O Estado de S. Paulo
Diante dos temores criados pelo novo Imposto sobre Valor Adicionado federal (IVA-F), previsto na proposta de reforma tributária, o governo aceitará discutir a regulamentação do tributo – o fato gerador e a base de cálculo – já durante a tramitação da reforma no Congresso, segundo informações do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.
Veja os principais pontos da reforma tributária
Em entrevista ao Estado, o secretário garantiu que o governo utilizará a menor alíquota do IVA federal – que substituirá quatro contribuições sociais – para tributar empresas prestadoras de serviços, com o objetivo de evitar aumento da carga tributária. Ele também admitiu que as alíquotas, tanto do IVA como as do novo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), poderão ser modificadas no futuro.
P – Há uma preocupação com a base de incidência do IVA federal. Tem gente achando que ela é ampla demais e que vai invadir a base de incidência do ICMS e do ISS (Imposto sobre Serviços).
R – Em primeiro lugar, a base de incidência do IVA federal não é em nada maior do que a existente hoje para PIS e Cofins. A razão pela qual se escolheu as operações com bens e serviços, como denominação para o IVA federal, foi que este é o padrão utilizado por outros países, em particular pela União Européia. Eu sei que a fórmula escolhida criou alguma apreensão. Nós entendemos que, se for necessário, para trazer mais tranqüilidade sobre a reforma tributária, poderemos avançar na definição de qual seria o fato gerador e a base de cálculo do IVA federal ainda durante a discussão da reforma tributária. Estamos dispostos a fazê-lo.
P – Porque o governo não manteve a mesma base da Cofins e do PIS, que é a receita bruta?
R – Essa base tem algumas complicações na hora de definir o tributo. Quando se utiliza a base da receita bruta, fica mais difícil implementar uma diferenciação de alíquotas por bem ou por serviço. E o IVA federal terá, necessariamente, duas ou, quem sabe, três alíquotas. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é que hoje, quando se paga o PIS e a Cofins, isso não aparece na nota fiscal. A base receita tira a transparência do tributo. Um terceiro complicador: a base estritamente receita não permite tributar importações.
P – Teme-se que o IVA federal seja caracterizado como bitributação, o que poderia criar uma guerra infindável nos tribunais.
R – A área jurídica do Ministério da Fazenda está bastante segura com o modelo. Desde a reforma de 1960, temos a incidência de um tributo federal e outro estadual sobre a mesma base, que é o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ICMS. Já existem decisões no Supremo Tribunal Federal sobre essa questão.
P – As empresas prestadoras de serviços, que pagam a Cofins e o PIS pelo regime cumulativo, com alíquota de 3,65%, temem um aumento da carga tributária.
R – Posso garantir que os setores tributados pelo regime cumulativo terão uma alíquota mais baixa do que a da indústria e a do comércio, tributados no regime não-cumulativo. O objetivo, já explicitado pelo governo, é que a transição seja neutra quanto à carga tributária.
P – Ao substituir as contribuições sociais pelo IVA federal, o governo levou ao Congresso uma nova discussão sobre a partilha dos recursos federais com os Estados. Isso pode dificultar a aprovação?
R – A discussão sobre a partilha com os Estados poderá surgir independentemente da incorporação das contribuições no IVA federal. Mas não vemos motivo para não fazer toda a simplificação proposta. Entendemos que o ganho, em termos de simplificação do sistema, justifica a proposta que está sendo feita.
P – Representantes dos Estados afirmam que o fundo para compensar eventuais perdas só tem, até agora, dinheiro que já é deles. A União não vai colocar recursos no fundo?
R – Sim, a União vai colocar recursos no Fundo de Equalização de Receitas (FER). É preciso entender, no entanto, que apenas os Estados que terão ganho de receita em função das mudanças é que poderão ter que ceder uma parte dos recursos, que hoje recebem por meio da compensação federal pela desoneração das exportações. A reforma tributária tem um impacto positivo sobre a receita dos Estados e será positiva também do ponto de vista do fim da guerra fiscal, da redução da sonegação e do aumento da formalidade.
P – E qual será a parte da União na compensação dos Estados?
R – O governo pretende, nas próximas semanas, discutir com os Estados a estruturação do fundo. Em princípio, a idéia não é definir o montante de aporte da União, mas regras que dêem garantia de que nenhum Estado será prejudicado.
P – Qual o impacto estimado da reforma no crescimento econômico?
R – Pela nossa estimativa, teríamos um potencial de crescimento de 0,5% a mais ao ano. Mas só conseguimos estimar uma parte do impacto da reforma tributária. Há outros impactos que não conseguimos quantificar, como o efeito da redução dos custos das empresas com a simplificação do sistema, da formalização e do aumento da eficiência econômica com o fim da guerra fiscal.
P – Os Estados dizem que terão perdas com a reforma. Qual é o cálculo do governo?
R – A realidade é que os Estados vão ganhar receita com o fim da guerra fiscal e a União vai perder receita, com a desoneração da folha de pagamentos. A desoneração da folha é conhecida: R$ 24 bilhões. A estimativa para o ganho dos Estados e municípios varia de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões. Do ponto de vista da carga tributária global, haveria uma desoneração efetiva de R$ 9 bilhões a R$ 14 bilhões.
Quem é:
Bernard Appy
Economista graduado pela USP e com mestrado na Unicamp. Secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda. Responsável pelas negociações da reforma tributária, como presidente do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz)
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