas à política de preços adotada pela PETROBRAS, fortemente afetada pela cotação do barril do petróleo no mercado internacional e pelas variações cambais do dólar.
Segundo alerta a nota pública da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) – www.febrafite.org.br), publicada em 13.06.2022, data anterior ao último aumento de preços anunciado pela PETROBRAS (5,18% na gasolina e 14,26% no diesel): “Estamos vendo fracassar a tentativa de limitar o ICMS como forma de segurar o preço dos combustíveis. O tributo sobre esses produtos está congelado em todos os estados desde novembro do ano passado. Ainda assim, o preço do óleo diesel subiu de R$ 5,41 para R$ 6,91, em média, segundo dados da ANP. O governo insiste no mesmo erro com o PLP 18”.
Independente das razões que possam ter as diferentes opiniões sobre o assunto, o que se tem de concreto é o elevado impacto negativo dessa medida legislativa nas contas públicas de estados e municípios. A LC 194/2022, promove alterações significativas na estrutura do ICMS, regulado a nível nacional pela Lei Complementar 87/96, podendo representar uma perda de 115 bilhões de reais na arrecadação dos estados, repercutindo também nas finanças dos municípios, segundo estimativa apresentada pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (COMSEFAZ).
A Secretaria da Fazenda do estado da Bahia, em publicação no seu “site”[1], no dia 10.06.2022, informou que as perdas anuais com a arrecadação de ICMS serão da ordem de R$ 5,5 bilhões, impactando em redução de R$ 1,4 bilhão no repasse desse imposto aos municípios baianos.
Diante dessa informação é possível se avaliar, no quadro abaixo, a repercussão financeira da Lei Complementar nos principais municípios da Bahia, considerando que a estimativa de perda de 1,4 bilhão de reais representaria 17,84% do total a ser repassado anualmente, tendo como parâmetro de projeção os valores de ICMS transferidos às prefeituras baianas nos cinco primeiros meses de 2022. Para a devida percepção da gravidade da Lei Complementar, somente a capital baiana poderá ter uma queda de arrecadação da ordem de R$ 156.427.909,62, em doze meses.
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MUNICÍPIO | REPASSE ANUAL | PERDA% | PERDA ESTIMADA 12 MESES | PERDA ESTIMADA MENSAL | PERDA ESTIMADA 2022 (6 MESES) |
SALVADOR | R$ 876.838.058,40 | 17,84% | R$ 156.427.909,62 | R$ 13.035.659,13 | R$ 78.213.954,81 |
SÃO FRANISCO DO CONDE | R$ 633.724.920,31 |
17,84% |
R$ 113.056.525,78 | R$ 9.421.377,15 | R$ 56.528.262,89 |
CAMAÇARI | R$ 575.948.952,10 | 17,84% | R$ 102.749.293,05 | R$ 8.562.441,09 | R$ 51.374.646,53 |
FEIRA DE SANTANA | R$ 320.023.060,20 | 17,84% | R$ 57.092.113,94 | R$ 4.757.676,16 | R$ 28.546.056,97 |
LUIS EDUARDO MAGALHÃES | R$ 202.401.173,71 |
17,84% |
R$ 36.108.369,39 | R$ 3.009.030,78 | R$ 18.054.184,70 |
SIMÕES FILHO | R$ 182.280.306,48 | 17,84% | R$ 32.518.806,68 | R$ 2.709.900,56 | R$ 16.259.403,34 |
VITÓRIA DA CONQUITA | R$ 144.067.185,46 | 17,84% | R$ 25.701.585,89 | R$ 2.141.798,82 | R$ 12.850.792,94 |
BARREIRAS | R$ 132.863.219,21 | 17,84% | R$ 23.702.798,31 | R$ 1.975.233,19 | R$ 11.851.399,15 |
JUAZEIRO | R$ 110.665.013,11 | 17,84% | R$ 19.742.638,34 | R$ 1.645.219,86 | R$ 9.871.319,17 |
ITABUNA | R$ 101.714.917,25 | 17,84% | R$ 18.145.941,24 | R$ 1.512.161,77 | R$ 9.072.970,62 |
MADRE DE DEUS | R$ 94.681.481,09 |
17,84% |
R$ 16.891.176,23 | R$ 1.407.598,02 | R$ 8.445.588,11 |
ILHÉUS | R$ 77.266.339,08 | 17,84% | R$ 13.784.314,89 | R$ 1.148.692,91 | R$ 8.040.850,35 |
Quadro elaborado pela Diretoria de Assuntos Fiscais e Tributários do IAF.
Coluna 2 - projeção para 12 meses com base na média dos repasses dos 05 primeiros meses de 2022 – vide nota de rodapé acima;
Coluna 3 - percentual que representa perda estimada pela SEFAZ/BA de R$ 1,4 bilhão, no total anual de repasse de ICMS aos municípios. Estimativa anual feita com base nos 05 primeiros meses de 2022 de ICMS repassado ao total de municípios baianos – vide nota de rodapé acima;
Coluna 4 = valor da coluna 3 x 17,84%;
Coluna 5 = valor da coluna 4/12;
Coluna 6 (julho à dezembro de 2022) = valor da coluna 5 x 6
Cumpre ainda destacar que o chefe do Poder Executivo Federal ao sancionar a LC 194 vetou dispositivos aprovados pelo Congresso Nacional que previam compensação financeira pela União, até 31/12/2022, para os estados e o Distrito Federal em razão da perda de arrecadação do ICMS.
Também foi objeto de veto um ponto incluído por senadores e deputados, através de emenda, que protegia recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e as receitas vinculadas às ações e aos serviços de saúde. De acordo com a emenda aprovada no Congresso, a União deveria transferir dinheiro suficiente para que os estados atingissem os percentuais mínimos exigidos para as áreas de educação e saúde, visto que o ICMS é a principal fonte de financiamento para essas despesas.
Os vetos precisam ser apreciados em sessão conjunta do Congresso Nacional em 30 dias. Caso os vetos presidenciais não sejam rejeitados todos os efeitos decorrentes da perda de arrecadação do ICMS e o comprometimento dos serviços públicos de educação e saúde já serão sentidos no decorrer do exercício financeiro de 2022. Já os reflexos da medida legislativa serão duradouros e danosos nos próximos anos.
Adota-se com a aprovação da LC 194/2022 uma solução incorreta, que modifica toda a estrutura do principal imposto estadual, com sérias repercussões nas finanças estaduais e municipais, visando resolver um problema eminentemente de ordem conjuntural – a elevação dos preços dos combustíveis causado por fatores de origem externa.
Todo esse cenário está posto para o exercício financeiro em curso. Portanto, durante execução orçamentária já em curso, haverá implicações para as despesas empenhadas, muitas delas já executadas, com as correspondentes liquidações, gerando obrigações a serem pagas pelos estados e municípios. Seria o mesmo que impor a uma família uma drástica redução em suas receitas e, ao mesmo tempo, manter as obrigações de pagamento das suas despesas mensais correntes, a exemplo dos gastos com alimentos, remédios, contas de luz, água, aluguel, mensalidades escolares etc.
Conforme destacamos linha acima o comprometimento que a medida legislativa acarretará às receitas estaduais e municipais repercutirá inevitavelmente na prestação de serviços públicos essenciais à população, em especial para os segmentos mais carentes da sociedade. Os mais atingidos serão aqueles que mais necessitam do Poder Público no atendimento aos serviços de saúde, educação e segurança. Essas atividades serão fortemente afetadas, gerando uma crise fiscal sem precedentes na República Federativa do Brasil.
* Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia
Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia – IAF
** Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia
Vice-Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia – IAF
[1] http://www.sefaz.ba.gov.br/administracao/contas/repasse/2019/val22mai.pdf
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