IAF entrevista Tertuliano Estevão de Pinho Almeida
Continuando a série de entrevistas com associados, neste mês nossa homenagem é para Tertuliano Estevão de Pinho Almeida.
Nos conte um pouco da sua história. Onde você nasceu?
Eu vim de algumas cidades do interior. Nasci em Jacobina, mas foi em Mundo Novo que vivi a primeira parte da minha infância, e depois fui para Feira de Santana. Minha mãe, como professora, queria que tivéssemos um estudo melhor. Meu avô materno tinha alguma posse, se desfez de uma propriedade na cidade de Jacobina e aí viemos para Salvador. Meus valores pessoais, tudo o que eu sei, sempre foi da base de meus avós maternos, pessoas íntegras demais.
Como eram os nomes dos seus pais?
Carolina Vilaronga de Pinho Almeida e José Carlos de Almeida. Meu pai era de Mundo Novo. Os Almeida de Mundo Novo eram uns bacanas, poderosos lá, mas meu avô paterno gostava mesmo era de farrear.
Você estudou em Feira de Santana?
Inicialmente em Mundo Novo, depois em Feira de Santana. Eu só estou conversando com vocês hoje aqui porque minha avó materna soube que não tinha médico em Mundo Novo e mandou meu tio nos apanhar lá. Explico: eu nasci em dezembro de 1952 – o parto foi a fórceps, complicado. Eu estava parrudo, pesado demais, quase cinco quilos. Fiquei mais ou menos um mês em Jacobina, mas como minha mãe era professora nomeada em Mundo Novo, voltamos pra lá em janeiro de 1953. Ficamos em Mundo Novo até meados de 1959. Àquela altura meu pai tinha perdido o rumo da vida, por causa de umas confusões que andou arrumando lá. Perdeu o prumo. Aí minha avó (sempre minha avó!) Conceição mandou buscar minha mãe. Éramos três e minha mãe com barrigão de minha irmã caçula. No começo de 1959 fomos para Feira de Santana passar um tempo com meu avô – ele tinha saído de Jacobina e ido pra lá, onde comprou uma fazenda. Eu posso dizer que cresci naquela fazenda em Feira de Santana, ajudando o velho. Mas havia uma questão: tinha terminado a licença maternidade de minha mãe, do nascimento de minha irmã caçula, e ela não conseguiu ser transferida para Feira, sendo transferida para Santo Estevão. Aí foi o período mais crítico da nossa vida porque o estado atrasava demais, por meses, o pagamento dos professores. Meu pai aparecia “de caju em caju” e era mais desassossego que qualquer outra coisa. Em Santo Estevão não foi fácil, mas em algum lugar alguém gosta muito de mim, porque quando minha mãe decidiu me batizar, ela escolheu meu avô, o pai dela, e minha avó, a madrasta dela. O velho me deu uma bezerra de batizado, e a bezerra cresceu, virou vaca. Só paria fêmea e as filhas só pariam fêmeas. Aí meu avô brincava que ia trocar o presente senão eu ia virar dono da fazenda.
Mas voltando a Santo Estevão, foi um perrengue “brabo”. Minha mãe sempre foi uma boa costureira e tinha uma boa freguesia em Mundo Novo, mas não tinha freguesia lá. Eu não sei se vocês já comeram pirão de cachorro. Eu já. É a última fase da miséria humana, posso dizer. Água, farinha e se muito tivesse, um salzinho. No dia que a gente comia isso minha mãe saía do orgulho, ia em Feira de Santana e pedia para meu avô vender umas cabeças de gado. E a partir daí ela saiu daquela coisa toda. Meu avô nos acolheu na casa grande que ele tinha. Eram dois pavimentos, ele nos deu a casa embaixo e ficava em cima. Feira de Santana foi muito legal, mas a velha sempre de olho nos estudos. Nós fomos bons alunos. Estudei no Colégio Estadual de Feira de Santana, e fui pra Salvador em 1968.
Eu tinha uma tia, irmã de minha mãe, que era casada com um promotor, e um dos meus primos, o filho dela Fernandinho, trabalhava no IAPSEB, na Rua Chile. Então minha mãe pediu pra ele arranjar um emprego para meu irmão, que andou fazendo umas traquinagens e acabou voltando para Feira de Santana. Eu tinha terminado o curso ginasial, estava em Salvador de folga (tinha vindo de carona com uma tia), e Fernandinho avisou que saiu o emprego do meu irmão. Mas a gente não tinha telefone. Eu estava dormindo na casa de minha outra tia, Naná, e de lá fui pra rodoviária comprar a passagem para Feira de Santana. Assim que eu cheguei fui dizendo que o emprego de Zé Carlos (meu irmão) saiu. Minha mãe mandou ele arrumar as coisas para ir logo para Salvador, e então ele disse que não sabia se queria esse emprego. Com isso, minha mãe me perguntou se eu queria, eu disse que sim, e ela resolveu que quem iria era eu. Às nove horas eu já estava no ônibus, às onze eu já estava saltando na rodoviária velha, ali na Sete Portas, subi para o Matatu – eu tinha feito 15 anos. Quando eu cheguei, meu primo que pegava o trabalho pela tarde, logo perguntou por meu irmão. Eu fiz um charminho e ele disse que então era eu quem iria assumir o emprego. Às treze horas eu estava entrando no IAPSEB na Praça Castro Alves. Comecei a trabalhar às treze horas do dia 16 de fevereiro de 1968 e nunca mais parei de ser feliz na minha vida.
Como foi que você chegou a Auditor Fiscal?
Eu passei por um bocado de lugar, mas normalmente o meu patrão foi sempre o governo. Uma das melhores experiências da minha vida foi na Prefeitura, quando eu fui Diretor de Arrecadação. Lá, consegui fazer um trabalho de muito orgulho pra mim: eu lancei, em nível de Brasil, uma tabela que atualizava as contas.
Vou contar brevemente: me dava uma verdadeira angústia quando eu estava na Prefeitura e via que as pessoas sofriam para pagar um tributo municipal. Aquilo me angustiava mesmo. Havia uma proposta de colocar duas pessoas nas 14 agências do Banco Econômico, e a gente tinha que dar tudo. A carteira era por nossa conta, tudo na nossa conta. Aquele processo foi cutucando meu juízo e um dia eu chamei um cara lá, excelente em matemática, para sugerir uma facilitação do processo, mas ele disse que seria algo muito difícil. Só que eu tenho uma doença triste: não me desafie porque eu vou virar mundos e fundos para vencer esse desafio. E eu possuía uma calculadora que tinha 99 passos de programação. Aí, no resumo da história, as centenas de pessoas que iam para o Banco deixaram de ir porque eu criei uma tabela que tinha um coeficiente que atualizava a correção monetária, multa e juros. Ninguém mais ia lá para atualizar débito. Ia direto ao caixa, porque todos os caixas já tinham uma tabelinha. Daí a arrecadação começou a subir.
Além disso, precisamos corrigir as denúncias que tinham de tudo o que era lado a respeito de cálculos de IPTU quando alguém ia comprar um imóvel. Então chamei o Secretário da Fazenda e fomos procurar o presidente do Tribunal de Justiça. Aí expliquei tudo e sugeri que passasse uma circular obrigando todos os tabelionatos e cartórios a só procederem uma escritura mediante uma certidão de quitação de IPTU. Eu fui em frente, fui ameaçado de morte, mas segui em frente porque eu sou doido. Na sequência, fomos melhorando os processos.
Foi aí que teve um concurso para analista organizacional na PRODEB – eu fiz e consegui a vaga. Fiquei lá e a minha cabeça funcionava da seguinte forma: “o Estado é o melhor prestador de serviço que existe para o cidadão”. Eu brigava com o pessoal para que o Estado pudesse prestar o serviço pela PRODEB. E eu entendi que o nosso patrão era o cidadão da Bahia e que só faríamos um bom serviço se entendêssemos o que o cidadão esperava. E aquilo começou a acontecer e eu procurei fazer um trabalho realmente de um gestor, um gerente comercial. Eu estava como celetista com uma bagagem de anos de trabalho, e pensando em pendurar a chuteira.
E então abriu o concurso público para auditoria fiscal da Sefaz/Ba. Resolvi encarar: eu trabalhava de manhã e de tarde, e estudava à noite. Passei no concurso, mas lá na Secretaria da Fazenda meu forte nunca foi fiscalização, meu forte sempre foi gestão e tive oportunidade de atuar na área desde o início. Ainda na PRODEB, eu havia conhecido Albérico Mascarenhas, ex-secretário da Fazenda. Quando ele viu meu nome na lista dos aprovados para lotação em Itamaraju, me perguntou se eu tinha certeza que queria ir pra lá e lembro que respondi: “Só se você quiser que eu vá!”. Aí ele disse que estava me convidando para ser seu assessor organizacional na ASPLAN e eu aceitei.
O que mais te orgulha nesse período que você passou na SEFAZ?
As ferramentas que eu criei, especialmente as de controle. A primeira grande ferramenta que criei foi na época do Projeto “Sua nota é um show”. A Secretaria da Fazenda estava sendo desmoralizada na praça por nome sujo, por calote dado a rádios e televisão, e tudo mais. Quando eu percebi essa coisa destrutiva, propus criar uma ferramenta de controle que era um gerenciador de mídia. Daí cadastramos todos os processos de pagamento (do nascedouro da peça publicitária, por exemplo, até o pagamento). Isso me deu muito orgulho porque conseguimos tirar a Secretaria de vários processos - o nome da Sefaz estava sendo enviado para cartórios de protesto e, com essa ferramenta de controle, o cenário foi mudado completamente. Os problemas com pagamentos de prestadores de serviço acabaram ali.
Quando você se aposentou, como foi?
Eu fui para o município de Piatã antes de me aposentar. Mas para ficar lá eu dei sorte. O inspetor de Seabra fez uma convocação para quem quisesse trabalhar lá, que tinha vaga, e eu fui. Tinha terminado minha casa em Piatã, então ir trabalhar em Seabra foi perfeito pra mim (são apenas 115 km de distância). Fui me aposentar quase 2 anos depois e essa ficha de estar na inatividade nunca caiu, porque eu não paro de trabalhar. Eu só mudei de atividade. E meu pai de criação, que foi meu avô, morreu com 102 anos de idade e trabalhou até 90 anos.
Nós somos como a árvore. Precisamos nos renovar todos os dias. Tem que ter um tronco bom e as nossas folhas, os nossos pequenos galhos, são a nossa cabeça. Se a nossa cabeça não estiver sendo renovada, sendo motivada todos os dias, nós vamos ter problemas e eu morro de medo disso. Eu só quero estar aqui na vida enquanto for útil.
Você disse que só mudou de atividade, mas todo mundo tem que ter uma hora de lazer. O que você faz nessa hora?
Trabalho. Mas trabalho de curtição. Eu posso dizer a você que, ousado como sou, posso tirar uma casa do chão e colocar lá em cima. Eu peguei uma casa de madeira que tinha sido de uma tia em Itacimirim, uma casa de 60m², desmanchei toda e botei no jardim da minha casa em Itacimirim. Seis meses depois coloquei em cima de um bitrem; e de uma casa de 60m² foi construída uma outra com 365m², com a mesma madeira! Eu redesenhei a casa e criei todo o projeto. Só tirei a madeira e coloquei pedra. E eu tô a caminho de fazer isso pela segunda vez. Nós precisamos ser desafiados diariamente.
Você considera que isso foi um hobby que você descobriu ou você já tinha isso?
Eu tinha uma preocupação do que fazer após minha obrigação profissional. Mas eu descobri que era um prazer muito grande pra mim quando eu estava envolvido com isso.
Você consegue me dizer como é essa vida pós inatividade?
Eu sou um homem feliz e agradecido. Eu me emociono porque eu sou muito grato por tudo o que eu recebi na vida.
Nesses dois últimos anos, com a pandemia, como você passou este período?
Extremamente irritado com o que foi feito e as milhares de mortes que aconteceram por conta da irresponsabilidade política. Eu peço desculpa aqui, vou colocar um posicionamento. Eu fui criado na roça, como a grande maioria, e um dos primeiros aprendizados que temos é uma coisa chamada tratamento precoce. Eu nunca vi tanto absurdo quanto esse: rejeitar o que está inerente de forma tão forte em nossa cultura. Tive uma preocupação muito grande. Levei tanto meus sogros, que eram nonagenários, quanto meu tio, também nonagenário, para minha casa em Itacimirim. Tomei os cuidados que foram necessários, respeitei as regras impostas porque vivo dentro de um contexto social. Agora, pense numa pessoa triste com a maneira como essa coisa foi tratada! É este caboclo aqui. Eu fiquei extremamente triste com o descaso com que foi feito com as vidas humanas. Particularmente, tomei as vacinas? Tomei. Por que eu queria? Não! Tomei por uma questão de contexto social. Nunca confiei nessas vacinas. Agora, minha ivermectina nunca deixei de tomar. Toda segunda terça-feira de cada mês, às 17h, meus quatro comprimidos de ivermectina eu jogava pra dentro. Estava pesando 96 kg, ficava quietinho, na sexta-feira caía na gandaia. Tudo muito bem. Não tive nada, passei com a saúde espetacular. Meus sogros não tiveram nada, tive o cuidado de tirá-los de Salvador, meu tio não teve nada também. Ironicamente, esse meu tio (que eu cuidava e hoje é falecido) veio a ter Covid um mês depois de internado em uma instituição muito cuidadosa. A manifestação da doença levou só uma semana – isso porque o pessoal perguntou: “O que é que faz?”, eu disse: “Ivermectina, azitromicina, tá certo? Sem faltar nada”, e Tylenol sinus. O doutor dele? Eu. Em cinco dias meu tio estava 99% recuperado. E o que se fez nesse país foi monstruoso, gente. Monstruoso! Como é que um ser humano, como essas pessoas têm coragem de fazer o que fizeram? “Não tem comprovação científica”? Rapaz, quando foi que chá teve comprovação científica? Quando foi que gemada teve comprovação científica? Quando foi que xixi teve comprovação científica para curar cansanção quando lhe pegava? Quando foi que xixi teve comprovação científica para tirar água do ouvido quando você mergulhava nos tanques? Por conta de questões sociais, inclusive familiares, eu tomei as três doses, mas avisei: “A quarta eu não tomo”. E digo mais: na terceira dose eu saí, peguei o carimbo, entrei no bar, tomei umas quatro cachaças, umas cinco cervejas e fui embora.
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