Lidio Teles (*)
Manué já tinha seus nove ou dez anos, e como todos os demais garotos de sua idade “das roças” do Nordeste do Brasil, e especialmente de Rio do Braço, interior de Valença, não sabia o que era frequentar escola, nem havia qualquer perceptiva ou esperança de que isso um dia viesse a acontecer; mas me contou que sempre teve uma curiosidade aguçada; acho que precoce; tanto que onde ele se encontrava o que mais se ouvia a seu respeito era: que menino curioso! E que certa vez, além de passar o maior sufoco, quase paga caro por isso.
Por outro lado, no entanto, criado na roça solto na natureza, ele disse que sabia a diferença entre um-a vaca grande e um boi grande; entre um-a cachorra grande e um cachorro grande; entre um-a égua grande e um cavalo grande, e até entre uma criança feme e uma criança macho: até aí, tudo bem…
Acontece que num fim de tarde qualquer, sem querer, ao chegar da Capora do Brejo de onde ninguém sabia que ele lá estava, saíu em cima da vea Fostina tomando seu banho de cuia costuneiro, na gamela grande de sempre, dentro da cozinha, com a porta dos fundos semi aberta. E numa mistura de lusco/fusco e susto/pavor, como todo gato, especialmente na penumbra, se parece com lebre, ele teve a impressão, ou achou que partes da vea Fostina era igual a parte do veio Borges que ele costumava ver tomando banho pelado no Rio do Braço, no próprio Riacho do Brejo e na bica da Fonte Fria.
Assim, homes grandes ele disse que já sabia como eram, porque nas roças todos os homes – só machos – tomavam banho juntos e pelados, em riachos e rios, e como o veio Borges parecia ter sido criado com Toddy, por mais que tentasse se esconder com uma das mãos, já que com a outra tinha de se esfregar, uma, apenas, não era suficiente: igual a cobertor curto…
Assim, as formas das meninas, Manué via que eram diferentes das dos meninos, e vice-versa, mas ele ficou em dúvidas de como realmente era as forma de um-a muler fetia!
E continuou!
Relatou que precisava, então, descobrir como era “um-a muler grande; ter certeza de como era um-a muler fetia?” – Adulta – já que ele só conhecia meninas como suas irmãs e primas pequenas, ou até outras crianças também como elas, e a do veio Borges e seus amigos. Disse que aí ficava difícil: onde é que ele nunca ia ver um-a muler grande pelada, nun-a boa?
Só havia um jeito de tirar as dúvidas.
Contou que via todo final de dia, antes de escurecer de tudo, a vea Fostina pôr a “chacolatera” no fogo pra quentar a água do banho costumeiro, e bolou sua estratégia: saíu sorrateiramente pela porta da frente, deu uma vorta enorme e retornou pelos fundos da casa, de sorte que ficou de frente para a porta da cozinha onde a Vea estava tomando banho pelada.
Informou que mesmo desconfiado e cheio de remorso, se escondeu atrás de um-a touceira de bananeiras que havia perto daquela porta.
Não demorou muito e lá estava a vea cobaia como ele precisava vê-la pra tirar suas dúvidas, eliminar sua impressão, ou matar sua curiosidade. Disse que só ficou ali o tempo que julgou suficiente para aquilo! E que quando já se preparava para bater em retirada, mesmo fazendo o possível para se manter no anonimato, a Vea que tudo indica, já tomava banho ali assustada por haver um bocado de menino macho em casa, acha que percebeu algo estranho, algum vulto zoiando o que não era da conta, atrás das bananeiras, antes que ele conseguisse fugir! E como seria de se esperar, não deu outra, não restaram nomes feios, de substantivos a adjetivos qualificativos de conotação pejorativa de que a Vea não o tenha xingado! Disse até que pelo que conhecia da mesma, o que ela não xingou deve ter pensado…
E prosseguiu na estória:
– Saí correno da tocaia, ou quase vuano, tropeçano, chutano ou pulano por cima de tudo que encontrava pela frente, tentano evitar que ela me reconhecesse; que tivesse certeza – sobretudo pela pouca luz que já fazia no mato àquela hora, e porque todos se encontravam em casa ao anoitecer – de quem era o intrujão a lhe espreitar sorrateiramente no esconderijo, justamente por “tremer” as consequências após o banho: se ela descobrisse ao certo que era eu, acho que até hoje estava me bateno, e não dava pra juntar nem os cacos…
Eu só queria, porém, descobrir que diferença da muler o home tem, se é só porque ele tem cabelo no peito, tem o quexo cabeludo e a muler não tem, como diz a música do Gonzagão, ou o quê mais. Pena que ela tenha me visto na espreita; ninguém precisava saber de minha pressa em conhecer coisas proibidas!
O fato é que, felizmente minha estratégia deu certo: ao findar o banho, não seio se a Vea se esqueceu do ocorrido; se não quis se expor mais, priguntano na vista de nóis todos, quem tinha visto ela pelada, ou se entendeu minha curiosidade de criança e ficou com pena de mim! Ou então guardou pra descontar em dobro quando eu fizesse a próxima traquinagem…
O bom foi que eu consegui descobrir que muler mesmo quando fica grande é diferente de home: não era como eu fiquei pensano que ao atingir o estado adulto tudo crescia e se tornava igual ao véio Borges, como eu tive a impressão que vi no flaga do banho de cuia…
Coitado de Manué, teve de aprender da vida, literalmente com a cara, os olhos e a coragem! Aquela Fonte Fria, aquela Fonte Quente, o Riacho do Brejo, e aquele Rio do Braço, onde todos os machos tomavam banho pelados, assim como aquela touceira de bananeira, foram como que as escolas iniciais onde Manué aprendera suas primeiras noções de anatomia, especialmente sobre o corpo humano. Por tudo isso, não vale chamá-lo de pervertido, herege, filho ou irmão desnaturados; aquelas eram as únicas matérias primas de que Manué dispunha nos confins das matas de Rio do Braço, capazes de satisfazerem ou matarem sua curiosidade, supostamente precoce.
Pôxa, Manué, você deu a maior sorte! Esta foi por pouco! Mas, fazer o quê? Quem não tem cão, caça como gato! O que não dá é pra ficar aí parado sem saber o que vem na “frente”…
(Extraída da obra autobiográfica: “Memórias e Fantasias – episódios de uma vida inteira”).
Sem comentários
Os comentários estão fechados.