01/08/2013

Inflação reduz mais a renda disponível no Nordeste

Raquel Salgado e Samantha Maia, do Valor Econômico

A recente alta da inflação - impulsionada pelo encarecimento dos alimentos - tem atingido com mais força a renda dos consumidores nordestinos. Das cinco maiores altas no valor da cesta básica apuradas nos últimos 12 meses (até junho), quatro aconteceram no Nordeste, e superaram os 40%. Como no Nordeste os alimentos pesam mais na cesta de consumo, a renda disponível para outros gastos está menor e já afeta negativamente as vendas do varejo.

Um morador de Salvador gasta hoje R$ 33,90 a mais com alimentação do que gastava em maio do ano passado e com isso 24,5% do seu orçamento (de R$ 833,90) está comprometido com essa despesa. Em 2007, a parcela era de 22,6%. Em Recife, gasta-se hoje R$ 29,87 a mais com alimentos. Esses números foram obtidos através do cruzamento do rendimento médio nominal dos trabalhadores e do peso que o item alimentos e bebidas tem no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Para a média das cidades brasileiras, o aumento nos gastos com alimentos e bebidas foi de R$ 36,15 na comparação entre maio de 2007 e 2008 - e essa despesa passou a representar 22% do orçamento doméstico, três pontos a menos que na média do Nordeste. Apesar de ser um valor mais alto do que nas duas capitais nordestinas, seu impacto sobre a renda total é menos intenso porque o rendimento médio das duas cidades é bem menor do que a média do país. Em maio, a renda média em Recife e em Salvador estava, respectivamente em R$ 833,90 e R$ 977,40, e era de R$ 1208,30 no Brasil.

Entre janeiro e maio deste ano, os alimentos ficaram 10% mais caros em Recife e em Salvador. Para o conjunto do país, a alta nesses itens foi de 8,64%, segundo informações regionais do IPCA. Sergio Vale, economista da MB Associados, explica que o preço dos alimentos sobe com mais intensidade no Nordeste devido a fatores como o maior custo do transporte das regiões produtoras até esses Estados e ao aumento de renda proporcionado pelos reajustes no salário mínimo e pelo Bolsa Família. "Com mais dinheiro, a demanda está aquecida, o que facilita o reajuste de preços", diz Vale.

"O problema da inflação de alimentos é mundial. Mas no Brasil ela preocupa mais no Nordeste por conta da representatividade do item nos gastos das famílias", diz Fábio Silveira, economista sócio da RC Consultores.

Impactada pelo maior endividamento e comprometimento da renda do consumidor com a comida, a Le Biscuit, rede que oferece brinquedos, utensílios domésticos e de decoração em Salvador e Aracaju, teve um segundo trimestre menos vigoroso. Segundo Álvaro Sant'Anna, diretor-presidente da empresa, entre abril e junho deste ano as vendas da rede cresceram 8% em relação a igual período do ano passado. Nos três primeiros meses de 2008, o crescimento havia sido maior, de 13%.

Embora a Le Biscuit tenha mostrado resultados melhores do que os de 2007 e não vislumbre um cenário negativo, quer evitar impactos maiores com a retração na renda. A rede investirá mais em marketing e antecipará promoções. "A liquidação que começaria no final de agosto será antecipada para o início do mês. Vamos antecipar a campanha do Dia das Crianças e gastar um pouco mais em publicidade", ressalta Sant'Anna.

A pressão inflacionária também se refletiu no desempenho dos hiper e supermercados. Na Bahia, entre janeiro e maio, o volume de vendas desse segmento, segundo números mais recentes do IBGE, cresceu apenas 0,2%. No Brasil todo, a alta ficou bem maior: 6,8%.

Os números, muito aquém dos verificados para a média do país, contrastam com os resultados dos últimos anos, quando o varejo no Estado apresentou ritmo de crescimento mais forte do que no Brasil. "A queda nas vendas tem relação direta com a alta dos preços", diz Fábio Romão, economista da LCA Consultores, que alerta que a inflação na região também afeta a capacidade de negociação de ganhos reais dos trabalhadores nos reajustes salariais. A renda real média no país cresceu 1,5% nos 12 meses até maio de 2008, enquanto em Salvador o ganho foi apenas de 0,7%, e em Recife ela caiu 1%.

"Quase 40% das pessoas ocupadas na Bahia, por exemplo, recebem até um salário mínimo. E o que está subindo é o preço de alimentos básicos como arroz e feijão. As pessoas buscam alternativas, fazem trocas, mas chegou um momento em que é preciso também cortar itens e comprar menos", ressalta Ana Georgina Dias, supervisora técnica do escritório regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) na Bahia.

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