05/06/2023

IAF entrevista Lídio de Souza Teles

 

Auditor Fiscal aposentado, filho do "professor" Martins Teles e de D. Joana Rosa de Jesus, e o 3º da escadinha, como era de praxe nas famílias, especialmente campesinas do interior nordestino até um passado recente, Lidio Teles é um dos entrevistados deste mês.

 

IAF: Conte-nos um pouco da sua história: onde você nasceu?

Lídio: modéstia à parte, acho que sou o cara que tinha tudo pra não ser nada, mas consegui tornar-me um Auditor Fiscal do Estado da Bahia, concursado, com muito orgulho.

Nasci em uma casinha "de sopapo”, sem reboco, na zona rural, cercada de mata por todos os lados, com uma densidade demográfica de uma família por cada 4 ou 5 quilômetros quadrados, que nem nome tinha, e que a fim de se localizar, um "mata mosquito" qualquer um dia pôs o nome da localidade de "Rio do Braço" devido à existência de um rio com este nome que passa ali perto, e por este ficou conhecida. O "professor" Martins Teles tinha apenas o Curso Primário, conseguido após seus 25 anos, frequentando por conta própria a única escola existente a 10 km de distância de onde ele morava. (Conto a história completa da família no romance autobiográfico "Memórias e Fantasias - Episódios de uma vida inteira" de nossa autoria, à venda no Brasil, Portugal, Angola e Cabo Verde, e em praticamente todos os sites).

IAF: Como foi a sua formação? (fale sobre o primário, secundário, superior, pós-graduação)

Lídio: Após ser alfabetizado pelo professor Martins Teles, em casa mesmo, como o foram todos os demais irmãos que vieram antes e depois de mim, entre os 8 e 11 anos de idade, numa atitude de desengano/desespero com a sorte de agricultor, e num igualmente de aventura/loucura, vim parar nesta capital para ser monge beneditino, com votos de pobreza, obediência e castidade, onde só consegui ficar por 6 anos. (Mata-me logo que é melhor! Risos).

Naquele cenóbio (convento) voltei a estudar já com 22 anos, e ali com professores particulares contratados pelos padres, fiz Primário e  Ginásio juntos (Curso Madureira, Artigo 99, como o chamavam). Tivemos aulas por três anos, em seguida prestamos exame no Colégio Central da Bahia quando então fomos aprovados, concluindo aquela "sub-primeira" etapa.

Em seguida cursamos o Colegial, seriado, nos três anos normais, no Colégio Severino Vieira, à noite. Até o 2º ano Colegial eu ainda era seminarista beneditino.  Passei em meu 1º vestibular na Universidade Católica do Salvador (Ucsal), mas o padre não me deixou cursar a faculdade porque eu também trabalhava como Encarregado de Pessoal para a Ordem.

A faculdade seria pela tarde e o trabalho era o dia todo. Perdi aquele ano.  Após começar a cursar "Análise de Sistemas" à noite e me desiludir do curso, voltei a prestar outro vestibular para a mesma Ucsal, e cursei na raça, mesmo sendo ameaçado de demissão pelo padre durante os seis meses cujas aulas se davam à tarde.

No meio do curso de Administração, louco pra me desligar do São Bento, prestei três concursos: Agente Secreto do Exército; Agente de Tributos Estaduais, da Sefaz/BA; e Banco Nacional de Habitação (BNH). Dei sorte de passar nos três. Porém, o do Exército tinha de cursar Academia de Polícia, em Brasília; o de Agente de Tributos Estaduais era pra trabalhar no interior do Estado, na modalidade de plantões 24 horas. Assim, optei pelo BNH que era em Salvador e eu podia concluir a faculdade, onde colei grau de Bacharel em Administração aos 36 anos de idade. Sem contar que na ocasião minha noiva morava e trabalhava nessa cidade, maior razão, talvez, para minha opção pelo banco.

Trabalhei no BNH por seis anos, como Investigador de Cadastro. Após esse intervalo o banco foi incorporado pela Caixa Econômica Federal, quando então surgiram os concursos da Sefaz/BA para Analista Administrativo, Analista Financeiro e Auditor Fiscal. Como eu não gostaria de ficar na Caixa, precisava "passar ou passar". Assim, fiz o concurso apenas para Analista Administrativo que julguei ser o de minha formação acadêmica.  Fiz para a Cidade de Jacobina, para onde fui aprovado em 1º lugar. Grande sorte! Fui convocado de imediato me livrando com isso de ir trabalhar na Caixa, o que não gostaria.

IAF: Como foi que você chegou ao cargo de Auditor Fiscal?

Lídio: Com a chegada do governador Waldir Pires ao governo e sua pretensa reestruturação da Sefaz em três Superintendências Regionais (Norte, Sul e Metropolitana), os analistas foram mandados para as respectivas supostas novas superintendências, cuja mudança nunca se concretizara, ficando esses profissionais perambulando pelas respectivas inspetorias, sempre tentando vir embora, com mil e um problemas com os respectivos inspetores já que estavam querendo designá-los pra desenvolver qualquer atividade em que necessitavam de funcionários, uma vez que aquelas para as quais foram os analistas concursados não foram deslocadas para as prometidas Superintendências regionais. Nesse ínterim a própria Administração resolvera transformar os dois cargos de analistas em um único: de Auditor Fiscal, já que em todos os lugares havia necessidade destes profissionais.

IAF: Quais as suas experiências no cargo de Auditor Fiscal?

Lídio: Como Auditor Fiscal minhas primeiras atividades foram na fiscalização de mercadorias em trânsito, nas regiões de Jacobina e Irecê, fiscalizando basicamente a comercialização das safras de feijão, lotado em postos fiscais ou em volantes pelas áreas produtoras e armazenadoras do cereal, dentre outros produtos. Depois de um curto período, já que sempre residi na capital, solicitei que me deslocassem para a fiscalização de estabelecimentos, onde tive a oportunidade de fiscalizar também alguns estabelecimentos industriais: madeireira, torrefadoras de café e de beneficiamento de mamona e fazendas de gado.

Posteriormente fui transferido para a antiga Delegacia de Fiscalização de Mercadorias em Trânsito (DFMT) encarregada de controlar os postos fiscais de fronteiras do Estado da Bahia, onde trabalhei por 20 anos. Nos últimos 5 anos, no entanto, desenvolvi atividades em Inspetoria da região metropolitana, naturalmente durante o dia, de segunda a sexta, e à noite aproveitei e fiz uma pós-graduação em Direito Tributário e Planejamento, passando a trabalhar como "julgador" das atividades dos Agentes de Tributos Estaduais, apenas no tocante às Notificações Fiscais da área metropolitana, cuja competência era do inspetor da mesma. Como o Inspetor não dispunha de tempo, o Auditor Fiscal fazia todo o trabalho, inclusive sua ementa (veredito: decisão final), colocava como opinativo e o titular da Inspetoria, em seguindo o entendimento do "opinante", simplesmente apunha sua assinatura. Na hipótese de não o acompanhar, ou discordar do parecer (no caso deste, nunca o ocorreu), refazia tão somente o documento com sua decisão final, que já ia pronta e anexada ao opinativo deste relator.

Além dessa atividade, o processamento e "julgamento" de todas as cobranças de Taxas Judiciais, bem como as originárias do cumprimento do Poder de Polícia do Estado em toda a área da região metropolitana era também feita por mim na mesma modalidade, ou seja, tudo em nome do inspetor que era o detentor da obrigação e competência legal para a atividade.

IAF: Como foi a conciliação entre a vida de homem, pai, esposo, avô e Auditor Fiscal? Enfrentou muitos desafios na múltipla jornada?

Lídio: No nosso caso, encarei tudo como normal, sem traumas, sem dificuldades, uma vez que sempre desempenhei tais atividades e obrigações ao mesmo tempo...

IAF: O que mais te orgulha no período que você passou na Sefaz?

Lídio: Em primeiro lugar, sempre tive perfeita consciência da importância, da responsabilidade e do alcance de meus atos como Auditor Fiscal do Estado, considerando que um dia me encontrava como cobrador de imposto, no outro, como contribuinte. Por isso nunca fiz a estes o que não gostaria que me fosse feito. Chegar ao cargo de Auditor Fiscal era um sonho, e honrá-lo, um dever! Uma obrigação! Observados esses pressupostos, a oportunidade de bem servir ao estado para que ele pudesse se desincumbir de suas obrigações, aliadas à boa remuneração que o cargo proporcionava, tudo mais era só alegria.

IAF: Quando você se aposentou, como foi a adaptação à nova realidade?

Lídio: Confesso que a encarei com a maior naturalidade, pois  já a esperava até com certa ansiedade.  Com certeza este era um sonho que acalentava desde que comecei a trabalhar aos sete anos de idade na agricultura com o velho Teles. Eu até costumava brincar quando me aconselhavam a não me aposentar: "Você está muito novo pra se aposentar agora", diziam. E eu lhes respondia, naturalmente em tom de brincadeira: não diga isso, meu amigo. Eu gostaria de ter nascido aposentado; ainda pretendo aproveitar o intervalo entre meus sete e vinte anos, que não brinquei; não curti; só fazia trabalhar. Risos.

IAF: Você se tornou um “inativo” ou se dedica a outras atividades?

Lídio: Acho que nunca me tornarei ou me sentirei inativo. Sempre gostei e gosto de tanta coisa, que tempo eu tivesse para fazer pelo menos a metade do que gostaria de fazer!

Adoro a vida do campo; gosto de plantar, colher, de nadar,  andar, correr, subir em árvores pra colher frutos (um desafio, um passa tempo), gosto de desbravar matas, de curtir a natureza e com ela interagir: observar a flora, a fauna, as nascentes, cursos d'água, o desabrochar das folhas, das flores, o desenvolver dos frutos. Meu último hobby tem sido escrever crônicas que venho publicando no site do IAF e no site GN News Revista (gnnews.com.br), pra ficar por aqui.

Tenho 76 anos de idade; me aposentei com 72; 54 de serviço e de contribuição previdenciária, mas só quero viver enquanto gozar de boa saúde e razoável mobilidade, podendo mais servir que ser servido!

IAF: Nesses dois últimos anos de pandemia como você passou esse período?

Lídio: Pra falar a verdade, nunca me preocupei muito com essa febre, alimentada e curtida pela mídia. Tomei os cuidados recomendados como manda a prudência em quaisquer circunstâncias do gênero, sem psicose.

IAF: Como você passou esses dois últimos anos?

Lídio: Bem, com algumas restrições. Naturalmente, mas vivendo a vida como ela é, como se pode, e o quanto possível, sem estresse.

IAF: O que você gostaria de dizer que não lhe foi perguntado?

Lídio: Acho que tá de bom tamanho (Se quiserem saber mais sobre a vida do entrevistado, leiam a obra supracitada, à venda na Amazon, em 3 modalidades. Risos).

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