ESTUDO COMPARATIVO DOS PARECERES DE DRª MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO E DR. JUAREZ FREITAS
Nos últimos meses, a UNIFICAÇÃO DE CARREIRAS DO FISCO BAIANO vem sendo um tema muito discutido não apenas no âmbito da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, mas, principalmente, por toda comunidade jurídica acadêmica.
A razão para tanto alvoroço decorreu da expectativa de um duelo doutrinário entre a conceituada administrativista, Dra. Maria Sylvia Zanella de Pietro, Professora Titular da Faculdade de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo, e o admirado e eminente jurista, Dr. Juarez Freitas, Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, um dos maiores expoentes do Moderno Direito Administrativo Brasileiro. A primeira, responsável por um parecer a favor do anteprojeto de unificação de carreiras do fisco baiano, elaborado pelo Sindsefaz, e o último, autor de um memorável parecer à pedido do IAF – Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia, contrário à fusão do grupo fisco do estado da Bahia em uma única carreira.
A análise ora efetuada há de, sobre um primeiro momento, mostrar-se um tanto quanto polêmica e pretensiosa, especialmente por se tratarem de mestres tão ilustres, e que apresentam opiniões tão distintas sobre um tema em comum, mas, sob uma análise pontuada em elementos objetivos, veremos que a conclusão é simples e cristalina, como deve ser no bom direito.
A Drª Maria Sylvia Zanella, após minuciosa análise dos fatos e circunstâncias que lhe foram apresentados pela instituição consulente, concluiu de que o anteprojeto de lei que teria por objeto a reestruturação das carreiras do Grupo Ocupacional Fisco da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, não apresentava vícios de inconstitucionalidade, afeiçoando-se aos artigos 37, II, 39, § 1º, 37, inciso XXII e 41, § 3º da Constituição Federal. Afirmou ainda a douta jurista, que o seu parecer estaria firmado no entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, em hipóteses semelhantes, encontrando inúmeros precedentes no direito positivo.
Ocorre que, sem querer nos firmar, neste primeiro momento, nos aspectos subjetivos doutrinários, manifestados pela tão respeitada jurista, voltamo-nos para a primeira premissa objetiva levada em consideração pela Parecerista, ou seja, a declaração realçada pela entidade consulente de que:
"há duas décadas os Agentes de Tributos Estaduais iniciam e concluem a ação fiscal (tanto nas fiscalizações de Trânsito de Mercadorias como nas de Empresas de Pequeno Porte), conforme previsão do artigo 142 do CTN, mas não tem reconhecimento em lei para lavratura de autos de infração".
Tal premissa, sob a mais pueril análise, mostra-se falsa, pois, em nenhum momento na história do fisco baiano os honrados Agentes de Tributos Estaduais "iniciaram e concluíram" ações fiscais junto ao Trânsito de Mercadorias ou junto às Empresas de Pequeno Porte (estas últimas, só instituídas pelo Dec. 7.357/98). Ao contrário do que foi afirmado pela instituição consulente, as atribuições dos Agentes de Tributos Estaduais, até meados de 2002, quando foram substancialmente alteradas pela Lei 8210/2002 se restringiam unicamente a arrecadar receitas estaduais e executar tarefas de subsídios à fiscalização (anexo XXIII da Lei 4.794/88).
Posteriormente, com a edição da Lei Estadual 8.210/2002, as atribuições conforme já dito, foram significativamente ampliadas, contudo permaneceu mantido o grau de subordinação técnico com relação ao cargo de Auditor Fiscal, que deveria, sempre, coordenar as atividades de apoio e subsídio à fiscalização, que deveriam ser desenvolvidas em grau de subordinação pelos Agentes de Tributos Estaduais. Vale ressaltar, que a constituição do crédito tributário mediante lançamento ex-oficio, sempre foi privativa do ocupante do cargo de Auditor Fiscal, estando preservado no escopo do inciso I do artigo 6º da lei 8.210/2002, a competência originária e indelegável da função.
Tal análise das atribuições é circunstância determinante no entendimento do Parecer exarado pela Dra. Maria Sylvia Zanella, já que ele parte do pressuposto de uma inequívoca identidade de atribuições entre o Agente de Tributos Estaduais e o Auditor Fiscal do Estado da Bahia, premissa esta que não se efetiva à mínima consideração.
A busca da identidade fática das carreiras, para que se valide o opinativo permissivo da unificação, jamais se verifica, haja vista que as atribuições entre as carreiras se distinguem não apenas sob o prisma da complexidade, mas sim pelo fato de existirem atribuições privativas de uma função jamais alcançada pela outra.
Com efeito, este fato já foi observado inclusive pelo Ministério Público do Estado da Bahia, que em Recomendação proferida pelo Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da Justiça, Dr. Lidivaldo Reaiche Raimundo Brito, afirmou "se tratarem de carreiras completamente distintas, vez que somente ao Auditor Fiscal compete a função de CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, ficando a cargo do Agente de Tributo a ARRECADAÇÃO DE RECEITAS ESTADUAIS e SUBSIDIAR A FISCALIZAÇÃO".
Tal opinião, exarada de forma objetiva e contundente, como deve ser toda Recomendação Ministerial, para o bem da sociedade, encontra eco no entendimento doutrinário dominante no âmbito da administração pública baiana, como teve oportunidade de se manifestar o Representante da PGE/PROFIS nos autos do Processo Administrativo Fiscal 2798360043/06-9, quando solicitado a se manifestar sobre a legitimidade e eficácia de ato preparatório de fiscalização firmado por Agente de Tributo, em que não estivesse expressamente consignada à coordenação de Auditor Fiscal.
Aliás, o entendimento do Douto Representante da PGE/PROFIS merece ser reportado ipsis literis, conforme destacamos a seguir:
"Lastreado no texto Constitucional, o Código Tributário Nacional – lei ordinária com status de lei complementar – estabeleceu no seu art. 142 que:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Neste esteio legal, alicerçada na autonomia administrativa conferida aos Estados Membros pela Constituição Federal (Art.18 da CF/88), a Carta Constitucional do Estado da Bahia remeteu à legislação integradora a definição de autoridade competente para, de forma privativa, constituir o crédito pelo lançamento tributário:
Art. 156 – A administração financeira do Estado, inclusive a arrecadação dos tributos, será exercida exclusivamente pelo Executivo, através de seus órgãos da administração direta, estruturados em lei.
Neste sentido, esteado no permissivo da Constituição do Estado da Bahia, Código Tributário do Estado da Bahia pontilhou:
Art. 107. Compete à Secretaria da Fazenda a fiscalização e arrecadação dos tributos estaduais.
§ 1º A função fiscalizadora será exercida pelos Auditores Fiscais.
§ 2º A lavratura de autos de infração para exigência de tributos, acréscimos e multas é privativa dos Auditores Fiscais.
§ 3º Compete aos Agentes de Tributos Estaduais a execução de tarefas de subsídio à fiscalização.
A dicção do texto normativo inserto no Código Tributário do Estado da Bahia é de clareza solar, não escapando a qualquer tipo de intelecção ampliativa no sentido de demover a exclusividade de competência dos auditores fiscais para efetivação do lançamento tributário (pedra de toque da exação tributária).
Aliás, não é possível duvidar do acerto da conclusão acima brandida, em face da clareza suficiente com que se apresenta a redação da norma esculpida no parágrafo segundo do art. 107 do COTEB, em conjunto com o parágrafo terceiro do mesmo artigo, que confere aos agentes de tributo o papel de auxiliar nos trabalhos de fiscalização.
Poder-se-ia objetar que o papel de auxílio do agente de tributos, em casos específicos, poderia desembocar num ato de lançamento convalidado pelo auditor fiscal?
A nosso ver, a resposta se afigura negativa, senão vejamos.
Devemos esclarecer, vestibularmente, repisando o caráter auxiliar das atividades desenvolvidas pelos agentes de tributo, que a subsidiaridade da conduta exercida em prol das atividades fiscalizatórias do auditor fiscal, à simplicidade franciscana, não conduz a ilação de similaridade ocupacional entre os cargos em consideração.
É palmar, consoante a intelecção das normas balizadoras da competência na fiscalização e arrecadação dos tributos estaduais, que existe latente e evidente uma relação de "auxiliar e auxiliado".
É notório ante aos fatos, que a descrição fática fornecida pelo sindicato consulente, conduziu a Dra. Maria Sylvia de Pietro a erro quanto à essência dos elementos determinantes de sua convicção.
Talvez se parte contratante tivesse descrito para a conceituada jurista de que os cargos de Agentes de Tributos Estaduais e Auditores Fiscais possuem atribuições distintas – ficando evidente o caráter auxiliar das atividades desenvolvidas pelo primeiro e que a subsidiaridade da conduta exercida por estes, não conduz a ilação de similaridade ocupacional entre os cargos em consideração, ficando evidenciado, de forma direta e evidente, uma relação de "auxiliar e auxiliado" – o entendimento finalizado pela ilustre professora a respeito da unificação de carreiras do fisco baiano, seria outro, completamente diferente.
Melhor sorte teve o Dr. Juarez Freitas, que munido de farta documentação à respeito das carreiras teve a oportunidade de analisar minuciosamente todos os aspectos envolvidos no caso.
O Parecer do Dr. Juarez Freitas procura abordar aspectos estruturais das carreiras do fisco baiano desde a sua origem, não se limitando à simples assertivas firmadas por seu consulente. O destacado professor Rio Grandense buscou nos fundamentos axiológicos e históricos superar as limitações impostas por uma interpretação baseada unicamente nos textos legais obtidos, redundando em uma obra de expressivo valor jurídico, não apenas para as partes interessadas, mas para todas Carreiras de Estado, que buscam identidade e reconhecimento no sistema jurídico nacional.
A avaliação do Dr. Juarez Freitas reporta inicialmente a um sucinto apanhado histórico sobre a evolução das carreiras vinculadas à Administração Tributária Estadual, abordando desde a Lei Estadual 320/1950, passando pela Lei Estadual 879/1956, a Lei Estadual 130/1960, a Lei Estadual 1.613/1962, a Lei Estadual 2.319/1966, a Lei Estadual 3.191/1973, a Lei Estadual 3.368/1975, a Lei Estadual 3.640/1978 (quando passou a ser exigido o Curso Superior para o cargo de Auditor Fiscal), a Lei Estadual 3.807/1980 e a Lei Estadual 4.455/1985, que estruturou o Grupo Ocupacional Fisco, constituído pelas carreiras de Auditor Fiscal e Agente de Tributos Estaduais, em moldes semelhantes aos hoje existentes.
Posteriormente foi editada a Lei Estadual 4.794/1988 que instituiu nova conformação para o Grupo Ocupacional Fisco, tendo sido modificada pela Lei Estadual 5.625/1989 e por fim a Lei Estadual 8.210/2002, que apesar de ampliar consideravelmente as atribuições dos Agentes de Tributos Estaduais e Auditores Fiscais do Estado da Bahia, manteve a aludida relação de auxilio e subsidio entre a atividade desenvolvida pelo ATE com relação à atividade desempenhada pelo Auditor Fiscal, para a qual foi mantida a competência privativa e indelegável de constituir o crédito tributário mediante o lançamento ex-oficio, dentre outras funções específicas e de grande complexidade.
Avançando na análise da evolução das carreiras, o ilustre Parecerista pôde perceber a completa e indiscutível distinção entre as carreiras de Auditor Fiscal e Agente de Tributos Estaduais, vez que a relação existente entre as funções, sempre foi de subordinação, controle ou coordenação entre as carreiras.
Vale destacar o cristalino texto do Dr. Juarez Freitas, reportando ao caso:
"As demais atribuições dos Agentes de Tributos Estaduais, sem exceção, são cumpridas em regime de subordinação, controle ou coordenação da carreira de Auditor Fiscal.
A subordinação revela-se explícita nas atividades de:
fiscalização de receitas estaduais no trânsito de mercadorias, realizada sob coordenação do Auditor Fiscal (art. 7º, II);
efetivação de atividades de apoio técnico especializado na área tributária (art. 7º, VI);
fornecimento de subsídios à elaboração da programação financeira do Estado, que é elaborada pelos Auditores Fiscais (art. 7º, XI, face ao art. 6º, XI);
dever de subsidiar a elaboração dos Demonstrativos Contábeis do Balanço Geral do Estado e dos exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é elaborado, analisado e assinado por Auditor Fiscal (art. 7º, XII, frente ao 6º, XVIII), e na de
execução de atividades que auxiliem o Auditor Fiscal no exercício de suas atribuições (art. 7º, XIV).
Insofismavelmente, a subordinação ao Auditor Fiscal é da essência das atribuições de: (a) executar procedimentos de fiscalização de receitas estaduais no trânsito de mercadorias (art. 7º, II); (b) executar atividades de monitoramento de contribuintes de baixa capacidade contributiva (art. 7º, III); (c) efetuar vistorias e diligências para coleta de informações e documentos (art. 7º, IV); (d) realizar contagem física de estoques, e (e) examinar a respectiva documentação fiscal (art. 7º, V).
Tal é o sentido exato do disposto no art. 6º, V, que confere aos Auditores Fiscais a atribuição de – planejar, coordenar e executar atividades … omissis … de orientação aos contribuintes e aos servidores do Grupo Ocupacional Fisco. "Este Grupo Ocupacional é formado, como visto, tão-somente pelos integrantes das carreiras Auditor Fiscal e Agente de Tributos Estaduais. Se a primeira carreira "planeja e coordena" as atividades da segunda, cristalina e irrefragável a existência de subordinação desta àquela."
A manifesta distinção entre as carreiras, observada pelo Parecerista, se opõe sob todos os aspectos, sobretudo os constitucionais, à unificação de carreiras do fisco, na forma pretendida pelo anteprojeto elaborado pelo Sindsefaz, senão vejamos a opinião do Dr. Juarez Freitas:
"Não se afigura, portanto, razoável reunir os cargos de Auditor Fiscal e de Agentes de Tributos Estaduais, constituindo-se nova e única carreira, já que as suas respectivas atribuições não se combinam essencialmente. Logo, nada recomendável a unificação pura e simples dos cargos, uma vez que antitética com o mais puro valor da impessoalidade do art. 37, II, da Carta Maior e com a imprescindibilidade de concurso público para o provimento de cargos públicos.
A fusão, por qualquer forma, dos cargos de Auditor Fiscal e de Agentes de Tributos Estaduais, se acontecer, poderá ser tida como inconstitucional, pois, compreendendo que, de fato, os Auditores Fiscais e os Agentes de Tributos Estaduais integram carreiras diversas, aplica-se a Súmula 685 do STF."
Vale dizer, que a manifesta distinção entre as carreiras de Auditor Fiscal e de Agente de Tributos Estaduais, se antepõe a qualquer pretensão, por mínima que seja, no sentido de unificar as carreiras do fisco baiano.
Neste ponto, convém destacar o entendimento do Procurador Geral da Justiça (Recomendação 007/2008), que considerou a pretensa UNIFICAÇÃO DAS CARREIRAS DO FISCO, incompatível com a moralidade administrativa e à ordem constitucional (por infringir a exigência do concurso público), portanto passível de ser objeto de pedido de reparação contra administrador público, mediante Ação Civil Pública ou até mesmo uma Ação Popular, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal.
Voltando-se ao Parecer exarado pela Drª Maria Sylvia Zanella observamos outro significativo aspecto que a conduziu ao erro de entendimento: a premissa de que o provimento dos cargos iniciais de ambas as carreiras exige nível superior de escolaridade.
Tal entendimento é rechaçado diante de situações concretas que se afiguraram no próprio processo de evolução das carreiras do fisco baiano, uma vez que todos os atuais integrantes do cargo de Agente de Tributos Estaduais prestaram concurso para um cargo de nível médio e não de nível superior como tentou omitir a entidade consulente.
O fato é que a carreira de Agente de Tributos Estaduais originalmente foi provida por servidores que tiveram como grau de exigência para o acesso, apenas o nível médio, tendo sido posteriormente modificada pela Lei Estadual 8.210/2002, mediante a criação de uma carreira homônima de nível superior, com atribuições ampliadas e com provimento mediante o enquadramento automático dos servidores dos antigos cargos de Agente de Tributos Estaduais, ao arrepio do inciso II do artigo 37 da CF.
Tal progressão entre carreiras, segundo o brilhante entendimento do Procurador Geral da Justiça, se configura, em caráter insofismável, em provimento derivado nos termos defeso na Norma Constitucional, que impõe aos entes estatais, como regra geral de observância compulsória, a vedação à transformação de cargos e o conseqüente aproveitamento de seus servidores, sem concurso, inclusive as hipóteses de transformação de cargos e transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas das iniciais, que, quando desacompanhadas da prévia fiscalização do concurso público de provas ou de provas e títulos, constituem formas inconstitucionais de provimento no serviço público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido", como bem detectou em sua Recomendação, através das precisas palavras de Alexandre de Moraes em sua obra Constituição do Brasil Interpretada (Ed. Atlas, 2003, pág. 832/833).
Sobre este mesmo aspecto, pode ser observada análise mais detalhada no Parecer do Dr. Juarez Freitas, que entendeu que o aproveitamento dos servidores concursados, sob a égide da Lei Estadual 4.794, nos quadros da carreira da Lei Estadual 8.210, configura, de modo indisputável, ascensão funcional, em afronta direta ao art. 37, II, da Constituição Federal. E ainda que se entendesse, em desalinho completo com a Constituição, que fosse possível, somente para argumentar, uma fusão entre as carreiras de Agente de Tributos Estadual e de Auditor Fiscal, decerto não poderiam ser aproveitados, em tal fusão, os Agentes de Tributos Estaduais que houvesse prestado concurso para nível médio. Com efeito, incontestável que os titulares de cargos de nível médio não poderiam ser, mediante lei nova, aproveitados em cargos de nível superior, como sulcado, de há muito, na ADIn 1.030, Relator Ministro Carlos Velloso.
Entendimento análogo ao proferido pelo Ministro Carlos Velloso, na mencionada ADIn 1.030, teve o Excelentíssimo Procurador Geral da Justiça do Estado da Bahia, que, taxativamente, ao se manifestar sobre a constitucionalidade dos preceitos contidos no art. 24, caput e parágrafo único da Lei 8.210/2002, assim proferiu:
"CONSIDERANDO, também que, da forma como está redigido (possibilitando que todos os atuais Agentes de Tributos que prestaram concurso para uma função que exigia apenas o nível médio, sejam automaticamente incorporados nos quadros de uma nova carreira que passou a exigir diploma universitário, embora mantivesse a mesma denominação) o disposto no art. 24 (caput e parágrafo único) da Lei nº 8210/2002, pode servir de lastro para uma pretensão de UNIFICAÇÃO DAS CARREIRAS DO FISCO, incompatível com a moralidade administrativa e à ordem constitucional (por infringir a exigência do concurso público), baseada no equivocado argumento de que a nova carreira de Agentes de Tributos passou a exigir nível superior, como sempre ocorreu em relação aos Auditores Fiscais (quando na realidade todos os atuais Agentes de Tributos prestaram concurso para um cargo de nível médio)". (trecho da Recomendação nº 007/2008, MPBA).
Sob este ponto, crucial na percepção da diferenciação das carreiras do fisco baiano, o Dr. Juarez Freitas indagado em seu Parecer sobre se de fato a Lei Estadual 8.210/2002 havia burlado a Constituição Federal promovendo uma espécie de provimento derivado (ou outra espécie de distorção) ao transformar servidores que prestaram concurso publico para cargo de nível médio em ocupantes de cargo de nível superior, entendeu este que a Lei Estadual 8.210/2002 representava uma violação à Constituição Federal, art. 37, II, ao permitir que se alçasse a carreira de Agente de Tributos Estaduais, de nível médio, para nível superior.
Logo, percebe-se que a ilustre Parecerista, Dra. Maria Sylvia Zanella de Pietro demonstra que foi lograda pelas informações prestadas pelo seu consulente, ao descrever a situação de fato a ser analisada.
O Parecer da ilustre jurista mostra-se equivocado em suas conclusões, haja vista que não observou de forma clara os seguintes aspectos circunstanciais:
1) a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, ou seja, não observou que as atribuições exercidas pelos ocupantes do cargo de Agente de Tributos Estaduais e Auditor Fiscal não ultrapassam o limite de auxiliar e auxiliado, como bem definiu o Douto Representante da PGE/PROFIS no Consef, ficando mais que evidente que as funções exercidas divergem na complexidade, cabendo aos que executam a função de apoio, apenas as tarefas de subsídio à fiscalização, executadas sempre sob a coordenação do Auditor Fiscal, não se configurando, jamais, a situação fática apresentada pelo sindicato consulente, de que "há duas décadas os Agentes de Tributos Estaduais iniciam e concluem a ação fiscal". É um simples exercício de tautologia lógica, ou seja, a partir de uma premissa falsa, não poderia ser gerada uma opinião verdadeira, e foi neste momento que o Parecer exarado pela ilustre jurista paulista incorreu em erro!
2) Os requisitos para a investidura; também sobre este aspecto o Parecer da Dra. Maria Sylvia Zanella perde a sua essência jurídica em razão de uma premissa falsa informada pelo consulente, que omitiu de que os atuais ocupantes da carreira de Agente de Tributos Estaduais prestaram originalmente concurso público para um cargo de nível médio, caracterizando uma forma de provimento derivado ou obliquo em desacordo com o princípio constitucional insculpido no inciso II do artigo 37 da Carta Magna. Há de se ressaltar de que esta situação, imposta ao arrepio da Norma Constitucional, é passível de ser corrigida mediante a interposição de ação direta de inconstitucionalidade, forte no indevido aproveitamento dos antigos ocupantes da carreira de Agente de Tributos Estaduais na atual carreira de mesmo nome, situação que se configura inconstitucional, independente da data da edição da Lei Estadual 8.210/2002, haja vista que as inconstitucionalidades, ao menos como regra, não se consolidam. A impetração de uma ADIn neste sentido poria por terra o resultado prático de qualquer medida que visasse a unificação de carreiras do fisco baiano, comprometendo o princípio da eficiência administrativa, e expondo a atual administração às conseqüências decorrentes da implementação de uma medida que desatendesse a estrita observância do dispositivo legal que prevê o acesso mediante concurso para os cargos públicos. Também se insere no panorama do afronto à eficiência administrativa a proposta de extinção das carreiras do Fisco do estado, especialmente o cargo de Auditor Fiscal, que opera em sua máxima plenitude quanto a valorização e reconhecimento técnico no cenário nacional e que não justifica ser extinto apenas para que seja "possível" a unificação de carreiras, em detrimento aos princípios da conveniência e da moralidade administrativa, em benefícios de servidores que desejam ascender a uma função superior sem o necessário provimento pelo concurso público.
3) As peculiaridades dos cargos, este ponto, exaustivamente abordado no Parecer do Dr. Juarez Freitas, passou desapercebido pela ilustre professora paulista, que, acreditando não haver grandes alterações das atribuições entre os cargos, não se ateve de forma pormenorizada aos fatos. O certo é que, foi identificado não só pelo Eminente Administrativista Gaúcho, mas, também, pelo Representante da PGE/PROFIS no Consef, e, principalmente, pelo Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da Justiça, se tratarem de carreiras completamente diferentes em suas atribuições e complexidades, competindo tão apenas ao Auditor Fiscal a CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, ficando a cargo do Agente de Tributo a ARRECADAÇÃO DE RECEITAS ESTADUAIS e SUBSIDIAR A FISCALIZAÇÃO. Em outras palavras, conforme definido pelo Dr. Juarez Freitas em seu derradeiro Parecer de forma quase que poética "As atribuições privativas aos Auditores Fiscais se identificam com o caráter de Carreira típica de Estado, e visam a materializar a causa final da Administração Tributária. Tomando emprestado o texto do inciso XXII do art. 37 do Texto Maior, em sua atual redação, são "atividades essenciais ao funcionamento do Estado". Incumbe aos Agente de Tributos Estaduais o exercício de nobres atividades-meio, necessárias e valiosas para o bom andamento da função institucional da Receita Estadual da Bahia."
Cabe ressaltar que este mesmo entendimento aqui manifestado, amparado nas diferenciações entre as duas carreiras com base na 1) natureza, grau de responsabilidade e complexidade dos cargo, 2) os requisitos para a investidura e 3) peculiaridades dos cargos, é o que serviu de base para o Ministério Público do Estado da Bahia editar Recomendação no sentido de que o governo evite a edição de qualquer norma jurídica que possa implicar na absorção das funções privativas de AUDITOR FISCAL, como a CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, para outro cargo, inviabilizando, assim, a futura argüição de similaridade entre as carreiras do Fisco estadual.
CONCLUSÃO
De posse destas considerações, podemos deduzir que o entendimento jurídico dominante é no sentido de não apenas rechaçar projetos no sentido de unificar carreiras, a exemplo do fisco baiano, mas, como também se opor a qualquer manobra no sentido de se promover o provimento derivado ou por via obliqua, em detrimento ao disposto no art. 37, inciso II da Constituição Federal.
Assim foi o entendimento manifestado pelo Dr. Juarez Freitas, pelo Procurador Geral da Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e da Representação da Procuradoria Geral do Estado na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, em inúmeras oportunidades. Corroborando com este entendimento, observamos e foram citadas nos pareceres analisados inúmeras decisões do STF, algumas já sumuladas, vedando o provimento derivado e a burla ao dispositivo constitucional.
Com relação ao Parecer da ilustre e competente jurista Dra. Maria Sylvia Zanella de Pietro, podemos observar que ela incorreu em erro essencial diante das falsas informações que lhe foram prestadas, talvez de forma até mesmo inocente, pelo sindicato consulente, ou sejam: "há duas décadas os Agentes de Tributos Estaduais iniciam e concluem a ação fiscal (tanto nas fiscalizações de Trânsito de Mercadorias como nas de Empresas de Pequeno Porte), conforme previsão do artigo 142 do CTN, mas não tem reconhecimento em lei para lavratura de autos de infração" e "não há qualquer impedimento a que a situação dos atuais integrantes dos cargos de Agente de Tributos Estaduais e de Auditor Fiscal, ambos integrantes do Grupo ocupacional Fisco, da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, instituídas pela Lei nº 8.210, de 22.3.2002, seja adaptada à nova forma de organização da carreira. Não há grandes alterações das atribuições e mantém-se a mesma exigência de escolaridade de grau superior para o ingresso no nível inicial".
Em ambos os casos o entendimento da douta jurista se baseou em informações falsas, ou seja, jamais ocupantes do cargo de Agentes de Tributos iniciaram e concluíram uma ação fiscal, não possuindo, inclusive, competência definida em lei para tanto (na forma prevista n conceito de autoridade administrativa, insculpido no artigo 142 do CTN), e nem exercem atribuições similares ou complementares, e tão somente, a de arrecadação de tributos e subsídio à fiscalização, na condição de auxiliar e outras no âmbito da administração tributária sob coordenação do auditor Fiscal, sempre no nobre exercício da atividade-meio, necessária e valiosa para o bom andamento da Administração Tributária, mas sempre condicionada em grau de subordinação técnico a atividade fim desempenhada pelo Auditor Fiscal.
Por último, equivoca-se a Dra. Maria Sylvia, ao acreditar que era exigido o nível superior quando do provimento dos cargos pelos atuais ocupantes da carreira de Agente de Tributos, não observando que esta, originalmente tinha por exigência apenas o nível médio de escolaridade, ao contrário da função de Auditor Fiscal, na qual era exigido o nível superior em área específica.
Tal distorção interpretativa se deu mediante a não observância da obliqua transformação do cargo, em detrimento aos dispositivos constitucionais, e deverá ser objeto de reparação oportuna por ADIn a ser intentada para este fim.
Finalizando, entendemos que o recente Parecer divulgado, de autoria de Dra. Maria Sylvia de Zanella de Pietro não encontra agasalho na realidade existente na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, pois encontra-se amparado em premissas baseadas em uma verdade equivocada. Ao contrário do entendimento manifestado pelo Dr. Juarez Freitas em sua peça, que encontra afeiçoado ao entendimento predominante dos representantes da Procuradoria Geral do Estado, através de inúmeros pareceres e no magnífico entendimento do Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da Justiça, que proferiu a derradeira Recomendação 007/2008 de cristalina inspiração no sentido de dirimir as últimas dúvidas quanto a constitucionalidade de qualquer medida que vise unificar as carreiras do fisco da Bahia, bem como a usurpação de atribuições específicas, originárias e indelegáveis da carreira de Auditor Fiscal, especialmente a constituição do crédito tributário mediante o lançamento ex-oficio, cuja complexidade remete à origem da investidura no cargo, não podendo ser suprida pela ascensão obliqua, sob pena de desrespeito ao princípio da eficiência e da moralidade administrativa.
Este é o entendimento desta Diretoria,
Salvador, 7 de agosto.
Diretoria Jurídica
Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia ? IAF Sindical
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