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Reestruturação do Fisco é inconstitucional, diz OAB-BA. Confira a íntegra do parecer enviado à ALBA.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
SEÇÃO DO ESTADO DA BAHIA
COMISSÃO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS

PARECER

REFERÊNCIA: Ofício 01153 de 28/11/08

INTERESSADO: Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia

OBJETO: Exame da Constitucionalidade da proposta normativa da unificação dos cargos de Auditor Fiscal e de Agentes de Tributos no Estado da Bahia.

Exmo. Sr Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado da Bahia

Trata-se de consulta formulada pelo Exmo. Sr. Presidente do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia – IAF, Dr. Helcônio de Souza Almeida, reiterada através dos expedientes protocolados sob os números 28966, 28967 e 31280/2008, que objetiva o pronunciamento dessa Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil sobre uma eventual proposta normativa do Estado da Bahia de estender as funções privativas dos Auditores Fiscais para os Agentes de Tributos do referido ente federativo.

O consulente informa que a Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia pretende implementar proposta de redimensionamento das carreiras integrantes do Fisco estadual, para conferir atribuição de competência privativa dos Auditores Fiscais para a carreira de Agentes de Tributos Estaduais, possibilitando a esses últimos servidores a constituição do crédito tributário, mediante lavratura de auto de infração perante as micro e pequenas empresas.

Sendo assim, indaga o mencionado consulente se a eventual proposta normativa do Estado da Bahia de estender as funções privativas dos 979 (novecentos e setenta e nove) Auditores Fiscais para os atuais 937 (novecentos e trinta e sete) Agentes de Tributos Estaduais seria compatível com o sistema constitucional brasileiro.

Após reflexão acurada sobre o objeto da consulta, embasada na leitura da vasta documentação juntada pelo consulente, passo a emitir o presente parecer.

A Carta Magna de 1988 prescreve, em seu art. 37, caput, que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Tais princípios constitucionais enunciam os mais altos valores e fins do Direito Administrativo, vinculando e subordinando a atuação da Administração Pública nos mais diversos planos federativos.

Ocorre que o referido projeto de reestruturação das carreiras integrantes do Fisco estadual, para conferir atribuição de competência privativa dos Auditores Ficais para a carreira de Agentes de Tributos Estaduais, compromete a totalidade dessa rede principiológica do art. 37 da Lei Maior.

Com efeito, fere-se o princípio constitucional da legalidade administrativa em sentido amplo, aqui entendido como juridicidade, visto que essa proposta normativa de reestruturação do Fisco estadual fere o plexo de normas jurídicas da Carta Magna de 1988, mormente aquelas decorrentes dos artigos 37, 150 e 170, como se vislumbrará doravante.

Ofende-se ainda o princípio constitucional da impessoalidade, porquanto a referida proposta normativa carece dos atributos da abstração e da generalidade, pois acaba se endereçando a destinatários específicos e determinados, sendo possível, concretamente, a identificação dos eventuais interessados, quais sejam, os atuais 937 (novecentos e trinta e sete) Agentes de Tributos Estaduais.

Viola-se também o princípio constitucional da moralidade administrativa, já que a proposta normativa do Estado da Bahia propicia extensão das funções privativas dos Auditores fiscais para os Agentes de Tributos, favorecendo indevidamente essa última categoria de servidores, que se submeteram a concurso público de menor complexidade e de menor exigência de escolaridade, inobstante sua reconhecida importância para o Fisco estadual.

Resta também atingido o princípio constitucional da eficiência administrativa, que não será concretizada pela transformação dos cargos públicos do Fisco estadual, porquanto a capacitação técnica exigida para o desempenho das funções do Auditor Fiscal, aferida mediante rigoroso concurso de provas e títulos, potencializa uma atuação mais eficiente da Administração Pública na constituição do crédito tributário.

Outrossim, a proposta de reestruturação das carreiras integrantes do Fisco estadual, para conferir atribuição de competência privativa dos Auditores Fiscais para a carreira de Agentes de Tributos Estaduais, ofende relevantes princípios implícitos do Direito Constitucional Administrativo, tais como princípio do interesse coletivo, ao permitir o desempenho de atribuição por servidores não legitimados tecnicamente pelo concurso público de provas e títulos, além do princípio da razoabilidade, visto que a suposta alegação de economicidade da medida estatal não se revela razoável, oportunizando ao revés, a posterior arguição judicial de similitude entre as carreiras do Fisco estadual, o que pode redundar em grave prejuízo ao erário do Estado da Bahia.

Se não bastasse a violação de todos os referidos princípios constitucionais do Direito Administrativo, a eventual proposta normativa do Estado da Bahia de estender as funções privativas dos Auditores Fiscais para os Agentes de Tributos fere regra constitucional expressa do art. 37, II, ao preceituar que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, não se admitindo, portanto o acesso à carreira de Auditor Fiscal por via oblíqua, sem o prévio certame de provas e títulos.

De outro lado, a eventual atribuição das funções privativas dos 979 (novecentos e setenta e nove) Auditores Fiscais para os atuais 937 (novecentos e trinta e sete) Agentes de Tributos Estaduais cuidarem exclusivamente das micro e pequenas empresas, abre oportunidade para que sejam cometidas ofensas a outros princípios basilares do sistema constitucional tributário e da ordem econômica da Carta Magna de 1988.

Decerto, o estabelecimento de uma política fiscal voltada para uma fiscalização exacerbada das micro e pequenas empresas, em detrimento das grandes e médias empresas, fere o princípio constitucional da igualdade tributária (art. 150, II), que veda discriminações injustificadas dos poderes públicos no tratamento dos contribuintes, mormente quando a medida se revele incompatível com o já citado princípio constitucional da razoabilidade, visto que não se revela razoável destinar 937 (novecentos e trinta e sete) servidores para ocupar-se, exclusivamente, de uma categoria de contribuintes que corresponde somente à percentagem de 4% (quatro por cento) do montante de arrecadação do Estado da Bahia.

Ademais, a eventual ampliação do ônus tributário a ser suportado pelas micro e pequenas empresas, que tradicionalmente contribuem para o desenvolvimento sócio-econômico através de geração de novos postos de trabalho no Estado da Bahia, oportuniza a ofensa ao manto principiológico do art. 170 da Carta Magna, o qual enuncia que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada, tendo por escopo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, tutelando a função social da propriedade, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Em face de tudo quanto foi exposto e com base nos fundamentos jurídicos acima descritos, considero flagrantemente inconstitucional uma eventual proposta normativa do Estado da Bahia de estender as funções privativas dos Auditores Fiscais para os Agentes de Tributos do Fisco estadual, a fim de propiciar a esses últimos servidores a constituição do crédito tributário, mediante lavratura de auto de infração perante as micro e pequenas empresas.

Salvo melhor juízo, é o meu parecer.

Salvador, 08 de Dezembro de 2008

Ricardo Maurício Freire Soares

Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado da Bahia. Doutor em Direito Público e Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia. Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Fundamentais da Faculdade Baiana de Direito. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados da Bahia.

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