01/08/2013

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

"Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIX, CF/88)

Renato Aguiar de Assis (*)

1 INTRODUÇÃO

Os crimes contra a Ordem Tributária encontram-se disciplinados na Lei 8.137/90, que revogou tacitamente a antiga lei dos crimes de Sonegação Fiscal (Lei 4.729/65). Esta lei também definiu os delitos contra a Ordem Econômica e as relações de Consumo. O Código Penal brasileiro prevê tão-somente o delito de Descaminho (art. 334, do CP) e, excepcionalmente, as figuras do Estelionato (art. 171, CP) e da Falsidade (art. 297, do CP) cominadas nas hipóteses de sonegação fiscal.
Os delitos contra a Ordem Tributária representam um dos temas jurídicos bastante complexos da atualidade. A doutrina apresenta total divergência sobre o assunto, uns defendendo a tese do prévio exaurimento da via administrativa (tributaristas) enquanto outros a rejeitam (MP, fisco). Já a jurisprudência, a seu turno, é vacilante quanto à matéria. Neste cenário, examinaremos as diversas implicações destes crimes no ordenamento jurídico nacional (pagamento do débito fiscal, parcelamento...), mormente na seara fiscal, expondo, inclusive, determinados pontos de vista estritamente pessoais.

2 ELISÃO FISCAL E FIGURAS AFINS

Inicialmente, antes de aprofundarmos no estudo da lei em si, faz-se necessária uma compreensão dos seguintes termos tributários: elisão fiscal, evasão, fraude e conluio.
Elisão fiscal ou economia fiscal ou, ainda, planejamento tributário constitui no mecanismo jurídico legal que possibilita ao contribuinte suportar um encargo tributário mínimo (aproveitando-se das brechas da lei), ao realizar uma operação tributável da forma mais favorável possível para o contribuinte, sem violar o ordenamento jurídico nacional. Cogita-se de um estudo multidisciplinar que envolve diversos profissionais (advogados, contadores, economistas e administradores) com vistas a amenizar o ônus tributário. Em regra, o planejamento tributário sobrevém antes da ocorrência do fato gerador o tributo. Todavia, há casos de intervenções legítimas mesmo após da ocorrência do fato gerador (defesas administrativas, compensação fiscal, mandado de segurança, ação anulatória de cobrança, ação declaratória de inexigibilidade de débitos fiscais, dentre outras). É notório que todo contribuinte empreende esforços para minimizar os custos empresariais (inclui o passivo fiscal) e maximizar os lucros (desoneração ou transferência do ônus tributário), portanto, trata-se de conduta lícita e legítima, em homenagem ao Princípio da Capacidade Tributária (art. 145, III, § 1º, CF). Cumpre registrar que, de acordo com o art. 116, do Código Tributário Nacional-CTN (com a nova redação dada pela LC 104/2001), o Fisco está autorizado a desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária (norma anti-elisão).
Evasão fiscal, ao contrário da elisão, corresponde à conduta ilícita fiscal, após a ocorrência do fato gerador, que infringe a norma tributária, com vistas a ocultar ou reduzir o recolhimento da obrigação tributária. O sonegador irá responder pelo crime contra a Ordem Tributária (Lei 8.137/90).
Note-se, ainda, que o Decreto 4.544/02, que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do IPI, define as demais condutas:

Sonegação
Art. 480. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária (Lei 4.502, de 1964, art. 71):
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais (Lei 4.502, de 1964, art. 71, inciso I); e
II - das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente (Lei 4.502, de 1964, art. 71, inciso II).

Fraude
Art. 481. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento (Lei 4.502, de 1964, art. 72).

Conluio
Art. 482. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos arts. 480 e 481 (Lei 4.502, de 1964, art. 73). Por expressa disposição legal, é vedada a aplicação da anistia nos casos de infrações cometidas resultantes de conluio (art. 180, II, CTN).

3 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL v. DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

Ilícito fiscal é o gênero que se desdobra em duas espécies jurídicas: Direito Tributário (Direito Tributário Penal) e Direito Penal (Direito Penal Tributário).

Direito Tributário Penal trata-se de ramo da ciência jurídica que disciplina as sanções puramente administrativas em virtude de infrações fiscais, que se traduzem nas seguintes ações: apreensão de mercadorias em postos fiscais, imposição de sanção administrativo-fiscal (multas pecuniárias), perda de mercadorias, regime especial de fiscalização, interdições de estabelecimentos, lavraturas de autos de infração, dentre outras.

Direito Penal Tributário, cuida-se de infrações à legislação penal (Código Penal, Crimes contra a Ordem Tributária...), com as suas respectivas sanções típicas: reclusão, detenção, penas pecuniárias (multas).

Este artigo jurídico discorrerá essencialmente sobre o Direito Penal Tributário, apreciando seus impasses e perspectivas.

4 AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS v. PRÉVIO EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA

De início, cumpre esclarecer a polêmica existente acerca do art. 1º, da Lei 8.137/90. Existem duas correntes que interpretam este artigo de forma antagônica. Trata-se da tese do prévio exaurimento da via administrativa em oposição à doutrina que sustenta o princípio da autonomia das instâncias para instauração da competente ação penal.

Os adeptos da teoria da autonomia das instâncias (MP, Fisco) sentenciam que as instâncias administrativa e penal são autônomas entre si; portanto, não se faz necessário o prévio esgotamento da esfera administrativa (processo administrativo fiscal-PAF) para a competente persecução penal. Nestas condições, se o Ministério Público independentemente da representação fiscal para fins penais a que se refere o art. 83, da Lei nº 9.430/96, dispuser, por outros meios, de elementos que lhe permitam comprovar a definitividade da constituição do crédito tributário, poderá então, de modo legítimo, instaurar os relevantes atos de persecução penal por delitos praticados contra a ordem tributária.

Os defensores da tese do esgotamento da via administrativa (Tributaristas, STF) pugnam pelo exaurimento prévio da via administrativa (decisão definitiva do processo administrativo fiscal-PAF) como condição objetiva de punibilidade. Enquanto o crédito tributário não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, não se terá caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90. É que, até então, não havendo sido ainda reconhecida a exigibilidade do crédito tributário ("an debeatur") e determinado o respectivo valor ("quantum debeatur"), estar-se-á diante de conduta absolutamente desvestida de tipicidade penal. A instauração de persecução penal, desse modo, nos crimes contra a ordem tributária definidos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 somente se legitimará, mesmo em sede de investigação policial, após a definitiva constituição do crédito tributário, pois, antes que tal ocorra, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico.

Sempre predominou na jurisprudência nacional a tendência pela independência entre as instâncias administrativa e penal. Admitia-se, por exemplo, o oferecimento da denúncia com os seus reflexos (recebimento, condenação criminal...) não obstante pender a conclusão do procedimento administrativo fiscal no âmbito da Administração Fazendária.

Atualmente, com o julgamento do HC 81.611/DF (precedente), por maioria de votos (vencidos os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Carlos Britto), mudou-se a orientação anterior do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, ou seja, os crimes definidos no art. 1º, da Lei 8.137/90, exigem-se o prévio esgotamento da via administrativa, sob pena de configurar denúncia prematura por ausência de justa causa (ausência de tipicidade penal). Portanto, para a Suprema Corte, é impossível a instauração da persecução penal nos casos em que o crédito tributário ainda não foi constituído definitivamente (há procedimento administrativo fiscal em curso), mesmo em sede de inquérito policial ou ajuizada a ação penal, sob pena de configurar injusto constrangimento, porque destituída de tipicidade penal a conduta objeto de investigação pelo poder público. De tal sorte que impossibilita o prosseguimento dos demais atos persecutórios e ao mesmo tempo invalida (desde a origem), o procedimento judicial ou extrajudicial da persecução penal acaso em andamento.

Esta decisão é altamente polêmica e, portanto, deverá ser aplicada com parcimônia, sob pena de intensificar a impunidade fiscal. Entendemos ? data máxima vênia ? que o STF equivocou-se neste novo posicionamento. Explico: suponha-se que numa ação fiscal esteja amplamente caracterizado o crime de sonegação fiscal praticado pelo contribuinte (ex: calçamento de NF). Todavia, o contribuinte, para procrastinar o pagamento do imposto, interpõe recurso administrativo, adiando, portanto, a constituição definitiva do crédito tributário. Nesse ínterim, foge para outro país, não deixando bens para garantia do débito fiscal lançado (crédito podre). O erário, nestas condições, fica a ver navios. Por outro lado, o Ministério Público ficará de mãos atadas aguardando o encerramento do procedimento administrativo fiscal para ajuizar a denúncia contra o contribuinte-sonegador, nos termos da nova orientação jurisprudencial do Supremo.

Todas essas formas de olhar o art. 1º, da Lei 8.137/90, não estão erradas. Elas simplesmente carecem de aprofundamentos, pois são tendenciosas e limitadas, não expressando com fidelidade a ?mens legis?. Mas uma visão um pouco mais detalhada descobre que essas tendências não se excluem e até se complementam. Explico melhor: o entendimento atual do Supremo evita decisões contraditórias sobre a matéria (absolvição no processo administrativo e condenação no criminal). Entretanto, essa regra não deveria ser aplicada em todas as hipóteses de sonegação fiscal. Nas situações de crimes de apropriação indébita (IR descontado e não repassado pelo empregador à Receita Federal ou ICMS-Substituição Tributária descontada pelo substituto tributário e não repassada ao Fisco Estadual) ou mesmo nas infrações graves envolvendo calçamento de nota fiscal ou emissão de nota fiscal fria, desde que devidamente comprovados na ação fiscal, deveriam disparar imediatamente a competente ação penal.

Ademais, com a adoção desse entendimento, instituir-se-ia uma vinculação da esfera judicial à instância administrativa em flagrante violação ao disposto na Constituição Federal: ?A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito? (art. 5º, XXXV, CF/88). A propósito, a Constituição previu tão-somente o esgotamento da via administrativa para as relações jurídicas desportivas: ?O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei? (artigo 217, § 1º, da CF/88).

5 REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS

A representação fiscal, prevista no art. 83, da Lei 9.430/96, decorre do direito de petição (notitia criminis) e será encaminhada, após o encerramento da fase administrativa (decisão definitiva), ao Ministério Público-MP para fins penais nos casos de ocorrência de crimes contra a ordem tributária. Não se trata, pois, de condição de procedibilidade para a propositura de ação penal, tendo em vista que os crimes contra a ordem tributária são de ação penal pública incondicionada. Em suma, o preposto fiscal leva ao conhecimento do MP fatos ? em tese ? sujeitos às penalidades da legislação criminal, tais como: auto de infração lavrado contra o contribuinte-sonegador. A importância desse instrumento se dá, segundo José Paulo Baltazar Júnior, devido ao fato de que dificilmente tais delitos são investigados pela Polícia. O modo de conhecimento dos crimes tributários pela justiça penal se dá principalmente por representações da administração tributária, arremata o eminente doutrinador.

6 INQUÉRITO POLICIAL

Inquérito policial não constitui condição para o ajuizamento da ação penal. Raramente se faz necessária a sua instauração, pois no bojo da maioria das ações fiscais (papéis de trabalho dos auditores fiscais), há elementos suficientes do ilícito fiscal praticado para fins de persecução penal. Vê-se, assim, nada obsta a denúncia nos crimes contra a ordem tributária seja respaldada exclusivamente em procedimento administrativo, pois o inquérito policial para instauração de ação penal é dispensável (art. 46, § 1º, do CPP).

7 DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES SOCIETÁRIOS

Nos termos do art. 41, do CPP, a denúncia conterá a exposição do fato criminoso e as suas circunstâncias. Todavia, na hipótese de crime praticado sob o mando da pessoa jurídica. Inviável penalizar a pessoa jurídica por seus crimes praticados em detrimento à ordem tributária, por ausência de previsão legal, embora haja autorização expressa prevista na Magna Carta (art. 173, § 5º, da CF/88). Atualmente, vislumbra-se a pessoa jurídica criminosa somente nos delitos ambientais (Lei 9.605/98). Em razão disso, a acusação terá dificuldades naturais para detalhar a conduta criminosa praticada por seus representantes legais (administradores, executivos, diretores com poder de gestão, sócio-gerente...).

Com efeito, nos crimes societários a jurisprudência majoritária vem mitigando o rigor do art. 41, do CPP, ao admitir a denúncia genérica dos sócios (prova indiciária), exceto no caso de acusação temerária. Desse modo, entende-se ser apta a denúncia que não individualize pormenor as condutas de cada indiciado, bastando à indicação de que os acusados sejam de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Tal análise será relegada à sentença após a produção de provas. Portanto, adia-se para a fase de instrução criminal (interrogatório dos sócios, inquirição de testemunhas, empregados, clientes, fornecedores, contadores, familiares, bem como do próprio preposto fiscal autuante) a comprovação dos verdadeiros responsáveis pela sonegação fiscal cometida, sob pena de inviabilizar todas as ações pertinentes aos crimes societários, de complexa apuração. Portanto, o contraditório e a ampla defesa ficam prorrogados para a fase instrutória do processo. E o juiz proferirá a sentença que melhor lhe aprouver, nos limites do livre convencimento motivado. Ademais, em diversas situações práticas, a pessoa jurídica utiliza-se de testa-de-ferro ou mesmos laranjas visando esconder o verdadeiro mentor do crime. Nestas condições, a acusação terá de socorrer-se da teoria do domínio do fato, pois na maioria das vezes, a ordem para emitir nota fiscal calçada, meia-nota, controlar o caixa dois, subfaturar a venda ou superfaturar a aquisição de mercadorias provém do sócio-gerente ou da diretoria da empresa, mas levada a cabo pelo empregado subordinado, que poderá alegar as excludentes de culpabilidade: coação moral ou inexigibilidade de conduta diversa para isentar-se da pena. Assim, segundo esta teoria, quem detém o domínio do fato, será o autor do crime, a exemplo da autoria mediata.

Entretanto, há uma forte tendência no Supremo Tribunal Federal-STF de restringir as hipóteses de denúncia genérica com fundamento nos princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), sob pena de caracterizar responsabilidade penal objetiva. Em razão disso, o STF vem mudando sua orientação jurisprudencial sobre o assunto. Propugna a Suprema Corte que, ?nos crimes contra a ordem tributária, a ação penal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente, é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado?, conforme ponderou ministro Nelson Jobim no seu voto relativo ao julgamento do HC 80.549/SP.

8 PAGAMENTO E PARCELAMENTO DO TRIBUTO E SEUS REFLEXOS

Existem, no ordenamento jurídico nacional, diversas causas que fazem desaparecer o direito de punir estatal (ius puniendi). Trata-se de política criminal do Estado em prol da paz social. Em razão disso, certos fatos impedem o início ou o prosseguimento da ação penal. Na seara fiscal, lamentavelmente, o Estado brasileiro empenha-se em arrecadar os tributos devidos (interesse primário) mediante atividade plenamente vinculada. Ficando em segundo plano, a intenção punitiva estatal em face dos sonegadores (interesse secundário). Nestas condições, a previsão legal dos crimes contra a ordem tributária, grosso modo, funciona na prática como pressão psicológica junto ao contribuinte. Logo, os crimes contra a ordem tributária encontram-se inseridos no estereótipo do Direito Penal Simbólico, onde o Poder Judiciário coloca-se às vezes como se fosse mero órgão auxiliar de cobrança do Executivo, configurando-se nítida invasão do princípio da Separação dos Poderes (art. 2º, da CF/88). Esta postura é visível nas recentes leis: REFIS (art. 15, da Lei 9.964/00), PAES (art. 9º, da Lei 10.684/03), dentre outras.

Historicamente, constata-se uma evolução no cenário jurídico concernente à extinção da punibilidade em matéria tributária, em virtude de sucessivas leis promulgadas no tempo e no espaço reservado à tributação. De início, verifica-se a revogação do art. 14, da Lei 8.137/90 pelo artigo 98, da Lei 8.383/91, por ser mais severa (?lex gavior?), essa lei não retroagiu. Contudo, o art. 34, da Lei 9.249/95, restabeleceu a previsão anterior acerca da extinção da punibilidade por pagamento do débito fiscal ao dispor: o agente que promover o pagamento do tributo e seus acessórios, antes do recebimento da denúncia, nos casos previstos na Lei 8.137/90, extingue-se a punibilidade. Em síntese, tanto o pagamento integral como o parcelamento do tributo protocolados antes do recebimento da denúncia provocarão a extinção da punibilidade. Note-se que o parcelamento concedido antes da denúncia, uma vez deferido, provoca a extinção da punibilidade, sendo desnecessário o recolhimento integral do débito fiscal, tendo em vista que com o parcelamento cria-se uma nova obrigação tributária, extinguindo a anterior, configurando-se o instituto jurídico da novação de dívida (transação entre os sujeitos Estado-credor e contribuinte-devedor), pois altera-se a essência da relação jurídica.

Por outro lado, a lei que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal ? REFIS (Lei 9.964/00), restrita a débitos tributários de pessoas jurídicas com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, no seu artigo 15, caput, prevê a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes definidos nos arts. 1.° e 2.° da Lei n. 8.137/90, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos citados crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão no aludido programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia. Durante a suspensão da pretensão punitiva, não corre a prescrição (§ 1.° do art. 15). Cumprido o acordo com o fisco, com o pagamento integral dos débitos, extingue-se a punibilidade dos agentes, nos termos do § 3.º do dispositivo supracitado. Em suma, o pagamento do débito fiscal antes da denúncia, extingue-se a punibilidade. E o parcelamento da obrigação tributária antes da denúncia, suspende-se a punibilidade.

Com o advento da lei do PAES ou REFIS II (Lei 10.684/03, art. 9º), o pagamento a qualquer tempo extingue-se a punibilidade e o parcelamento a qualquer tempo suspende-se a punibilidade, salvo na hipótese do art. 168-A, do CP.

Cumpre destacar, por fim, que há uma forte tendência na jurisprudência de aplicar o art. 9º, da lei do PAES (Lei 10.684/03) a todo e qualquer regime de parcelamento tributário, revogando-se assim, o art. 34, da Lei 9.249/95. Sem nenhum inconveniente ou empecilho de ordem legal, essa orientação vitoriosa na jurisprudência retroage-se aos fatos anteriores em face do princípio da Retroatividade da lei penal posterior mais benéfica (?lex mitior?). A despeito da lei federal se omitir em relação aos tributos dos demais entes federados (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), depreende-se que a aludida norma aplica-se indistintamente a todos os entes da federação, e não apenas à União, posto que o preceito que disciplina a extinção da punibilidade é de caráter penal, cuja competência para a sua edição é da União, compreendem-se inseridos os processos criminais da Justiça Federal ou Estadual.

9 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Art. 1.° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
Comentário: trata-se de crime material cujo resultado é a efetiva supressão ou redução do tributo devido. Conduta composta pela supressão ou redução acrescida de fraude. Detalhe: mercadoria isenta ou imune, o fato será atípico. Entretanto, o agente responderá tão-somente por mero ilícito administrativo (caberá a competente lavratura de auto de infração por violação à obrigação acessória).

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
Comentário: Crime omissivo (omitir) e comissivo (prestar). Cite-se, a título ilustrativo, a transmissão da declaração falsa de ajuste do Imposto de Renda da Pessoa Física com vistas a reduzir o pagamento do imposto devido. Tal conduta assemelha-se com as figuras de falsidade ideológica ou matérias (CP). A lei teve por objetivo garantir a fidegnidade das informações transmitidas ao Erário. Figuras típicas: recibos falsos de profissionais liberais com vistas a deduzir o IR; falsa declaração de exercício de atividade profissional (trabalhador autônomo: taxista) para fins de isenção do ICMS (estadual) e o IPI (federal).

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
Comentário: Trata-se de Norma penal em branco (livro ou documento exigido pela lei fiscal), deve-se reportar aos regulamentos competentes (RICMS, RIPI, RIR, dentre outros). Exemplos típicos: adulterar o livro Caixa, bem como o livro de registro de Entrada e de Saídas de mercadorias para fins de apuração a menor do ICMS a recolher. Caixa dois. Contabilidade paralela. Creditamento fiscal com NF inidôneas. Inserção de despesas fictícias para fins de redução do IR (passivo fictício).

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
Comentário: Cuida-se de crime de falsidade material. A título exemplificativo, menciona-se a adulteração grosseira do talonário de nota fiscal. Nota fiscal calçada. Meia nota. Documento viajado. Nota fiscal paralela. O rol é exemplificativo (?numerus apertus?), portanto, cabível interpretação analógica.

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato.
Comentário: emissão de documentos frios (venda simulada, estabelecimentos comerciais encerrados ou cancelados, aquisições fictícias). Cuidado: duplicata simulada, o agente responderá pelo art. 172, do CP (não se trata de crime contra a ordem tributária).

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal, ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Comentário: trata-se de crime instantâneo, isto é, basta a simples venda sem emissão de documento fiscal correspondente (nota fiscal ou cupom fiscal) para configurar o delito. Caso a mercadoria seja isenta (produto hortifrutigranjeiro) ou imune (livros...) o agente não responderá pelo inciso V.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
Comentário: cuida-se de crime de mera conduta, pois independe de resultado (supressão ou redução do tributo). Compara-se com o delito de desobediência (art. 330, CP). A lei teve em vista o bom andamento da ação fiscal, velando pelo livre acesso a documentos e livros fiscais pelos prepostos fiscais, num clima de urbanidade, sem tumultos ou demoras injustificadas para atendimento da requisição fazendária. Por se tratar de delito omissivo próprio, é impossível a tentativa.

Art. 2.° Constitui crime da mesma natureza:
Comentário: os delitos inseridos no art. 2º são formais, portanto o tipo penal descreve a conduta e o resultado naturalístico, mas só exige aquela para a consumação.

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
Comentário: há duas teses sobre este inciso, pois numa leitura rápida, este dispositivo é análogo ao art. 1º, inciso I. A primeira corrente defende que o art. 2º, inciso I, trata-se de situação relativa à isenção fiscal. Para a segunda tese, propugna que o art. 2º, inciso I, cuida-se de crime tentado do art. 1º, inciso I.

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
Comentário: Assemelha-se ao crime de apropriação indébita (art. 168, CP). Na esfera estadual, constitui a hipótese do regime da substituição tributária (ICMS), quando o substituto tributário não repassa aos cofres dos Estados-membros o ICMS descontado dos substituídos. No campo federal, é a situação em que o empregador (fonte pagadora) desconta o IR e não o repassa à Receita Federal.

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
Comentário: Os incisos III e IV tutelam o emprego correto de incentivos fiscais (pune-se o sujeito que recebe verbas públicas e as desvia: aquisição de imóveis luxuosos...). Excepcionalmente, o sujeito ativo do crime poderá ser empregado de instituição financeira que atua na captação de incentivos fiscais. Este delito assemelha-se aos tipos penais da Concussão (art. 316, do CP) e da Corrupção passiva (art. 317, do CP). Trata de crime de particular (contribuinte ou terceiro: lobista...).

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Comentário: trata-se de crime formal. Com efeito, dispensa-se o efetivo suprimento ou redução do pagamento do tributo. Pune-se, pois, o caixa dois eletrônico, muito comum nos dias atuais.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 3.° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):
Comentário: trata-se de crime funcional próprio, sendo sujeito ativo o servidor público lotado na Administração Fazendária. Aplica-se o disposto no art. 514 do CPP (defesa preliminar) nos crimes afiançáveis (cuja pena mínima não ultrapasse dois anos). Para as infrações consumadas, aplica-se tão-somente a defesa preliminar para o inciso III. Na forma tentada, aplica-se o art. 514 nos todos os três incisos.

I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
Comentário: assemelha-se com o crime do art. 314, CP. Cuida-se de crime material, pois a conduta deve provocar o recolhimento indevido do tributo. Pune-se, pois, o agente fiscal.

II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente.
Comentário: é crime formal. Trata-se crime funcional tributário, composto da junção dos crimes de corrupção passiva (art. 317, CP) com o do delito de concussão (art. 316, CP).

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público.
Comentário: cuida-se de advocacia administrativa praticada no âmbito da Administração Fazendária, que patrocina interesse privado perante o Fisco, utilizando-se da qualidade especial que goza perante o Erário. Trata-se de crime de mera conduta. É cabível a suspensão condicional do processo-Sursis processual (art. 89, Lei 9.099/95), pois a pena é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

10 PECULIARIDADES DA LEI 8.137/90

O bem jurídico é a ordem tributária, que consiste em prover e administrar os recursos arrecadados para viabilizar as políticas públicas do Estado. Didaticamente, os crimes contra a ordem tributária podem ser fracionados em quatro ramos: crimes de sonegação fiscal (arts. 1º e 2º, da Lei 8.137/90 e 337-A, do CP), delitos aduaneiros (Descaminho, art. 334, do CP), infrações funcionais (art. 3º, da Lei 8.137/90 e art. 318, do CP) e crimes de apropriação indébita (art. 2º, II, Lei 8137/90 e art. 168-A).

A ação penal é pública incondicionada. A competência para julgar tais delitos dependerá do sujeito passivo do crime: União (Justiça Federal); Estados e Municípios (Justiça Estadual). O sujeito passivo é o Erário. O sujeito ativo nos delitos fixados nos arts. 1º e 2º é o contribuinte (regra) e, excepcionalmente, o advogado e o contador. Por outro lado, o sujeito ativo do art. 3º é o servidor público (crime funcional próprio). Os delitos inseridos no art. 1º são materiais. Em regra, dispensa-se a prova pericial (exceto na falsidade material), pois os papéis de trabalho inseridos no levantamento fiscal possui presunção de veracidade (prova material do crime). É cabível a suspensão condicional da pena-Sursis (art. 77, CP) para as condenações fixadas em 2 anos. Todavia, incabível o a suspensão condicional do processo-Sursis Processual (art. 89, L 9.099/95), pois a pena ultrapassa um ano, salvo na hipótese de tentativa. Também é viável a substituição da pena privativa por alternativa (arts. 43ss, CP). É cabível a delação premiada (redução da pena), desde que tais crimes sejam perpetrados em quadrilha ou co-autoria e que a delação aponte às autoridades competentes toda a trama delituosa, tais como: agentes infratores, vantagem obtida, lugar do crime, tempo do crime, modo de execução etc.

11 IMPASSES E PERSPECTIVAS

O ?modus operandi? do sonegador envolve geralmente múltiplas transações comerciais e financeiras, utilizadas para fugir à tributação legal, permitindo a impunidade do infrator na seara fiscal. Mais. Verifica-se, ultimamente que a sonegação fiscal e os delitos correlatos (lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico de drogas, terrorismo, sistema financeiro nacional...) extrapolaram o seu âmbito de ação (anteriormente locais ou regionais) para a escala mundial, em decorrência da globalização e facilidades advindas da internet (rede mundial de computadores). Em virtude disso, inúmeros países vem se preocupando com o combate à sonegação fiscal, notadamente com a tributação advinda de atividades ilícitas, destacando-se o seu elevado valor ético.

Urge, pois, desencadear ações integradas entre os órgãos governamentais (Fisco, MP, Órgão Policial, Justiça, Bacen, CVM, SUSEP, SPC, COAF, dentre outros) para combater os delitos tributários, mediante convênios de cooperação técnica entre os envolvidos. Aliás, o Governo Federal (operações Farrapos, Persona, Beacon Hill, Kaspar), bem como o Governo do Estado da Bahia (operação Tesouro, Farma...) vêm sinalizando que a sonegação fiscal será fortemente reprimida pelo Estado, através de ações determinadas pela inteligência fiscal com o auxílio de força-tarefa.

É bastante preocupante a conduta contraditória do Estado na seara tributária, ou seja, por um lado desencadeia Operações contra as práticas de sonegação fiscal (Farrapos, Persona, Beacon Hill, Kaspar...), por outro edita leis disciplinando Programas de Refinanciamento de débitos tributários (Refis, Paes, dentre outros), premiando condenados e acusados flagrados por sonegação fiscal, muitos dos quais protagonistas dos recentes escândalos nacionais (incluem desde políticos cassados a criminosos de fama internacional).

Cumpre recordar inicialmente que no governo FHC, o sistema contemplava apenas as pessoas jurídicas (Refis). No governo Lula, permitiu-se a participação de pessoa física (Paes). Com efeito, cada vez mais os programas de parcelamento são mais sedutores. De se ponderar, nesse caso, que os beneficiários poderão recolher o imposto sonegado em suaves prestações ao logo de 15 anos, com desconto de 50% de multa e correção pela taxa de juros de longo prazo (TJLP), que é menor que a taxa selic aplicada aos demais mortais (contribuintes, devedores...), que recolhem religiosamente seus impostos em dia, em flagrante violação ao Princípio da Isonomia tributária (art. 150, II, da CF/88). É evidente que a impunidade irá crescer.

Diante dessa situação, o Estado deveria fortalecer a incidência de penas restritivas de direito (sanção alternativa) no âmbito tributário, tais como: perda de bens e valores, prestação pecuniária, interdições temporárias de direitos, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Todavia, a pena privativa de liberdade deveria ser aplicada nas hipóteses de reincidência no cumprimento de penas alternativa.

Em seguida, alguns comentários pertinentes acerca desta celeuma jurídica: ?O Refis é uma linha de crédito, subsidiada pela população, para sonegador, é uma espécie de paraíso fiscal para os criminosos de colarinho branco?, ponderou Luiz Francisco de Souza, procurador regional da República. ?A própria segurança jurídica fica rigorosamente comprometida, pois é colocado mais um elemento como condicionante para o processo penal e a condenação?, vaticinou Cláudio Baldino Maciel, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados. ?O governo está trocando a responsabilidade penal do criminoso por um naco do que ele sonegou. A instituição tem um desgaste enorme para fazer as investigações, deixa de apurar outros casos, para não levar a nada. Com uma tacada só, o governo joga todo o trabalho da polícia no lixo. No final, o criminoso sai rindo da delegacia?, critica o diretor jurídico do sindicato dos delegados da polícia federal do Rio de Janeiro. ?Isso significa dizer que temos uma política que faz opção pela senzala deixando a casa grande solta. Esse tipo de delito (sonegação) é mais grave que o furto de uma bolsa, em que a vítima é individualizada. Nesse tipo de delito, agraciado pelo Refis, a vítima é toda a sociedade?, comparou Pedro Taques, procurador regional da República.

Cumpre recordar, por fim, o caso singular do mafioso Al Capone (Chicago-EUA, década de 30), sendo preso, processado, julgado e condenado por Crime de Sonegação do Imposto de Renda americano e não por outros delitos supostamente praticados (homicídio, formação de quadrilha, lenocínio, dentre outros), investigados pelo agente Eliot Ness.

12 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os crimes contra a ordem tributária são espécies dos delitos econômicos. Didaticamente, pode-se fracioná-los em quatro ramos: crimes de sonegação fiscal, delitos aduaneiros, infrações funcionais e crimes de apropriação indébita.

É plenamente possível a persecução criminal dos sonegadores, com fulcro no princípio da Isonomia Tributária, tendo em vista que o tributo corresponde a um instituto jurídico amoral, objetivo, abstrato e legal; do contrário, estaria patente obviamente o enriquecimento ilícito, a concorrência desleal e a impunidade fiscal.

Considerando que a maioria dos países tem se preocupado com o combate à sonegação fiscal, o Direito Comparado vêm dando tratamento idêntico à sonegação fiscal. Ademais, os crimes contra a ordem tributária e os delitos correlatos (lavagem de dinheiro, corrupção, seqüestro, tráfico de drogas, terrorismo...) extrapolaram o seu âmbito de ação (anteriormente locais ou regionais) para a escala mundial, em decorrência da globalização e facilidades advindas da internet (rede mundial de computadores).

O tema selecionado neste artigo identifica-se com a crescente evolução do Direito Tributário e justifica-se pela atual situação jurídica vigente no país. Evidente que este ensaio jurídico não encerra todo o assunto. Muito menos tem a pretensão de ser desprovido de falhas, pois a matéria é fascinante e repleta de questões jurídicas bastante delicadas que, certamente a doutrina e a jurisprudência irão dirimi-las no futuro e assim solucionando, a grande celeuma atualmente existente sobre o presente assunto, pois segundo Albert Einstein ?a coisa mais dura de entender no mundo é o Imposto de Renda?.

Afinal, o contribuinte deveria ? em tese ? cumprir o mandamento bíblico que consigna: ?dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus? (Mt 22, 21), e também porque ?só há duas coisas certas na vida, a morte e os impostos? (Benjamim Franklin - 1790).

Encerra-se este ensaio jurídico com a divertida crônica:

?A velhinha contrabandista?, de Stanislaw Ponte Preta.

Era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um grande saco atrás. O pessoal da alfândega - tudo "malandro velho" - começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta, com o saco atrás, o fiscal da alfândega a mandou parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou:
- Escuta aqui, vovozinha. A senhora passa por aqui todos os dias com esse saco aí atrás. O que a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e respondeu:
- É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou mais desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com a muamba, dentro daquele maldito saco.
No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que levava no saco e ela respondeu que
era areia. O fiscal examinou, e era mesmo.
Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e todas às vezes o que ela levava no saco era realmente areia. Um belo dia o fiscal se chateou.
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal da alfândega e tenho 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
- Mas no saco só tem areia - insistiu a velhinha.
E já ia tocar a lambreta quando o fiscal propôs:
- Eu lhe prometo que a deixo passar. Não lhe prendo, não lhe denuncio e não conto nada a ninguém. Mas a senhora vai me dizer qual é o contrabando que está passando por aqui todos os dias?
- O senhor promete que não conta nada a ninguém? - quis saber a velhinha.
- Juro! - respondeu o fiscal.
- É a lambreta!

Moral da estória: não obstante todo o avanço tecnológico (aquisição de equipamentos de última geração) e humano (concursos exigentes, treinamentos...) implementados nos últimos anos no âmbito da Administração Fazendária, os sonegadores ainda conseguem fugir da incidência tributária por meio de dissimulações diversas, visto que os "filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz" (Lucas 16, 8). Em razão disso, impõe-se a persecução penal na seara tributária.

(*) Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia

REFERÊNCIAS

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de janeiro: Forense, 2003.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF. Senado Federal. 1988.

BRASIL. Lei 5.172/66. Código Tributário Nacional-CTN. Vade Mecum. 5ª edição. Saraiva, 2008.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF. 2008. Sítio: (htpp://www.stf.gov.br).

BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Brasília, DF. 2008. Sítio: (htpp://www.stj.gov.br).

JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. 3ª. Ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2008.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26. Ed. São Paulo. Malheiros. 2005.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Porto Alegre: Esmafe, 2002.

Com citar este artigo:
ASSIS, Renato Aguiar. Crimes contra a Ordem Tributária. Salvador: Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia-IAF, maio. 2008. Disponível em

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