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O fim do voto de qualidade no contencioso administrativo-fiscal – Quem será empoderado?

Marcos Antônio da Silva Carneiro[1]

 

 

Tolstoi Seara Nolasco[2]

 

 

Vladimir Miranda Morgado[3]

 

 

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, de iniciativa do Dep. Federal Felipe Rigoni (PSL/ES), que passou a ser conhecido pela denominação de “Código de Defesa do Contribuinte”.

As mudanças propostas afetam procedimentos de fiscalização, modificam regras do contencioso administrativo e do processo judicial, promovendo alterações no CTN e na lei de execuções fiscais.

Neste breve artigo, nossa atenção se voltará para a parte do projeto que estabelece que em caso de empate no julgamento de processos administrativos de determinação de exigência do crédito tributário da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, a questão passará a ser resolvida favoravelmente aos contribuintes.

Nos litígios dos créditos tributários administrados pela Receita Federal, essa medida já havia sido implementada através do art. 28 da Lei 13.988/20, mudando-se o critério de desempate nas votações do Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais (CARF). A referida mudança legislativa está sendo objeto de questionamento perante o STF quanto à sua constitucionalidade através das ADIs 6399, 6403 e 6415.

O PLP 17/2022 mantém em seu texto o mesmo critério de solução dos litígios fiscais atualmente existente no CARF, normatizando a questão através de lei complementar. E mais: em dispositivo próprio estabelece a obrigatoriedade da composição paritária nos tribunais administrativos dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Há na proposição legislativa uma clara violação à cláusula pétrea do pacto federativo, previsto na CF/88, através da ingerência do legislador federal na autonomia dos entes subnacionais, na medida em que o Poder Legislativo da União passa a determinar a forma, a estrutura e o funcionamento dos contenciosos tributários estaduais, municipais e distrital.

Vislumbra-se também na proposta vício de iniciativa, posto que a matéria relacionada à organização administrativa é da competência do Poder Executivo.

Ademais, a medida, se implementada, implicará aumento de gastos para entes subnacionais que terão que reorganizar suas estruturas administrativas, inclusive de pessoal, para a adoção do modelo proposto. Mais um fato a macular a constitucionalidade do projeto.

Nos modelos de contencioso fiscal praticados atualmente no Brasil, sobretudo no segundo grau, as estruturas de julgamento são comumente instaladas sob composição paritária, ou seja, preveem julgadores integrantes do fisco e julgadores representantes dos contribuintes, em igual número, estes últimos indicados por instituições que defendem interesses dos setores econômicos.

Não provido o recurso administrativo do contribuinte, a lei garante que a disputa possa ser levada ao Poder Judiciário para que sejam apreciadas e decididas as questões não revistas pela Administração Tributária. Porém o recurso ao Judiciário não é garantido à Administração Fiscal para revisar seus próprios atos, salvo hipótese de anulação por dolo, fraude ou simulação.

Andou mal o legislador em encaminhar o referido PLP.

Além dos vícios constitucionais já apontados, a novidade proposta seria festejável, se a instância administrativa fosse o último portal de garantia dos direitos do sujeito passivo. Isto porque não se instaura no processo fiscal uma lide no sentido jurídico e completo do termo. Enquanto estiver o lançamento sendo discutido nesta seara, inexiste, a rigor, conflito de interesses, porquanto fisco, contribuinte e sociedade desejam, a um só tempo, ajustar o lançamento tributário, aferi-lo para saber se ele tem condições de exequibilidade, ou, ao contrário, merece ele ser proscrito. Daí não se falar em honorários sucumbenciais e custas no processo administrativo, dentre outras especificidades.

Se a alteração legal pretendeu beneficiar os pequenos e médios contribuintes, este efeito não os atingirá necessariamente, na medida em que os órgãos julgadores só costumam ter representantes classistas na instância recursal, que por questões de alçada, não alcança os processos de valores reduzidos.

Registre-se que, quando provocadas, as instâncias administrativas assumem o papel fundamental de atuarem no “controle de qualidade” dos lançamentos de ofício. Neste espaço, exerce o Estado o poder de autotutela. Tanto assim é que independente de quem votou a favor ou contra, as estatísticas de julgamento administrativo apontam para uma boa quantidade de autos de infração nulos, improcedentes ou em parte improcedentes.

Neste esquadro, soaria precipitado eliminar a participação dos julgadores classistas. Estes são fundamentais na apreciação das questões tributárias por outro ângulo, diverso do fazendário, oferecendo alternativas para se encontrar a melhor solução a ser dada ao caso concreto.

Não se ignora que frequentemente o julgador indicado pelo sujeito passivo acompanha a tese do fisco e vice-versa, o julgador fazendário acompanha a tese pró-contribuinte. O que se deve alertar é que, com o novo critério de desempate estabelecido, passe a existir uma tendência da categoria econômica tentar convencer os representantes dos contribuintes a aderirem às teses defensivas, pelo menos nos processos de grande monta ou que envolvam questões jurídicas inovadoras levantadas pelo fisco.

Frise-se que qualquer série estatística tendente a justificar o baixo índice de decisões pelo voto de qualidade ficará irremediavelmente prejudicada em função dessa proposta de lei, que ao implementar o novo critério, poderá suscitar empates em volume muito maior ao verificado até então.

Pensamento recíproco não se aplica aos representantes fazendários. Têm eles o dever de agir de modo a não deixar passar para o crivo do Judiciário decisões que se submetam ao ônus da sucumbência a gravar o erário.

Com o propósito de evidenciar a pouca representatividade de decisões proferidas com voto de desempate, apresentamos a seguir alguns números extraídos do contencioso fiscal do Estado da Bahia, envolvendo processos submetidos a julgamento no Conselho de Fazenda Estadual (CONSEF), no ano 2021:

 

PROCESSOS PAUTADOS: 1.097

PROCESSOS JULGADOS: 783

 

PROCESSOS CONTENDO DECISÕES COM VOTO DE QUALIDADE EM FAVOR DO FISCO: 81

PERCENTUAL DE PROCESSO DECIDIDOS COM VOTO DE QUALIDADE: 81/1.097 = 7,38%

Valores dos processos julgados com voto de DESEMPATE: R$ 120.841.381,03

Valores de todos os processos: R$ 1.583.903.630,00

PERCENTUAL DE PROCESSOS DECIDOS COM VOTO DE DESEMPATE EM RELAÇÃO AOS VALORES ENVOLVIDOS: R$ 120.841.381,03/ R$ 1.583.903.630,00 = 7,63 %

Grau de reforma dos processos julgados em 2021 na instância paritária: 35%, sendo:

  1. 22% parte improcedente;
  2. 10% totalmente improcedente;
  3. 3% Nulos.

Os números expostos acima revelam o baixo índice de decisões proferidas na Bahia, em 2021, com voto de desempate do Fisco (7,63%). O mesmo perfil se apresentou nos últimos dois anos quando se toma por referência aos valores dos processos: 2020: 14,41% e 2019: 11,11%. Muito provavelmente este é o cenário existente nos contenciosos tributários das outras unidades federadas.

Neste contexto não se vislumbra a necessidade de se entregar aos representantes dos contribuintes o desenlace das questões tributárias, comprometendo a prerrogativa dos entes públicos de revisarem seus atos administrativos. Haveria uma intromissão desmedida do particular que, pela voz e voto de um representante, acabaria solapando prerrogativas o poder tributante estatal.

Esse empoderamento dos setores privados no contencioso administrativo tributário não se justifica e vai na contramão do interesse público.

[1] Presidente do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia (IAF).

[2] Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia (IAF).

[3] Ex-Diretor Jurídico do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia (IAF). Auditor Fiscal do Estado da Bahia, Conselheiro do CONSEF (Conselho Estadual de Fazenda).

 

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