Algumas considerações a respeito da Reforma Tributária sobre o consumo
“A coisa mais difícil de entender no mundo é o imposto de renda”
Albert Einstein (1879-1955)
Renato Aguiar de Assis (*)
Real digital, CDBC (“Central Bank Digital Currency”), Inteligência Artificial, “Big Data”, Cidade inteligente, Veículos autônomos, “Bitcoin”, “Sin Tax”, Tributos recolhidos via “blockchain”, Impressora em 3D, Internet da Coisas-IoT, ID digital, Internet dos corpos-IoB, Pegadas de Carbono/Sistema de Crédito Social e “The Great Reset” serão expressões corriqueiras no futuro. A Reforma Tributária acrescentará o IBS, o CBS e o IS.
ESCLARECIMENTO
Este ensaio corresponde ao segundo artigo, de uma trilogia sobre a Reforma Tributária. O primeiro foi escrito antes da votação da PEC 45/19 na Casa do Povo (Câmara dos Deputados). Na oportunidade, discorreu-se sobre a retrospectiva da Reforma, dos impasses, da PEC 45/19 propriamente dita, abordando as Ferramentas de Compensações e o polêmico “Conselho Federativo”. Esta reflexão expõe o IBS e seus reflexos (guerra fiscal, alíquota-base e a Lei Orgânica do Fisco-LOF), dentre outros assuntos.
IMPACTO SOBRE O CONSUMO
O consumo foi a principal atividade econômica escolhida pela PEC 45/19, com reflexos nas famílias, empresas e consumidores; embora tenha avançado também em outras searas (IPTU, ITCMD, IPVA) que “dormiam em berço esplêndido”. ICMS/IPI/ISS passarão por uma revolução fiscal jamais vista desde a promulgação da Constituição Federal/88. Esse fato histórico dividirá o Sistema Tributário Nacional em duas etapas: antes e depois da PEC/45.
Quais seriam os Prós e os Contras da PEC 45/19?
VANTAGENS
I) Simplificação do Sistema Tributário Nacional
A PEC 45 simplifica o regime tributário ao adotar o modelo IVA dual, um Subnacional compartilhado entre Estados e Municípios (IBS) e outro de competência da União (CBS), tornando o sistema mais transparente e facilitando o cumprimento das obrigações acessórias para os contribuintes. O fato de reduzir as atuais 27 legislações do ICMS e as 5.570 do ISS numa única norma jurídica será uma vitória contra a burocracia tributária. Haverá, ainda, redução drástica de alíquotas, tendo em vista o excessivo rol de alíquotas do ICMS (4%, 7%, 12%,18%, 25% e 38%).
Entretanto, há críticas a essa abordagem com base no histórico do SIMPLES NACIONAL (alíquota desvantajosa para certas empresas, recolhimento com base no faturamento e não no resultado: lucro/prejuízo).
De simples, restou tão-somente o rótulo.
II) Encerramento da Guerra Fiscal: Conquista ou Retrocesso?
Guerra fiscal consiste na competição entre Entes da Federação (Estados/DF X Estados – Municípios X Municípios) visando atrair investimentos mediante benefícios fiscais. Trata-se de política tributária em vigor no Brasil e nos EUA (Texas X Califónia X Flórida). Estados/DF tentam atrair novos investimentos industriais e comerciais oferecendo benefícios fiscais, com o objetivo de incrementar o desenvolvimento econômico do Estado, reduzir as desigualdades regionais e sociais, com reflexos positivos na renda e na geração de emprego (busca do pleno emprego).
Para muitos, a PEC/45 será uma conquista, pois se evita distorção no ambiente de negócios; enquanto para outros, trata-se de retrocesso em razão da perda parcial da autonomia dos Estados em matéria fiscal, engessando a política fiscal local. A guerra fiscal atual consiste na tributação na origem (benefícios fiscais). No futuro, provavelmente haverá uma inversão no foco da guerra fiscal, isto é, as Esferas Federativas concederão vantagens tributárias no destino (local do consumo do produto / serviço). A reforma reforça o pacto federativo, ao preservar o equilíbrio horizontal na tributação (Princípio da Isonomia Tributária).
Há certo ceticismo com relação ao Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), em razão da Lei Kandir (LC 87/96) que isentou o ICMS incidente sobre as exportações, com vistas a estimular as exportações e aumentar a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional. Todavia, a Lei Kandir resultou em perdas bilionárias de receitas para os Estados exportadores (MG, SP, BA, RS, PR), tendo em vista que o ICMS é o imposto mais significativo para os governos estaduais/DF. Por lei, a União deveria compensar tais perdas. Somente com o advento da Lei Complementar 176/2020, acordado entre União e Estados/DF, que encerrou o litigio judicial (STF) envolvendo a desoneração das exportações. Foi-se necessário, pois, aguardar vinte e quatro anos (1996/2020). E a atual reforma conseguirá eliminar a guerra fiscal com o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR)? Só o tempo dirá!
III) Estímulo ao Investimento
A redução da burocracia aliada com a simplificação do sistema tributário são pré-requisitos para atração de investimentos, aumento da competitividade e na maior eficiência econômica.
DESVANTAGENS
A PEC 45 impactará setores da economia e classes sociais de forma desproporcional. Certos setores serão beneficiados (Indústria / Unidade Federada com perfil excessivo de consumidores e carente de produtores) em detrimento de outros prejudicados (Serviços/ Agropecuário / Pequeno e Médio empresários / trabalhadores autônomos e profissionais liberais), ocasionando reflexos negativos no investimento, na renda e no nível de emprego.
I) Efeitos Inflacionários
A transição para uma nova Ordem Tributária levará a um período de adaptação para as empresas, possibilitando ajustes nos preços das mercadorias/serviços para fins de compensação do incremento de custos que serão repassados para o consumidor final, podendo resultar em um aumento temporário da inflação. Trata-se dos efeitos negativos da reforma.
II) Pacto Federativo Desidratado
O Estado Federal adotado pelo Brasil vem sendo mitigado há tempos. A cada dia, a Forma de Estado se afasta da Federação e aproxima-se de Estado Unitário (China). A propósito, até a CF/88, o julgamento de governadores competia aos Tribunais de Justiça Estaduais. Hoje, tais autoridades são julgadas, por crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ. Outrora, placa de veículo reportava-se ao local de emplacamento: Salvador-BA, atualmente, refere-se ao Mercosul. No Direito Comparado, constata-se que o Estado da Flórida (EUA) oferece placas de veículos especiais para várias organizações em apoio às causas que representam (defesa da natureza, saúde, educação, militar...). O dinheiro arrecadado com a venda dessas placas vai direto para a organização. Desde o início, o programa foi um sucesso, transferindo milhões de dólares para as ONGs. Pegando a corona nessa ideia, muitas placas de veículos são identificadas com a característica do Estado, tais como: New York (“Empire State”), Florida (“Sunshine/Orange State”), New Jersey (“Garden State”). Imagine o benefício para o Terceiro Setor caso tal iniciativa fosse implementada no Brasil (ONG, APAE)? E o impacto para o desenvolvimento do turismo nacional, com as placas dos veículos identificadas com a característica do Estado: MG (Estado das Montanhas), RS (Estado dos Pampas), CE (Terra do Sol)? BA (Costa do Descobrimento). Do setor de Serviços, o Turismo é imprescindível para abertura de mão-de-obra (direta/indireta), bem com impulsiona diversos setores (desde hotelaria, alimentação, transporte, entretenimento, investimento na infraestrutura, passando pelo artesanato e intercâmbio cultural e, chegando até a conscientização sobre a preservação ambiental).
Com o advento da PEC 45/19, a competência tributária dos Governadores e Prefeitos será compartilhada com o Conselho Federativo que cuidará do IBS, cuja implantação será destinado milhões de reais da arrecadação do futuro IBS. Este “Conselhão”, espécie de Agência Tributária Nacional, abalará a competência dos Estados/DF e Municípios em matéria tributária (pela lógica, esvaziará o Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ). Eventualmente, assistiremos - ao vivo e a cores - o “remake” da tragédia grega, com o seguinte roteiro: Governadores e Prefeitos com pires na mão em frente à Praça dos Três Poderes? Espera-se que tal profecia não se cumpra. Fica registrado o alerta.
III) Alíquota Fantasma do IBS (“Phantom Tax Rate”)
A sociedade contemporânea é fluida e dinâmica, em razão da globalização, das constantes e rápidas mudanças e incertezas futuras advindas dos avanços tecnológicos. Parafrasendo o filósofo Zygmunt Bauman, o Imposto sobre Bens e Serviços-IBS será um Imposto Líquido, em razão da ausência de fixação da alíquota-base, calibragem das alíquotas visando a manutenção da carga tributária, gerando insegurança jurídica. No Direito Tributário, alíquota representa a porcentagem aplicada sobre a base de cálculo do imposto para determinar a quantia a ser recolhida para o Fisco.
A título de curiosidade, qual seria a alíquota-base do IBS?
A ideia é estabelecer uma alíquota única para todo o país, eliminando as diferenças de alíquotas entre os impostos vigentes. Atualmente, o ICMS corresponde ao maior imposto arrecadado no Brasil, de competência dos Estados/DF. O ICMS incide sobre a circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação. No Brasil, as alíquotas básicas (internas) do ICMS variam de Estado para Estado (situa-se entre 17% a 20%). Ocorre que somente o segmento de combustível representa 10% da arrecadação de muitos Estados e possui carga tributária superior à alíquota-base, assim como os Serviços de Utilidade Pública, sem citar o Fundo de Combate à Pobreza (em torno de 2%). O ISS, a seu turno, possui alíquotas menores, em média 5%. O IBS será a fusão ICMS + ISS. Trata-se da versão nacional do Imposto sobre o Valor Adicional (IVA), adotado para a tributação do consumo de bens e serviços. Pela proposta, o IBS terá alíquota-base que contemple a unificação dos impostos sobre consumo (bens e serviços). Estudo que apresenta alíquota-base módica encontra-se subestimado. E quanto maior forem as exceções à regra geral do IBS, maior será a alíquota efetiva para os demais setores não beneficiados. Provavelmente, a alíquota-base do IBS será a maior do mundo e entrará para o “Guinness Book”. A título de curiosidade, alguns arriscam algo em torno de 25 a 37%. Durma-se com um barulho desses!
IMPOSTO SELETIVO - IS (“Excise tax”/ “Sin tax”)
O Imposto Seletivo (IS) corresponde ao IPI com novas roupagens. Será um tributo especial sobre o consumo que incidirá - em tese – sobre produtos com potencial lesivo à saúde do consumidor ou ao meio ambiente. Por conter expressões semânticas vagas, o fato gerado poderá abranger desde bebidas alcoólicas, tabaco/cigarro, combustíveis não renováveis (fósseis), refrigerante, farinha de trigo, açúcar (e adoçante com aspartame?), alimentos não saudáveis (“junk food”/ “fast food”), até veículos (e por que não jatos executivos e Helicópteros?), passando por apostas de loteria (Ludopatia provoca graves consequências para o indivíduo: financeiras, sociais, físicas e emocionais) e, finalmente chegando à carne vermelha (Insetos serão poupados por enquanto, pois supostamente não emitem gazes “responsáveis pelo agravamento do efeito estufa”), sorvetes, doces, chocolates (o que seria prejudicial: o cacau ou açúcar presente no produto?), café e leite (coitados dos mineiros!).
Por detrás da ideia do imposto do pecado, há duplo sentido: incrementar a arrecadação e desencorajar o consumo visando à proteção da saúde e a redução de doenças relacionadas ao tabaco, obesidade e consumo excessivo de álcool, particularmente entre a população vulnerável (jovens, pessoas de baixa renda). No mais, seguirá o “modus operandi” do IPI, isto é, o imposto recairá sobre as importações e não incidirá nas exportações, e a repartição de sua arrecadação observará o atual modelo.
O Estado laico, por ironia do destino, criará o “Imposto do Pecado”.
LEI ORGANICA DO FISCO – LOF
A elaboração de Lei Orgânica do Fisco – LOF é condição “sine qua non” para o sucesso do IBS, em razão das diversas Administrações Tributárias existentes e da competência continental para exercer com eficiência sua atribuição. Faz-se necessário organizar a Carreira Típica de Estado do Fisco, com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. A LOF estabeleceria a estrutura administrativa, as garantias, prerrogativas, vencimentos/vantagens, direitos/deveres. Atualmente, pairam muitas dúvidas, tais como: requisitos para o exercício das funções, constituição do crédito tributário, estratégia de fiscalização de Grandes, Médios e Pequenos contribuintes?
“A contrario sensu”, como legitimar as ações fiscais de forma cooperativa e compartilhada com demais Entes Federados?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema tributário sobre o consumo é complexo, regressivo e injusto. A reforma tributária deveria alinhar-se com às melhores práticas internacionais, ao privilegiar a simplificação do sistema, velar pela sua neutralidade, otimizar a arrecadação, impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável e promover a justiça fiscal.
Na Seara Tributária, a depender da alíquota-base do IBS (acima dos 25%), o imposto será ineficiente, porque estimulará a evasão fiscal e a sonegação, por meio de prestação de serviço/comercialização de mercadorias sem a correspondente emissão de documentação fiscal, subfaturamento ou outras fraudes fiscais. Ademais, a burocracia tributária do IBS facilitará o trabalho dos lobistas, pois ao invés de viajar pelo Brasil afora, do Oiapoque ao Chuí, atravessando os 27 Estados/DF e os 5.570 municípios, bastará agendar uma visita na antessala do “CONSELHÃO”, cuja sede será próxima a um palácio em Brasília.
A PEC 45/19 escorregou na origem, tornando-se deficitária ao destinar bilhões de reais para a viabilizar a instituição de Fundo de Compensação (de duvidosa eficácia) para encerramento da Guerra Fiscal, a implantação do futuro “Conselho Federativo” (responsável pela gestão do IBS) e a introdução de “Jabutis” na Reforma (art. 20: possibilidade dos Estados criarem nova contribuição para os segmentos de petróleo, mineração e agropecuária), violando o Princípio da Pertinência Temática, visto que o espírito da reforma consiste em simplificar os tributos existentes e não criar novos imposto ou encargos, aumentando as incertezas fiscais. Tais situações inviabilizam o debate público e a compreensão exata dos impactos dessa medida legislativa, além de gerar polêmicas e justos questionamentos sobre a transparência e a qualidade do processo legislativo. Como diria o político: “jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente” (Ulisses Guimarães). Em Economia, não existe almoço de graça. Alguém pagará a conta e, provavelmente, esse alguém será o rico contribuinte brasileiro. Tudo em nome da “Simplificação de tributos”.
Espera-se, enfim, que o Senado Federal reduza os ruídos da reforma, reveja o poder exorbitante do “Conselho Federativo”, extirpe as exceções inoportunas a taxação do IBS e fixe “a priori” a alíquota máxima do IBS/CBS, em homenagem aos Princípios da Não-Surpresa tributária, da Publicidade, da Legalidade, da Razoabilidade, da Proporcionalidade e da Segurança Jurídica.
Como diria William Shakespeare: “Há algo estranho na Reforma Tributária”.
(*)Auditor Fiscal do Estado da Bahia, ex-Analista de Fi nanças do Tesouro Nacional (Brasília) – graduado em Direito (UDF) e em Ciências Contábeis (UnB) – Especialista em Direito Público (UnP).
E-mail:renatoa@sefaz.ba.gov.br
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