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Tributação dos Atos Ilícitos

TRIBUTAÇÃO DOS ATOS ILÍCITOS

"Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21)

1 INTRODUÇÃO

A tributação de atos ilícitos constitui um dos temas mais polêmicos da atualidade. A jurisprudência, a seu turno, é ainda incipiente e, muitas vezes, vacilante quanto à matéria (salvo, raras exceções). Já a doutrina apresenta total divergência sobre o assunto, uns defendendo a sua exação enquanto outros a rejeitam. Neste cenário, discorreremos sobre as diversas aplicações da cláusula "non olet" previstas no ordenamento jurídico nacional, mormente na seara fiscal, assim como na jurisprudência, expondo, inclusive, determinados pontos de vista estritamente pessoais.
Com efeito, este artigo visa demonstrar a possibilidade jurídica da tributação de atividades ilícitas com fundamento no Princípio da Isonomia Tributária, particularmente na cláusula tributária pecúnia "non olet" (dinheiro não tem cheiro), dos romanos.
Com o advento da técnica do tributo "non olet", o Fisco vem desconsiderando os efeitos dos comportamentos ilícitos ou imorais, pois o sonegador – em regra – transforma recursos ganhos em atividades ilegais (corrupção, economia informal, tráfico de drogas, corrupção, prostituição, contrabando, terrorismo, seqüestro, jogos de azar, curandeirismo…) e em ativos (sinais exteriores de riqueza) com uma origem aparentemente legal, no caso da lavagem de dinheiro.
A dissimulação constitui a base para toda operação de atividades ilícitas que envolva recursos provenientes de quaisquer condutas anteriormente contrárias ao ordenamento jurídico vigente no país. Esse "modus operandi" envolve geralmente múltiplas transações comerciais e financeiras, utilizadas para fugir à tributação legal, permitindo a impunidade do sonegador na seara fiscal.
Ultimamente, verifica-se que a sonegação fiscal e os delitos correlatos (lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico de drogas, terrorismo…) extrapolaram o seu âmbito de ação (anteriormente regionais ou locais) para a escala mundial, em decorrência da globalização e facilidades advindas da internet (rede mundial de computadores).
Em virtude da clandestinidade das condutas ilícitas ou imorais, inúmeros países vem se preocupando com o combate à sonegação fiscal, notadamente com a tributação advinda de atividades ilícitas, destacando-se o seu elevado valor ético.

2 CLÁUSULA TRIBUTÁRIA "NON OLET"

Historicamente, o Princípio "non olet" (sem cheiro), também conhecido como Princípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador, nasceu na Roma Antiga. O imperador romano Vespasiano havia instituído um tributo sobre a utilização dos banheiros públicos; todavia, seu filho Tito sugeriu-lhe a revogação da nova exação fiscal em virtude de sua "suposta" origem espúria. O imperador, por sua vez, segurando uma moeda indagou-lhe: ?olet?? (tem cheiro?) e o filho respondeu: ?non olet?! (não tem cheiro!).
A tributação das atividades ilícitas encontra-se respaldada pela Cláusula Tributária Pecúnia "Non Olet" (dinheiro não tem cheiro), instituída pelos juristas Otmar Buhler e Albert Hensel.
A tutela legislativa da tributação dos atos ilícitos encontra-se na própria Constituição Federal, mormente nos Princípios da Isonomia Tributária (art. 150, II, da CF/88) e da Capacidade Contributiva (art. 145, § 1º, CF/88), bem como na legislação ordinária, particularmente nos artigos 118 e 126, do Código Tributário Nacional-CTN (Lei 5.172/66).
O artigo 118, do Código Tributário Nacional, consigna:
"A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I- da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II- dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos."

O saudoso mestre Aliomar Baleeiro, comentando o artigo 118, do CTN, declarou:
"A validade, invalidade, nulidade, anulabilidade ou mesmo a anulação já decretada do ato jurídico são irrelevantes para o Direito Tributário. Praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária prescreve como fato gerador, está nascido a obrigação para com o fisco. E essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato. Se nulo ou anulável, não desaparece a obrigação fiscal que dele decorre, nem surge para o contribuinte o direito de pedir repetição do tributo acaso pago sob invocação de que o ato era nulo ou foi anulado. O fato gerador ocorre e não desaparece, do ponto de vista fiscal, pela nulidade ou anulação".

Já o artigo 126, do CTN, consagra:
"A capacidade tributária passiva independe:
I- da capacidade civil das pessoas naturais;
II- de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios;
III- de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional."

Destarte, pouco importa para o Fisco se o fato gerador do imposto decorre de fonte lícita ou ilícita, de ato imoral ou não, de ato nulo ou anulável, criminoso ou não. Diante desse fato incontroverso, isto é, a ocorrência do fato gerador, a receita da tributação encontra-se desvinculada das características do próprio fato tributado e a ninguém se escusa da obrigação tributária, nos termos dos artigos 118 e 126, do CTN.
Ressalte-se que não se deve confundir a inadmissibilidade da cobrança do tributo como sanção por ato ilícito com a possibilidade de tributação de rendimentos auferidos por meio de atividades ilícitas, nos termos do artigo 118, do Código Tributário Nacional (cláusula tributária "non olet"). Assim, proíbe-se a incidência tributária que preveja, como fato gerador de um tributo qualquer, uma conduta ilegal, em virtude do óbice contido na própria definição de tributo (artigo 3º, do CTN), que assevera:
"Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada"(grifo nosso).
Em regra, é nulo o negócio jurídico quando for ilícito o seu objeto (art.166, II CC). A par dessa norma, ato ilícito, por definição legal (art. 3º, CTN), não é fato gerador de tributo, mas tão-somente suporte fático para a sanção fiscal.
Todavia, o ordenamento jurídico contemporâneo vem mitigando tal preceito legal. Em razão disto, o próprio Código Civil excepciona tal regra em caso de torpeza (arts. 105, 150… CC), quando o vício é alegado pela própria pessoa que o praticou, vindo a se beneficiar. Ademais, são ilícitas, nos termos do art. 187, CC (interpretado a contrario sensu), os atos praticados no exercício irregular ou amoral de um direito, como abusivo.
Vê-se, assim, que a nulidade do ato não seria relevante para o ramo fiscal, de acordo com o caráter ético do direito. Isto posto, significa que as nulidades acaso existentes nos atos são irrelevantes para a Fazenda Pública, não estendendo suas conseqüências ao Erário. Trata-se, pois, da Teoria da Desconsideração dos Efeitos das atividades criminosas, ilícitas ou imorais. De tal sorte que o art. 184, CC prevê: "Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida…"
Contudo, existem entendimentos contrários, ou seja, doutrinadores que pugnam pela impossibilidade de tributação dos atos ilícitos devido à incompatibilidade desta com os fins da Ciência Jurídica.
Para esta corrente doutrinária, a Receita do Erário é nobre, não devendo, portanto, ser oriunda de atividades obscuras. De tal sorte que os fins jamais justificam os meios. Outro argumento dessa teoria diz respeito à ética estatal, isto é, ao tributar os rendimentos da atividade ilícita, o Estado estaria "pari passu" sancionando conduta ilegítima, comportando-se como se fosse co-autor do negócio espúrio praticado. Filiam-se ao mesmo raciocínio desta teoria os seguintes doutrinadores: Mizabeu Derzi, Parlato, Mita, Bari, Tesoro, dentre outros.
Fato, aliás, que causa espécie, vez que as aludidas teses (embora sedutora) colidem frontalmente com o regime do Estado Democrático de Direito, particularmente com os Princípios da Isonomia Tributária, Capacidade Contributiva, Moralidade, Proporcionalidade, Impessoalidade, Eficiência, Razoabilidade, Prevalência do Interesse Público, Solidariedade Fiscal, Enriquecimento Sem Causa, dentre outros.
Ademais, a tributação das atividades ilícitas traz as seguintes conseqüências:
i) evita-se o enriquecimento sem causa do agente à custa do imposto sonegado;
ii) lançamento de ofício do tributo sonegado, ainda que fixado por arbitramento da base de cálculo, levado a cabo pela fiscalização, baseado em critérios objetivos;
iii) incentiva a concorrência leal e a livre iniciativa, sem produzir locupletamento alheio proveniente do negócio sem risco;
iv) repercussão pública (pressão psicológica).

3 INSTITUTO "NON OLET" E FIGURAS AFINS

Embora o Princípio "non olet" seja genuinamente originário do Direito Tributário (Princípios da Isonomia e da Capacidade Contributiva), tal postulado também se relaciona com diversos institutos afins dos demais ramos do Direito positivo brasileiro, tais como: Constitucional, Civil, Penal, Econômico, Processual Civil e Processual Penal.
No tocante ao Direito Civil, o preceito "non olet" relaciona-se com os princípios da Boa-Fé Objetiva, Não Torpeza, Lealdade e da Proibição do "venire contra factum proprium". Atualmente, o ordenamento jurídico vela pela aplicação do Princípio da boa-fé objetiva nas relações jurídicas cíveis, com reflexos no campo tributário, trabalhista, comercial…
Em virtude da Tutela da Confiança, vigora a regra da inadmissibilidade de comportamento contraditório, consagrada na Teoria "venire contra factum proprium" (vir contra fato próprio). A título exemplificativo, pode-se citar o caso do político corrupto que recebe propina, em virtude de uma obra pública. Nestas condições, esse político (sujeito passivo da obrigação tributária) realizou o fato gerador de um tributo (auferimento de rendimentos tributáveis), e não poderá se opor – portanto – às conseqüências jurídicas dessa prática (declaração e recolhimento de IR), em virtude das expectativas legítimas do Fisco (de Boa-fé, de Lealdade, de Solidariedade Fiscal, de Planejamento Orçamentário, dentre outras).
Em razão disto, ele será considerado como contribuinte de fato e de direito do Imposto de Renda para todos os efeitos legais. Em suma, prestigia-se a conduta correta, ao passo que se repele a má-fé objetiva. Trata-se, pois, do princípio geral da execução de boa-fé do contrato que está na base da disciplina contratual.
No que concerne ao Direito Civil (arts. 105, 150… CC), consigna que não é dado a ninguém alegar a sua própria torpeza em seu benefício, isto é, quando o vício (ilegalidade, imoralidade…) é alegado pela própria pessoa que o praticou, vindo a se beneficiar.
Quanto ao Direito Processual, correlaciona-se com o Princípio da Não Torpeza, ou seja, não podendo invocar a nulidade do ato aquele que o praticou valendo-se da própria ilicitude para desfazer o negócio (art. 243, CPC).
No que concerne ao Processo Penal, mutatis mutandis, adotou-se a Teoria "venire contra factum proprium" (vir contra fato próprio) para o caso de pedido de indenização em Revisão Criminal por erro imputável ao réu; senão, vejamos:
"A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder". (art. 630, § 2º, a, CPP).
No que toca ao Direito Econômico, relaciona-se com a Livre Concorrência (art. 170, IV, CF/88). Suponha-se que uma fábrica clandestina de cigarros comercialize seus produtos no mercado. Tal estabelecimento industrial, que opera irregularmente, prejudica a livre concorrência no seu segmento de mercado, pois as demais concorrentes (Souza Cruz…) obrigam-se ao recolhimento mensal do ICMS, IPI, dentre outros, e portanto apresentarão preço final do produto bem mais elevado se comparado com o da fábrica clandestina, configurando-se uma concorrência desleal, decorrente da vantagem adicional pela exoneração fiscal decorrente. Portando, jamais pode invocar em seu favor tal circunstância (clandestinidade) para furta-se ao pagamento de tributos que incidem sobre suas atividades industriais.

4 CONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO DE ATOS ILÍCITOS

A Constituição Federal de 1988 consagrou o Estado Democrático de Direito fundado em quatro pilares, dentre os quais destacou a Isonomia a par da Dignidade da Pessoa Humana.
Neste contexto, a tributação das atividades ilícitas encontra-se plenamente compatível com a Constituição Federal de 1988, mormente com os Princípios da Isonomia Tributária, da Capacidade Contributiva, da Moralidade Administrativa e da Solidariedade Fiscal, dentre outros.
A Magna Carta inovou sobremaneira o ordenamento jurídico nacional em vigor até então, inclusive com reflexos tributários em relação ao Estado-lesado, a seguir discriminados:

4.1 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FISCAL

O postulado da Solidariedade (art. 3º, I, CF) encontra-se fundamentado no texto constitucional que consigna:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária"(Grifo nosso).
Em razão disto, a Constituição prevê que todos devem pagar tributos. Nestas condições, toda a sociedade deve ser tributada indiscriminadamente com vistas a prover o Erário de recursos públicos para viabilizar financeiramente o desenvolvimento do Estado.
Com efeito, desde que configure uma unidade econômica ou profissional, os rendimentos obtidos pelo contribuinte serão tributados independentemente da sua origem. O que importa para o Direito Tributário é o fato jurídico próximo. Nestes termos, a aquisição de renda é suficiente para nascer a obrigação tributária de se pagar o IR, sem questionamentos sobre sua procedência (imoral, ilícita, criminosa…).
Assim, o agente-sonegador que incorre em atividades ilícitas deverá, necessariamente, responder pelos danos ao Fisco que sua conduta jurídica ocasione (sonegação).

4.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA

O artigo 5º, "caput", da Constituição Federal, afirma que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…". Trata-se, pois, de Norma Constitucional conhecida como Isonomia Genérica, a exemplo de outros dispositivos previstos na Lei Maior, tais como: Preâmbulo Constitucional; artigo 3º, inciso IV e artigo 5º, inciso I. O fundamento deste postulado decorre dos ideais da Revolução Francesa (Igualdade, fraternidade e liberdade). Segundo Aristóteles, "igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais", na medida em que se desigualam.
Veda-se, portanto, a concessão de tratamento favorável para aquelas pessoas físicas ou jurídicas que praticam condutas econômicas criminosas, imorais ou ilícitas (sonegadores contumazes), tendo em vista os demais contribuintes que agem licitamente (recolhendo seus tributos) e recebem tratamento fiscal mais oneroso, sob pena de caracterizar impunidade fiscal, em flagrante violação ao Princípio da Isonomia Tributária, o que revelaria um paradoxo tributário.
No campo tributário, o postulado da Isonomia Fiscal veda aos Entes Federativos: "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos." (art. 150, II, da CF/88).
Com o advento da Carta de 1988, o legislador constituinte teve em vista a concessão indiscriminada de isenções vigentes até então, quer seja em razão das classes profissionais (leia-se militar, juiz, parlamentar e jornalista), quer seja em virtude da denominação dos rendimentos (diárias, ajudas de custo, jetons, auxílio moradia, verbas para renovação do paletó, transporte et caterva, verbas de representação, dentre outras). Vale recordar que na vigência da Carta de 1967, excluíam-se da base de cálculo do IRPF as seguintes rubricas: diárias e ajudas de custo (jetons, auxílio-moradia, verbas para renovação do paletó, transporte, verbas de representação et caterva), caracterizando – por si só – ofensa a Isonomia. Todavia, tal prática era aceita pacificamente pela lei, doutrina e jurisprudência então vigente, com raras exceções.
Com efeito, este novo postulado fiscal é bastante salutar, pois se evita o privilégio de certas castas sociais em detrimento da população em geral, ao vedar tratamento desigual entre contribuintes que se encontre em situação equivalente, proibindo, pois, distinção em razão de ocupação profissional ou em função exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, sob pena de fazer tabula rasa do sistema tributário nacional.

4.3 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O Princípio da Capacidade Contributiva (art. 145, § 1º, CF) encontra-se umbilicalmente entrelaçado com o postulado da Isonomia.
O Postulado da Capacidade Contributiva significa que "Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte…" (grifo nosso), com fundamento no artigo 145, parágrafo 1º, da Magna Carta de 1988.
Trata-se, pois, de Norma Programática constitucional que objetiva a promoção da justiça social, no âmbito fiscal. A atividade desenvolvida pelo autor do negócio ilícito implica, por sua natureza, fato gerador tributável, nos casos especificados em lei.
Este princípio refere-se à aptidão para suportar o ônus tributário decorrente do recolhimento de determinado tributo. A capacidade dos indivíduos de acumular riquezas se manifesta sob o prisma do consumo, renda ou patrimônio.
Nestas condições, caso um indivíduo obtenha rendimentos vultosos provenientes de atividades ilegais, será considerado, para todos os efeitos legais, contribuinte do IR, sendo, portanto, devedor da obrigação tributária principal (dever jurídico de efetuar o recolhimento do tributo), bem como da obrigação acessória (obrigação de transmitir a declaração anual do IR).
A Capacidade Contributiva se exterioriza nos postulados da Progressividade do IRPF (alíquotas diferenciadas: isentos, 15% e 27,5%) e na Seletividade do IPI e ICMS (mercadorias da cesta básica e produtos supérfluos). Em suma, paga-se mais quem ganha mais e menos…
Admite-se, portanto, a tributação sobre a renda proveniente de atividades ilícitas, vez que se tributa a renda e não o delito. Ademais, não seria aceitável deixar de tributar que aufere renda ilicitamente, ao passo que aquele que o faz licitamente encontra-se obrigado, por lei, a contribuir para os cofres públicos.

4.4 PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O Princípio da Moralidade Administrativa (art. 37, caput, CF) diz respeito à probidade na Administração, ou seja, impõe ao administrador público a prática de honestidade na conduta estatal.
Nestas condições, é irrelevante para efeito de tributação a ilicitude do negócio jurídico (prostituição, jogo do bicho, tráfico de drogas…) levado a cabo pelo sonegador. A "contrario sensu", seria imoral a conduta estatal que deixasse impune o sonegador por razões de práticas ilegais, imorais ou criminosas, sob pena de constituir um salvo-conduto para se furtar à tributação imposta a todos.
Com efeito, o postulado da Moralidade contempla a cláusula "non olet", instrumento adequado à preservação dos cofres públicos, pois deixar o agente do negócio ilícito (sonegador) sem sanção jurídica (tributação), sem dúvida, é injusto e antijurídico, haja vista que feriria o princípio geral da obrigação anti-lesiva para o fisco-lesado.
Na seara fiscal, veda-se, portanto, a concessão de tratamento favorável para aquelas pessoas físicas ou jurídicas que praticam negócios econômicos criminosos, imorais ou ilegais (sonegadores contumazes), tendo em vista os demais contribuintes que agem licitamente (recolhendo seus tributos) e recebem tratamento fiscal mais oneroso, sob pena de caracterizar impunidade fiscal, em flagrante violação ao Princípio da Moralidade Administrativa, o que revelaria um contra-senso jurídico.
Observa-se atualmente uma intensa preocupação com a ética nas relações jurídicas perpetradas pelos contribuintes, como também pelo Erário, pois não é justo que o responsável pelo negócio jurídico tributável (sonegador) permanecesse livre de tributação. Ademais, para convencer alguém a se abster da violação de um preceito, o direito o adverte com a imposição de um mal maior do que aquele que lhe ocorreria com a observância do preceito. Trata-se de aspecto pedagógico que não se volta somente contra o ofensor (sonegador), mas, de certa forma, para toda sociedade.

5 CASOS PRÁTICOS À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA

De início, cumpre esclarecer que os tribunais – paulatinamente – vêm admitindo a tributação de atividades criminosas, ilícitas ou imorais. Admite-se, pois, a tributação sobre a renda proveniente de atividades ilícitas, além de responder o infrator pelo crime contra a ordem tributária (Lei 8.137/90). Essa orientação vem sendo seguida paulatinamente pelos magistrados de todo o país, gerando uma reprovação desejável na jurisprudência moderna dos tribunais.
Com efeito, pode-se verificar a incidência tributária desses atos ilícitos em praticamente todos os tributos em geral, notoriamente no Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza-IR, bem como no Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação-ICMS, dentre outros.
Desse modo, cumpre assinalar diversas situações passíveis de tributação de condutas ilícitas no terreno tributário.

Na seara do IR, temos como exemplos:
– Renda auferida por tráfico de entorpecentes, de armas, de pessoas, prostituição, terrorismo, corrupção, seqüestros, contrabando, jogos de azar, clínicas de aborto, exploração de lenocínio… sujeita-se à tributação, sendo irrelevante sua origem ilícita.
Na esfera do ICMS, diga-se de passagem, imposto mais importante da Federação (em termos de arrecadação por parte dos vinte e seis Estados e o Distrito Federal), a título exemplificativo, poderíamos citar as seguintes situações práticas passíveis de cobrança do ICMS:
– Apreensão de cargas roubadas, venda de mercadoria por louco ou menor, ligação telefônica levada a cabo por organizações criminosas, transporte de mercadorias para clínica de aborto, importação de mercadorias sob coação, consumo de energia relativo a imóvel utilizado por terroristas…
No campo do IPTU, cita-se a hipótese de cobrança dessa exação relativo à ocupação ilegal de área de preservação ambiental.
A jurisprudência dos tribunais superiores (STF e STJ) admite tal tese fiscal em prol da Isonomia Fiscal (STF, HC 77530/RS; STJ, HC 7.444/RS; TFR-4, AC 200004011274888; TRF-4, AC 200271000166146/07).

6 DIREITO COMPARADO

Considerando que a maioria dos países tem se preocupado com o combate à sonegação fiscal, as legislações alienígenas vêm dando tratamento idêntico à cláusula "non olet", sob a ótica do Direito Tributário. Ademais, a sonegação fiscal, atualmente, relaciona-se com outros delitos de natureza grave, tais como: lavagem de dinheiro, corrupção, narcotráfico, seqüestro e terrorismo etc.
Somente com a cooperação entre os países e entre os fiscos (federais, estaduais, municipais), bem como com o trabalho articulado com outros organismos governamentais (Banco Central, COAF, Detran, Cartórios imobiliários, órgãos internacionais…) será possível conter a ação desonesta dos sonegadores contumazes, amparados supostamente pela imunidade fiscal relativa aos negócios ilícitos praticados. E um dos instrumentos mais eficazes no combate à sonegação fiscal refere-se à cláusula tributária "non olet".

7 CPMF: INSTRUMENTO EFICAZ DA CLÁUSULA "NON OLET"

A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF constituía um dos melhores instrumentos de aplicação da cláusula "non olet" de que dispunha a Administração Tributária (no caso, federal) com vistas a combater a evasão fiscal. Ela incidia sobre todas as movimentações bancárias, exceto negociação de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas-correntes de mesma titularidade. Os dados coletados da CPMF podem caracterizar fortes indícios de evasão fiscal.
Embora a CPMF exista há mais de dez anos, somente em 2001, com a edição da Lei 10.174/2001 (sancionada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso-FHC), permitiu-se o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes. Identificaram-se diversos contribuintes declarados isentos do IR e, ao mesmo tempo, movimentavam milhões em sua conta bancária. Conclusão: sua declaração desaguava automaticamente na malha fina da Receita. Em suma, com base no montante do tributo pago durante um período, é possível estimar a renda de uma pessoa física ou o faturamento de uma empresa.
Desse modo, a partir de 2001, a Receita Federal passou a poder usá-la como ferramenta de combate à sonegação fiscal. "Até então, a Receita tinha a informação, mas não podia usá-la. No mesmo corpo, uma mão não podia se comunicar com a outra", comentou Jorge Rachid, secretário da Receita Federal.
Segundo o secretário Rachid, a utilização da CPMF em processos de fiscalização ajudou o Fisco, entre 2001 e agosto de 2007, a lançar crédito tributário de R$ 41 bilhões, valor superior a um ano de arrecadação da contribuição. Do total de créditos tributários de pessoas físicas lançados no período analisado, 56% foram feitos a partir de informações sobre movimentação financeira dos contribuintes. Isso gerou, segundo Rachid, crédito em favor da União de R$ 15 bilhões. No caso das pessoas jurídicas, o percentual foi de 13% dos créditos lançados, gerando R$ 26 bilhões. Nas operações de fiscalização especial de empresas, feitas em conjunto com a Polícia Federal, o percentual de créditos lançados a partir da contribuição chegou, segundo o secretário, a 28% no ano passado.
"A CPMF nos fornece informação bastante relevante para ajudar na seleção de contribuintes", explicou Rachid, em entrevista ao Valor. O tributo ajuda, por exemplo, a identificar empresas que se declaram inativas, mas têm movimentação financeira. O mesmo raciocínio vale para pessoas físicas que dizem ser isentas do Imposto de Renda, mas movimentam recursos em bancos.
Desprezando-se a questão financeira da CPMF, o seu ressurgimento constitui uma necessidade vital para o bom andamento do combate à evasão fiscal, à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, na opinião de muitas autoridades públicas (juízes, procuradores, delegados, promotores…). A futura CPMF, com uma alíquota simbólica (0,01%), deixará de ter objetivos fiscais arrecadatórios (R$ 40 bilhões/ano), para servir de instrumento extrafiscal de combate à economia informal com seus reflexos nefastos (concorrência desleal, evasão de divisas, corrupção, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, enriquecimento sem causa, crime organizado etc), mas indiretamente poderá incrementar a arrecadação do IR por força de cruzamento de informações entre os bancos de dados da Receita Federal do Brasil (IR X CPMF). "Foi pela movimentação financeira acusada pela CPMF que se chegou aos laranjas das contas CC5", afirma João Marques Brandão Neto, procurador da República em Santa Catarina. A bem da verdade, cumpre esclarecer que parte do empresariado nacional (banda pobre) se insurgiu contra esta poderosa ferramenta fiscal não pelo dano tributário que a contribuição acarreta, mas por seu poder fiscalizatório.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tributação de atos ilícitos possui como fundamento a cláusula tributária pecúnia "non olet"(dinheiro não tem cheiro), dos romanos. O tributo "non olet" consiste na cláusula tácita inerente a todo ordenamento tributário.
Embora o Princípio "non olet" seja genuinamente originário do Direito Tributário (isonomia tributária, capacidade contributiva, solidariedade fiscal), tal postulado também se relaciona com diversos institutos afins dos demais ramos do Direito, tais como: princípios da boa-fé objetiva, não torpeza, lealdade e da proibição do "venire contra factum proprium", livre concorrência, dentre outros.
A base jurídica para a tributação dos atos ilícitos encontra-se na própria Constituição Federal, mormente nos Princípios da Isonomia Tributária (art. 150, II, da CF/88) e da Capacidade Contributiva (art. 145, § 1º, CF/88), bem como na legislação ordinária, particularmente nos artigos 118 e 126, do Código Tributário Nacional-CTN (Lei 5.172/66).
Diante da ocorrência do fato gerador, a receita tributária encontra-se desvinculada das características do próprio fato tributado e a ninguém se escusa da obrigação tributária, nos termos dos artigos 118 e 126, do CTN. Nestas condições, pouco importa para o Fisco se o fato gerador do imposto decorre de negócio lícito ou ilícito, de fonte moral ou não, de ato nulo ou anulável, de conduta criminosa ou não.
Neste contexto, a cláusula "non olet" é uma questão que vem se consolidando na doutrina pátria, repercutindo, assim, gradativamente na jurisprudência dos tribunais, conforme se verifica nas decisões citadas e em outras encontradas facilmente na literatura jurídica que norteiam a adoção da tributação de atividades criminosas, ilícitas ou imorais. Desse modo, pode-se verificar a incidência tributária de atos ilícitos em praticamente todos os tributos, notoriamente no IR, bem como no ICMS, dentre outros.
Considerando que a maioria dos países tem se preocupado com o combate à sonegação fiscal, as legislações alienígenas vêm dando tratamento idêntico à cláusula "non olet", nos casos de tributação advinda de atividades ilícitas. Ademais, a sonegação fiscal e os delitos correlatos (lavagem de dinheiro, corrupção, seqüestro, tráfico de drogas, terrorismo…) extrapolaram o seu âmbito de ação (anteriormente regionais ou locais) para a escala mundial, em decorrência da globalização e facilidades advindas da internet (rede mundial de computadores). Cumpre recordar o caso singular do mafioso Al Capone (Chicago-EUA, década de 30), sendo preso, processado, julgado e condenado por Crime de Sonegação do Imposto de Renda americano e não por outros delitos supostamente praticados (homicídio, formação de quadrilha, lenocínio, dentre outros), investigados pelo agente Eliot Ness.
Diante do exposto, conclui-se que, com fulcro no Princípio da Isonomia Tributária, é plenamente possível a tributação das atividades ilícitas, tendo em vista que o tributo corresponde a um instituto jurídico amoral, objetivo, abstrato e legal; do contrário, estaria patente obviamente o enriquecimento ilícito, a concorrência desleal e a impunidade fiscal.
Afinal, o contribuinte deveria – em tese – cumprir o mandamento bíblico que consigna: "dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22, 21), e também porque "só há duas coisas certas na vida, a morte e os impostos" (Benjamim Franklin – 1790).
Pelo exposto, conclui-se que o tema escolhido nesta monografia identifica-se com a crescente evolução do Direito Tributário e justifica-se pela atual situação jurídica vigente no país. Evidente que este ensaio jurídico não encerra todo o assunto. Muito menos tem a pretensão de ser desprovido de falhas, pois a matéria é fascinante e repleta de questões jurídicas bastante delicadas que, certamente a doutrina e a jurisprudência irão dirimi-las no futuro e assim solucionando, a grande celeuma atualmente existente sobre o presente tema, pois segundo Albert Einstein "a coisa mais dura de entender no mundo é o Imposto de Renda".
Encerra-se este ensaio jurídico com a divertida crônica:

"A velhinha contrabandista", de Stanislaw Ponte Preta.

Era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um grande saco atrás. O pessoal da alfândega – tudo "malandro velho" – começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta, com o saco atrás, o fiscal da alfândega a mandou parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou:
– Escuta aqui, vovozinha. A senhora passa por aqui todos os dias com esse saco aí atrás. O que a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e respondeu:
– É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou mais desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com a muamba, dentro daquele maldito saco.
No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que levava no saco e ela respondeu que
era areia. O fiscal examinou, e era mesmo.
Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e todas às vezes o
que ela levava no saco era realmente areia. Um belo dia o fiscal se chateou.
– Olha, vovozinha, eu sou fiscal da alfândega e tenho 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
– Mas no saco só tem areia – insistiu a velhinha.
E já ia tocar a lambreta quando o fiscal propôs:
– Eu lhe prometo que a deixo passar. Não lhe prendo, não lhe denuncio e não conto nada a ninguém. Mas a senhora vai me dizer qual é o contrabando que está passando por aqui todos os dias?
– O senhor promete que não conta nada a ninguém? – quis saber a velhinha.
– Juro! – respondeu o fiscal.
– É a lambreta!

Moral da estória: não obstante todo o avanço tecnológico (aquisição de equipamentos de última geração) e humano (concursos exigentes, treinamentos…) implementados nos últimos anos no âmbito da Administração Fazendária, os sonegadores ainda conseguem fugir da incidência tributária por meio de dissimulações diversas, visto que os "filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz" (Lucas 16, 8). Em razão disso, impõe-se a aplicação da cláusula "non olet" no campo tributário.

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